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Complexidade da Auto-Representação: estudos com crianças

PARTE I – AVALIAÇÃO DA AUTO-REPRESENTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA

3. Complexidade da Auto-representação

3.3. Complexidade da Auto-Representação: estudos com crianças

Como descrito anteriormente (ver ponto 1.1.), a auto-representação de crianças e adolescentes torna-se cada vez mais diferenciada, com a inclusão de um maior número de dimensões na organização do pensamento sobre si (e.g., Harter, 2003). Assim, a expectativa é que existam diferenças em função da idade ao nível da complexidade da auto-representação (Abela & Véronneau-McArdle, 2002; Evans, 1994; Evans, David & Seaman, 2000; Evans, Brody, & Noam, 2001; Jordan & Cole, 1996).

Uma revisão da investigação desenvolvida permite constatar que foram realizados dois estudos com crianças em que foi analisado o papel da complexidade da auto- representação: o estudo de Jordan e Cole (1996) e o de Abela e Véronneau-McArdle (2002). Em ambos os trabalhos foi usada uma metodologia já utilizada em investigação com adultos (uso de um conjunto de atributos). Contudo, os estudos divergem na operacionalização da complexidade da auto-representação, bem como nos resultados obtidos ao nível da estrutura e do papel da complexidade da auto-representação.

No trabalho de Jordan e Cole (1996) foi obtida uma correlação positiva entre a dimensão positiva e a dimensão negativa da complexidade da auto-representação e constatou- se que a diferenciação da auto-representação se relacionava positivamente com sintomas de depressão e com acontecimentos de vida negativos. No entanto, importa salientar que os autores propõem a análise do papel da complexidade da auto-representação através do estudo de uma das suas dimensões – a diferenciação. Ou seja, apesar de ter sido utilizada a estatística H para calcular a complexidade da auto-representação, neste estudo foram definidos à partida os contextos em que as crianças se podiam descrever (competência escolar, aceitação social, competência atlética, comportamento). E tal como reconhecido pelos autores, apenas foi avaliado um dos aspectos da complexidade - a diferenciação (ambos os conceitos – complexidade e diferenciação - são utilizados para fazer referência a esta medida da estrutura da auto-representação).

Com base nos resultados obtidos, Jordan e Cole (1996) propõem que na infância a ocorrência de acontecimentos negativos conduz ao aumento da complexidade da auto- representação e da depressão. De acordo com a teoria dos autores, os acontecimentos de vida

negativos envolvem frequentemente informação negativa sobre a criança e no sentido de lidar com isso, as crianças, motivadas pela manutenção de uma auto-representação positiva, desenvolvem novos self-aspects para resistir à generalização de informação negativa sobre si. Assim, na infância, a complexidade da auto-representação pode aumentar em resposta a acontecimentos de vida negativos. Desta forma, as experiências negativas na infância podem potenciar a organização do auto-conhecimento de uma forma a funcionar como buffer mais tarde.

Contudo, duas críticas podem ser apontadas a esta interpretação da complexidade da auto-representação na infância. Por um lado, será que a análise de apenas um dos componentes da complexidade permite compreender a complexidade? Os estudos com adultos indicam que a diferenciação e a complexidade não se encontram correlacionadas (e.g., Constantino & Pinel, 2000). Por outro, os resultados apresentados parecem de facto dar conta do desenvolvimento da diferenciação e do papel desta para os indivíduos, sendo os resultados obtidos comparáveis com os que têm sido descritos em estudos com adultos. Por exemplo, no estudo de Donahue, Robins, Roberts e John (1993), com estudantes universitários, foi identificado que níveis elevados de diferenciação da auto-representação estavam associados com níveis elevados de sintomas de depressão.

Face às limitações do estudo anterior na compreensão do papel da complexidade da auto-representação, Abela e Véronneau-McArdle (2002) desenvolvem um estudo com crianças do terceiro e sétimo ano de escolaridade e analisam a complexidade da auto- representação considerando a medida global e as medidas positiva e negativa da complexidade. Neste estudo, foi constatado que a complexidade da auto-representação positiva e negativa não estavam correlacionadas. Para além disso, a níveis elevados de complexidade da auto-representação positiva estavam associados níveis mais baixos de depressão e a níveis elevados de complexidade da auto-representação negativa estavam associados níveis mais elevados de depressão. Estes resultados indicam que a complexidade não é um constructo unitário.

No que se refere ao papel da complexidade da auto-representação, foi demonstrado que níveis elevados de complexidade da auto-representação negativa interagem com a ocorrência de acontecimentos de vida negativos na predição do aumento de sintomas depressivos apenas nas crianças mais velhas (sétimo ano de escolaridade). Relativamente ao desenvolvimento da complexidade da auto-representação confirmou-se, tal como previsto, que as crianças do sétimo ano de escolaridade apresentavam valores mais elevados de

complexidade da auto-representação global e positiva comparativamente com os valores observados nas crianças do terceiro ano de escolaridade. Contudo, não foram identificadas diferenças entre as crianças do terceiro e sétimo ano de escolaridade ao nível da complexidade da auto-representação negativa (Abela & Véronneau-McArdle, 2002).

A ausência de diferenças entre o grupo do terceiro ano de escolaridade e o grupo do sétimo ano de escolaridade na dimensão negativa leva os autores a sugerir que o desenvolvimento da complexidade da auto-representação negativa está numa fase inicial nas faixas etárias consideradas, e que provavelmente na adolescência serão observadas diferenças maiores nesta dimensão. Para além disso, quer no estudo de Jordan e Cole (1996), quer no estudo de Abela e Véronneau-McArdle (2002) é sugerido que na adolescência, devido à maior capacidade dos indivíduos de incluírem informação negativa sobre si na sua auto- representação, se poderá observar uma maior distinção entre a dimensão positiva e a dimensão negativa da complexidade da auto-representação.

A investigação desenvolvida com crianças permite reflectir sobre as potenciais mudanças na organização da informação sobre o self na adolescência. Um outro importante contributo para a reflexão sobre a complexidade da auto-representação na adolescência são os três estudos desenvolvidos por Evans e colaboradores (Evans, 1994; Evans, David & Seaman, 2000; Evans, Brody, & Noam, 2001) em que é analisada a relação entre complexidade da auto-representação e outras variáveis do desenvolvimento. Mais especificamente, no estudo de Evans (1994), em que participaram crianças dos 11 aos 17 anos, foi verificada uma correlação positiva entre os valores de complexidade da auto- representação e a idade. Nos estudos seguintes foi possível identificar a associação de valores mais elevados de complexidade da auto-representação com a utilização de mecanismos de defesa indicadores de maior maturidade em adolescentes dos 15 aos 18 anos (Evans, David & Seaman, 2000). Em todos os estudos verificou-se a associação de níveis mais baixos de complexidade a mais sintomas de depressão e problemas de internalização.

Apesar da relevância dos resultados obtidos na compreensão da complexidade da auto-representação na adolescência, os estudos apresentam importantes limitações a nível metodológico, por um lado, a metodologia utilizada para avaliar o constructo difere das propostas tradicionais de medida, por outro nos três estudos desenvolvidos não foi usada sempre a mesma medida, dificultando assim a comparação dos resultados. Por exemplo, enquanto no estudo de Evans e colaboradores (2000) foi utilizado o inventário da complexidade da auto-representação de Evans (1994), no estudo de Evans e colaboradores

(2001) a complexidade da auto-representação foi avaliada através da análise da matriz de correlação das dimensões da percepção de competência. Para além disso, o inventário de complexidade da auto-representação proposto não avalia directamente a auto-representação dos adolescentes, pois não é pedido aos adolescentes para se auto-descreverem, mas antes é avaliado o impacto que um acontecimento negativo numa área tem noutras áreas (as áreas ou domínios são definidas à partida).

Face às limitações descritas é possível argumentar que estes estudos não permitem responder a algumas das questões relativas ao desenvolvimento da complexidade da auto-

representação na adolescência, nomeadamente permanecem questões relevantes na literatura

relativas ao papel da complexidade da auto-representação positiva e negativa identificado nos estudos com adultos e crianças. Para além disso, é de suma importância que as questões metodológicas e de operacionalização da complexidade da auto-representação sejam abordadas e que sejam desenvolvidas medidas semelhantes que permitam a comparação dos resultados e a adopção de uma perspectiva desenvolvimentista do conceito.