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PARTE I – AVALIAÇÃO DA AUTO-REPRESENTAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA

2. A Auto-representação

2.1. Tipos de Auto-representação

De acordo com a perspectiva da Psicologia Social os indivíduos têm um conjunto diversificado de informação sobre si, sendo por isso necessário organizar a informação sobre o auto-conceito através de diferentes auto-representações (Markus & Wurf, 1987). A auto-

representação, corresponde a uma representação mental da informação sobre o auto-conceito

ou os ‗attributes or characteristics of the self that are consciously acknowledge by the individual through language – that is, how one describes oneself‘ (Harter, 1999, p. 3). Diferentes autores (e.g., Markus, 1977; Markus & Wurf, 1987; Linville, 1987) defendem que as representações que os indivíduos têm sobre si se organizam de forma sistemática, lógica, integrada e coerente em pequenos núcleos informativos referentes a domínios específicos do

self. O auto-conceito pode, assim, ser pensado como uma ‗família de auto-representações‘ em

que algumas são mais proeminentes, elaboradas e acessíveis do que outras (Cantor & Kihlstrom, 1987; Kihlstrom & Cantor, 1984; Linville, 1985; Markus & Wurf, 1987; Niedenthal et al., 1992; Ogilvie, 1987).

Face à multiplicidade de auto-representações é proposto que existem diferentes tipos que se distinguem pela valência, importância, grau de elaboração e de evidência comportamental. As auto-representações podem ser combinadas e usadas para responder às necessidades de diferentes situações (Markus & Kunda, 1986). Uma auto-representação pode tornar-se mais saliente devido às pistas do contexto em combinação com as motivações e necessidades individuais (Harter, 1988, 1990; Linville & Carlston, 1994; Markus & Kunda, 1986; Markus & Wurf, 1987; Rhodewalt, 1986). Por exemplo, a forma como os indivíduos se representam varia em resposta a pistas e ‗primes‘ (Bargh & Williams, 2006), à presença de outros (Buckingham & Alicke, 2002), e em função do papel que é atribuído aos indivíduos (Haney, Banks, & Zimbardo, 1973; Milgram, 1963), entre outros.

Psicólogos e sociólogos concordam que mais do que pensar num auto-conceito global é necessário pensar num auto-conceito acessível e activo (Schlenker, 1985; Cantor & Kihlstrom, 1987; Markus & Nurius 1986; Rhodewalt 1986; Rhodewalte & Agustsdottir 1986). Neste sentido, é proposto que algumas representações são mais centrais, elaboradas e acessíveis do que outras (Cantor & Kihlstrom, 1987; Kihlstrom & Cantor, 1984; Linville, 1985; Markus & Wurf, 1987; Niedenthal et al., 1992; Ogilvie, 1987).

Algumas auto-representações, dada a sua importância na definição do auto-conceito, são mais salientes e acessíveis (i.e., auto-representações centrais), as passo que outras variam no grau de acessibilidade dependendo das situações e do estado afectivo e motivacional do

indivíduo (i.e., auto-representações periféricas) (Markus & Kunda, 1986). Um exemplo de auto-representações centrais é o conceito de self-schemata, i.e. ―cognitive generalizations about the self, derived from past experience, that organize and guide the processing of self- related information contained in the individuals social experiences‖ (p.64) proposto por Markus (1977). A combinação de auto-representações centrais e de auto-representações periféricas permite assim conciliar o aparente paradoxo da co-existência da estabilidade e maleabilidade.

Para além da organização da informação em categorias cognitivas é proposto por Linville (1985, 1987) que as categorias cognitivas variam em termos do afecto que lhes está associado. Algumas categorias cognitivas têm associadas emoções positivas, outras têm associadas emoções negativas, ou uma mistura de ambas. Ou seja, quando uma determinada categoria cognitiva é activada por um determinado acontecimento ou através de associações na memória, os indivíduos podem sentir-se bem ou mal, dependendo do afecto que está associado à categoria cognitiva activada. O processo de disseminação da activação consiste na exposição a estímulos que activam nódulos (i.e., representações cognitivas) associados ao estímulo original (e.g., Neely, VerWys, & Kahan, 1998). Por exemplo, apresentar a palavra ‗pimenta‘ irá activar nódulos associados com essa palavra. Isso significa que a pessoa vai responder de forma mais rápida à palavra ‗sal‘ do que à palavra ‗cartão‘ porque a apresentação da palavra ‗pimenta‘ activou o nódulo ‗sal‘. De acordo com o modelo de Linville (1987) o impacto de uma experiência relativa a uma categoria espalha-se/propaga-se a outras categorias de acordo com a força da relação entre si. Assim, o afecto actual é o resultado do afecto associado a uma categoria cognitiva activada recentemente e das categorias activadas devido a um processo de spillover ou por um outro processo cognitivo, tal como recordar experiências passadas.

A par dos processos cognitivos e emocionais associados à multiplicidade de auto- representações, é proposto, que as auto-representações integram diferentes perspectivas temporais (passado, presente e futuro) e representação do self em termos de aspirações e desejos (e.g., o ‗self ideal‘ e ‗ought self‘, Higgins, 1987; o ‗self indesejado‘, Ogilvie, 1987; ‗possible selves‘, Markus & Nurius, 1986). Estas propostas continuam a estabelecer a ligação entre os processos cognitivos, emocionais e motivacionais e a auto-representação. Por exemplo, Markus e Nurius (1986) propõem o conceito de Eu‘s possíveis, que representam o tipo de pessoa que o individuo quer, pode e teme tornar-se. Markus e Ruvolo (1989) defendem que o self, entendido nesta capacidade que os indivíduos têm para projectar as suas

identidades no futuro, desempenha uma função ao nível da motivação, pois apresentam-se enquanto linhas de orientação. Desta forma, os indivíduos são guiados e influenciados pelas concepções que desenvolvem acerca do que gostariam de ser, pelo que se encontram motivadas para desenvolver comportamentos que lhes permitem seguir na direcção das aspirações e desejos, aspecto este que também tem inúmeras implicações em termos da auto- estima, na medida em que, a uma maior aproximação entre o self real e as restantes representações de carácter mais futuro, corresponderá um sentimento de maior valorização pessoal.

Para além da auto-representação do que são, é proposto que os indivíduos também têm representações relativas ao que não se querem tornar, o que Ogilvie (1987) denominou como ‗self indesejado‘ e, em relação ao que consideram que deveriam ser (obrigações e responsabilidade) e o que, idealmente, seriam – ‗self ideal‘ (Higgins, 1987; Higgins, Kline, & Strauman, 1985). Estas propostas contribuem para a compreensão da ligação da auto-

representação com processos emocionais e cognitivos. Por exemplo, tem sido demonstrado

que a discrepância entre o self actual e ideal está associada a níveis mais elevados de tristeza, e um nível elevado de discrepância entre o self actual e esperado está associado a níveis elevados de ansiedade e medo. Mais recentemente, verificou-se que acessibilidade e a relevância das discrepâncias no contexto presente moderam a importância e magnitude das discrepâncias (Swann & Bosson, 2010), ou seja a ligação entre os processos emocionais e os processos cognitivos.

Em geral, o estudo da multiplicidade das auto-representações em termos de valência, centralidade, desejo ou realidade, presente, passado e futuro, contribuiu para a compreensão da relação entre a forma como os indivíduos se pensam e os processos intrapessoais (incluindo o processamento de informação, afecto e motivação) e os processos interpessoais (incluindo a percepção social, a escolha de situações, de parceiros e de estratégias de interacção, e reacções ao feedback). A ideia de ‗working self-concept‘ sugere que nem todas as auto-representações que fazem parte do auto-conceito estão sempre acessíveis (Markus & Wurf, 1987). O auto-conceito activo será melhor pensado se for visto como um conjunto de conhecimento acessível, continuamente activo e em mudança (Hinkley & Anderson, 1996). Como é possível observar na Figura 1, o working self-concept é uma configuração particular de auto-representações. O conjunto de auto-representações activas num determinado momento depende de factores tais como o contexto social e o estado motivacional do individuo. Algumas auto-representações são activadas automaticamente e são mais

importantes e acessíveis. As estruturas activas são a base a partir da qual os indivíduos iniciam as acções e a base para a observação e avaliação dessas acções (Markus & Wurf, 1987).

Figura 1.Working Self-Concept (adaptado de Markus e Wurf, 1987)