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1. Relatório de Atividades

2.1.9. Complicações da Diabetes mellitus

2.1.9.1. Complicações agudas: Emergências diabéticas 2.1.9.1.1. Hipoglicémia

Esta urgência diabética, relativamente comum em gatos tratados com insulinas de longa acção, poderá ser potencialmente fatal, pelo que os cuidadores deverão ser bem instruídos no sentido de reconhecerem os primeiros sinais (letargia, fraqueza, alterações comportamentais, tais como: agressividade ou agitação ou afastamento das pessoas, cambalear e aumento do apetite) que, quando não resolvidos, evoluirão para um estado neurológico mais grave que resultará em convulsões ou coma, tendo como resultados últimos a lesão cerebral e a morte. Poderá resultar de uma sobredosagem de insulina (geralmente > 1,5UI/Kg) ou à sobreposição do efeito das administrações bidiárias, à não ingestão de alimento, a exercício físico demasiado intenso ou prolongado, quando condições que causam insulino-resistência são resolvidas ou, no caso dos gatos, quando estes revertem a sua dependência de insulina (Davison, 2012a; Rand, 2012; Koenig, 2013; Rand, 2013b; Greco, 2014; Nelson, 2015a; Reusch, 2015; Sparkes et al, 2015). Assim que os primeiros sinais são detetados, deverá ser imediatamente interrompida a insulinoterapia e fornecido alimento pobre em fibra e com elevado teor de açúcar (p. ex. biscoitos ou géis ou água açucarada), quando o estado de consciência do animal o permite, uma vez que, quando este é incapaz de ingerir comida por si, deverá ser aplicado mel ou outra solução açucarada na mucosa oral de onde é diretamente absorvido, até que o animal recupere o suficiente para ingerir voluntariamente. Tudo isto deverá ser executado ainda antes de telefonar ao MV ou deslocar-se ao CAMV. Aqui, a hipoglicémia sintomática é tratada através da administração de comida, água açucarada ou dextrose EV, sendo a dose de insulina diminuída em 25 a 50% após a recuperação do episódio hipoglicémico (quando assintomática e detetada apenas durante uma curva de glicémia ou um valor baixo de frutosamina, a redução deverá ser de 10 a 20%, dependendo da dose administrada até aí)

(Davison, 2012a; Fleemann & Rand, 2013; Rand, 2013b; Monroe, 2014; Nelson, 2015a; Reusch, 2015; Sparkes et al, 2015).

2.1.9.1.2. Cetoacidose diabética e Síndrome Hiperosmolar Hiperglicémico Uma vez estabelecido o diagnóstico de DM, deverá ser averiguada a presença ou não de DM complicada (a qual requer hospitalização imediata e maneio intensivo). Esta poderá surgir sob a forma de Cetoacidose Diabética (CAD) ou de Síndrome Hiperosmolar Hiperglicémico (SHH), sendo que ambas poderão colocar em risco a vida do animal, tais são as alterações metabólicas que provocam, pelo que o sucesso do tratamento passa pelo rápido diagnóstico e instituição da terapêutica adequada. Estas síndromes poderão ser consideradas como duas evoluções distintas para a DM descompensada, no entanto, a fisiopatologia e o tratamento de ambas são semelhantes (Boysen, 2008; O’Brien, 2010; Hess, 2013; Koenig, 2013).

2.1.9.1.2.1. Sinais clínicos e Exame Físico

Regra geral, os animais com CAD e SHH surgem letárgicos, pêlo em mau estado, com quadro de vómito ou diarreia, anorexia (parcial ou completa), náusea e outros sinais consistentes com doenças concomitantes. Os gatos poderão surgir com alterações na marcha ou sinais de fraqueza e os que apresentam SHH têm maior probabilidade de desenvolver sinais neurológicos (tais como andar em círculos, deambular, alteração do estado mental e convulsões) do que os com CAD (Koenig, Drobatz, Beale & King, 2004; O’Brien, 2010; Koenig, 2013). O odor a acetona no ar expirado surge normalmente antes da cetonúria, bem como a cetonémia que poderá ser diagnosticada até 5 dias antes através da tira de urina (Rand & Marshall, 2005; Rand, 2013c). Os pacientes com acidose metabólica grave poderão exibir a respiração de Kussmaul (caracterizada por ser lenta e profunda), a qual poderá ser confundida com uma respiração devida a stress (O’Brien, 2010).

2.1.9.1.2.2. Diagnóstico

Os animais com CAD ou SHH poderão ser recém diabéticos, estarem a ser tratados para a DM ou terem história dos sinais típicos de PU/PD/PP, com apetite normal a aumentado, sendo a maioria de meia-idade a idosos, não havendo um género predominante (O’Brien, 2010). O principal critério de diagnóstico de CAD é a confirmação da existência de hiperglicémia, glucosúria, cetonémia ou cetonúria e acidose metabólica (diminuição do pH abaixo de 7,3 e concentração do ião bicarbonato menor que 15 mmol/L). Já a SHH é caracterizada por hiperglicémia acima de 600 mg/dL, ausência ou presença pouco significativa de cetonémia ou cetonúria e osmolalidade plasmática acima de 310- 320mOsm/Kg. Apesar destas diferenças, alguns pacientes com CAD têm hiperosmolaridade e outros com SHH apresentam cetonémia ligeira a moderada, no entanto, sem acidose (Boysen, 2008; O’Brien, 2010; Hess, 2013).

Todos os pacientes suspeitos de apresentar CAD ou SHH deverão ser submetidos a um painel completo de exames complementares, dado o risco de vida e a frequência de doenças concomitantes que poderão tornar o diagnóstico mais confuso e aumentar significativamente a morbilidade (O’Brien, 2010). Tanto os exames como os resultados mais comuns são apresentados na Tabela 34 do Anexo 3.

2.1.9.1.2.3. Tratamento

A terapêutica adequada não passa por voltar ao estado normal no menor período de tempo possível, pois tanto as alterações osmóticas como as bioquímicas demoram a voltar à normalidade, geralmente entre 24 a 48 horas, e poderão surgir outras complicações mais prejudiciais no caso de se adotar uma terapêutica excessivamente agressiva (Nelson, 2014). De forma a sistematizar o maneio e monitorização recomendados, é apresentado um protocolo na Tabela 35 do Anexo 3.

Para além da fluidoterapia, insulinoterapia e da suplementação de eletrólitos, poderá ser necessário adicionar antibióticos, anti-eméticos, gastroprotetores e analgésicos, consoante a apresentação clínica e as afeções concomitantes presentes (Boag, 2012; Hess, 2013; Rand, 2013a; Nelson, 2014; Nelson, 2015b). Quando o animal estiver estabilizado e uma insulinoterapia de longa ação for implementada, deverá ser incluído um maneio dietético adequado e planear a monitorização subsequente (Koenig, 2013).

2.1.9.2. Complicações crónicas

As complicações crónicas da DM, do seu tratamento ou das alterações associadas, verificadas no Homem (nefropatia, neuropatia, vasculopatia e cardiopatia) são raras nos cães e gatos diabéticos, possivelmente devido a diferentes mecanismos fisiopatológicos envolvidos ou, muito provavelmente, por causa da menor esperança média de vida após o diagnóstico (Reusch et al, 2010; Davison, 2012a; Greco, 2014; Nelson, 2015a). Inclusivamente, no estudo realizado por Herring, Panciera e Werre (2014) foi verificado que apenas a proteinúria se desenvolvia de forma considerável nos dois anos seguintes ao diagnóstico da doença (no entanto, os autores sugerem que, não tendo sido uma progressão significativa, esta não se deva a nefropatia diabética, até porque não ocorreu uma deterioração progressiva da função renal), não tendo sido identificadas outras complicações vasculares clínicas (hipertensão sistémica e retinopatia), o que vem reforçar a ideia de que é necessário muito mais tempo para que se desenvolvam estas complicações características da DM humana. Outras complicações diabéticas pouco comuns nestes animais são a retinopatia, a glomeruloesclerose, a IPE, a parésia gástrica, a hipomotilidade intestinal, a diarreia e a dermatopatia diabética (mais no cão) que surge sob a forma de uma dermatite superficial necrosante, sendo o seu diagnóstico realizado através de biópsia de pele (Davison, 2012a; Nelson, 2015a).