• Nenhum resultado encontrado

1. Relatório de Atividades

2.2. Qualidade de Vida

2.2.3. Qualidade de Vida e Diabetes mellitus

Até à data, tanto quanto sabemos, apenas foram publicados dois artigos referentes especificamente à QdV do paciente diabético veterinário: Niessen et al (2010b) avaliaram um estudo de QdV para gatos diabéticos (n = 221) e Niessen et al (2012) estudaram essa mesma ferramenta em cães diabéticos (n = 101). Niessen et al (2011) avaliaram o impacto da monitorização em casa da glicémia na QdV dos gatos diabéticos e seus cuidadores, tendo concluído que esta técnica de monitorização da DM é conduzida essencialmente por cuidadores que pretendem deter um maior controlo autónomo sobre a doença, não parecendo afetar de uma forma geral a QdV tanto do cuidador como do seu gato, sugerindo- se então que seja indicada apenas para cuidadores selecionados. Ainda no maneio dos pacientes diabéticos é de destacar os trabalhos de Aptekmann que, conjuntamente com Schwartz em 2011 recolheram o testemunho de 93 cuidadores brasileiros de cães diabéticos e, em 2014, com Armstrong, Coradini e Rand, avaliaram esta mesma experiência em cuidadores de cães e gatos diabéticos nos E.U.A.

Esta paucidade de informação contrasta em larga escala com outras doenças, nomeadamente a QdV em pacientes oncológicos (Mellanby, Herrtage & Dobson, 2003; Yazbek & Fantoni, 2005; Tzannes, Hammond, Murphy, Sparkes & Blackwood, 2008; Giuffrida & Kerrigan, 2014), com dor crónica associada a osteoartrite (Wiseman-Orr, Scott, Reid & Nolan, 2006; Benito, Gruen, Thomson, Simpson & Lascelles, 2012; Benito et al, 2013), com cardiopatias (Oyama et al, 2008; Reynolds et al, 2010) ou com dermatopatias (Linek & Favrot, 2010; Noli et al, 2011). Em medicina humana, são inúmeras as publicações sobre o impacto da doença na QdV das várias faixas etárias e nos mais diversos aspetos da vida de um diabético humano (Silva, Pais-Ribeiro, Cardoso & Ramos, 2003; McMillan, Honeyford, Datta, Madge & Bradley, 2004; Ali et al, 2010; Bair et al, 2010; Bradley et al, 2011; Fritz et al, 2011; Kalyva, Malakonaki, Eiser & Mamoulakis, 2011; Matziou et al, 2011).

O questionário desenvolvido por Niessen e seus colaboradores comprovou ter as propriedades psicométricas necessárias para ser considerado como cientificamente sólido: fiabilidade- mede algo de forma reprodutível, validade- mede o que se pretende, e tem capacidade de resposta- mede alterações clinicamente relevantes no atributo que se pretende medir (Giuffrida & Kerrigan, 2014). O desenho do inquérito foi discutido por Médicos e Enfermeiros Veterinários, peritos da DM humana, um epidemiologista clínico, 23 cuidadores de cães e gatos diabéticos, entre outros, tendo também sido utilizados questionários para crianças diabéticas. Daqui resultaram 29 itens específicos da QdV na DM com as respetivas perguntas e respostas de escolha múltipla a serem aplicadas, tendo este estudo sido designado por DIAQoL-pet e posteriormente colocado online onde foi realizado o pré-teste para a identificação (e posterior correção) de áreas dúbias e avaliação da sua validade. A versão final, a mesma para ambas as espécies em estudo, de forma a permitir comparações diretas, foi igualmente disponibilizada online em:

http://www.rvc.ac.uk/diabetes/ (Royal Veterinary College, 2012). Através da pontuação dos IWIS (IWIS – Item-weighted-impact-score), é possível ordenar as áreas com maior impacto negativo na QdV e comparar as diferenças verificadas entre cães e gatos, o que se encontra sistematizado na Tabela 6 (Niessen et al, 2010b; Niessen et al, 2012).

Tabela 6 - Áreas com maior impacto negativo na Qualidade de Vida de cuidadores e pacientes com Diabetes mellitus (adaptado de Niessen et al, 2010b e Niessen et al, 2012).

Cão Gato

Preocupação com a doença Não deixar em gatis devido à doença Não deixar com amigos ou familiares devido à

doença

Deter mais controlo sobre a doença por si próprio

Preocupação com problemas oftamológicos

Não deixar com amigos ou familiares devido à doença

Não deixar em canis devido à doença Preocupação com a doença

Preocupação com episódios de hipoglicémia Preocupação com episódios de hipoglicémia Necessidade de ajustes da vida social à

doença

Necessidade de ajustes da vida social à doença

Preocupação com os gastos inerentes à doença

Preocupação com os gastos inerentes à doença

Preocupação em não conseguir assegurar os cuidados com o animal no futuro devido à doença

Necessidade de ajustes da vida profissional à doença

Necessidade de ajustes da vida profissional à

doença Disposição do animal afetada pela doença

Restrição de atividades Restrição de atividades

Preocupação com episódios de CAD O gato continua a urinar mais do que antes do diagnóstico

Disposição do animal afetada pela doença Preocupação com episódios de CAD O cão não acompanha o cuidador num dia

ativo devido à doença

O gato continua a beber mais do que antes do diagnóstico

Deter mais controlo sobre a doença por si próprio

O gato continua com mais apetite do que antes do diagnóstico

O cão ficou de alguma forma negativamente afetado desde o início do tratamento da doença

O gato ficou de alguma forma negativamente afetado desde o início do tratamento da doença

Da tabela anterior é de salientar o facto dos cuidadores de cães diabéticos terem muito presente a problemática das cataratas, o seu aparecimento e progressão, não obstante o controlo glicémico e a rapidez com que este é alcançado (Niessen et al, 2012). Uma outra diferença significativa observada é a registada no parâmetro “mais controlo” que, no caso dos pacientes felinos surge em segundo lugar, ao passo que nos caninos apenas surge no 14º. Isto poderá dever-se à recente alteração na filosofia do tratamento da DM, com protocolos de insulinoterapia e monitorização mais rigorosos, de forma a maximizar a possibilidade de ocorrência de remissão (Niessen et al, 2012).

À semelhança do que acontece com outras doenças crónicas, também na DM há impactos positivos da doença na QdV, nomeadamente, e por ordem decrescente, o estabelecimento de uma relação mais forte entre o cuidador e o seu animal, uma maior predisposição por parte do primeiro para brincar com o seu animal diabético, bem como atenção, passeios, petiscos e guloseimas adicionais (Niessen et al, 2010b; Niessen et al, 2012). O fortalecimento da relação entre cuidador e cão diabético é também suportado pelos dados de Aptekmann e Schwartz (2011), onde 31% dos respondentes referiu essa maior ligação desde o diagnóstico de DM, muito possivelmente devido aos laços emocionais adicionais que se desenvolvem através das interações diárias decorrentes do tratamento da doença.