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4. C OMPLICAÇÕES INERENTES ÀS OSTOMIAS DE ELIMINAÇÃO INTESTINAL

4.3. Complicações relativas ao estoma

De acordo com Martins e cols. (2007), as complicações relacionadas com os estomas podem classificar-se em dois grandes grupos: imediatas ou precoces, como a necrose, a retracção, a hemorragia e o edema, e tardias, como a estenose, a hérnia, o prolapso, o abcesso e a oclusão intestinal.

A necrose constitui uma complicação precoce, iniciada com a diminuição da circulação sanguínea no estoma (isquemia) e que culmina na necrose isquémica. Nas ileostomias, este processo verifica-se entre 2,3% a 17% dos casos, sendo a causa mais frequente da necrose das ileostomias e colostomias a esquelitilização do intestino. Na avaliação da necrose, é importante a determinação da sua localização, acima ou abaixo da fáscia, uma vez que na primeira situação se pode optar por tratamento conservador até que o estoma seja revisto, enquanto que a segunda situação requer laparotomia exploradora imediata (Martins et al., 2007). Caso contrário, podem ocorrer: desdobramentos que comprometem a vida do doente e dificultam a abordagem cirúrgica retardada; deiscência da maturação do estoma à pele, com consequente retracção ou estenose; e o estoma pode retrair e cair dentro da cavidade abdominal causando peritonite fecal, quadro bem mais grave que o anterior (Cruz, Constantino, Chamone, Andrade & Gomes, 2008). As medidas de prevenção envolvem os cuidados técnicos relativos à preparação da ansa intestinal a ser exteriorizada, sem tensão, à integridade da arcada vascular que a nutre e, ainda, à realização do trajecto na parede abdominal que permita a exteriorização das ansas sem compressão. No doente obeso ou com distensão abdominal, estes cuidados devem ser redobrados (Matos & Cesaretti, 2005).

Quando se verifica a penetração, total ou parcial, da ansa intestinal na cavidade abdominal, ocorre a retracção em cerca de 15% das ileostomias, que tem como causas frequentes a obesidade, o local impróprio do estoma, a construção imprópria ou sob tensão do estoma. No caso do doente com doença de Crohn, é importante lembrar que a

recorrência da doença é uma das causas possíveis de retracção. A retracção (separação não completa) de uma colostomia não é tão significativa como a retracção de uma ileostomia e ocorre em cerca de 10% na maior parte dos casos. O encerramento do espaço lateral não previne a retracção das colostomias. A revisão do estoma com sutura no plano da fáscia e sutura mucocutânea ajuda a prevenir a recorrência. No entanto, o aspecto mais importante é a realização da colostomia sem tensão, que pode implicar a libertação do ângulo esplénico ou, nos doentes muito obesos, a laqueação da artéria e veia mesentérica inferior (Martins et al., 2007). A verificar-se a retracção, pode dificultar ou até impossibilitar a adaptação dos sacos colectores, condicionando a qualidade de vida do doente, o que torna necessário a realização de uma laparotomia com ressecção da extremidade do intestino exteriorizado e a criação de um novo estoma. Ao constatar-se tensão ou tracção da ansa ostomizada, deve proceder-se a uma ampla libertação da extremidade intestinal, mesmo com ressecção segmentar do intestino, a fim de permitir uma melhor libertação do cólon e constituição de um novo estoma (Cruz et al., 2008). Quando não tratada, a retracção do estoma tende a levar à estenose em virtude de proliferação fibrótica a nível do tecido subcutâneo (Matos & Cesaretti, 2005).

Nas primeiras horas após a constituição do estoma, pode ocorrer hemorragia originária de pequenas veias cutâneas do mesentério ou parede abdominal. Trata-se de uma complicação pouco comum, mais observada em doentes com ileostomia do que com colostomia, sobretudo quando coexiste doença inflamatória intestinal e em associação com colangite esclerosante. No caso específico de doentes hipocoagulados, esta complicação pode ser resultante da doença de base ou devido ao seu estado de hipocoagulação. A abordagem inicial pode ser a pressão local directa e/ou a aplicação de gelo, no entanto, o recurso a outras alternativas, como a sutura hemostática das áreas sangrantes, a administração de beta-bloqueadores e a escleroterapaia, devem ser consideradas (Cruz et al., 2008).

O edema é uma das complicações mais frequentes, causada pela infiltração de líquido nos tecidos e mobilização da ansa intestinal (Sands, 2003). Pode ser considerado como a resposta fisiológica ao trauma cirúrgico causado pelo manuseamento da ansa intestinal, pela ligadura dos vasos e pela exteriorização da mesma através do trajecto aberto na parede abdominal. Relativamente à sua prevenção, o manuseamento delicado e cuidadoso da ansa intestinal, a observação das arcadas vasculares de irrigação, bem

como a abertura do trajecto para a exteriorização da mesma, são medidas que podem tornar o edema bastante discreto no pós-operatório. Do ponto de vista terapêutico, a conduta é de expectativa. A realização do toque digital do estoma, objectivando dilatá- lo, é uma medida para tratar clinicamente esta complicação (Matos & Cesaretti, 2005). De entre as complicações tardias, a estenose ocorre em 9% dos doentes com colostomia, como consequência da cicatriz que resulta da isquemia precoce ou da separação mucocutânea. Na maior parte (96%) das situações, o tratamento é local, no entanto, para rever a cicatriz podem ser necessárias múltiplas cirurgias que devem ser realizadas (Martins et al., 2007). Relativamente aos sinais de estenose, na fase inicial de instalação do processo, o ostomizado observa que as fezes se tornam afiladas e, posteriormente, a crescente dificuldade para eliminar o conteúdo intestinal pode levar a quadro de sub- oclusão ou oclusão. As medidas preventivas consistem na observação dos aspectos técnicos relacionados com a confecção do estoma. As medidas terapêuticas dependem do grau de estenose. A dilatação digital ou instrumental é uma medida conservadora pouco eficaz, mas pode ser utilizada se as condições do indivíduo exigirem. Se a estenose estiver restrita à pele, pode realizar-se uma cirurgia plástica, com anestesia local. Porém, o comprometimento da fáscia requer uma laparotomia para reposicionar o estoma. Basicamente, o princípio do tratamento cirúrgico é a ressecção do anel cicatricial, exteriorização de segmento intestinal mais longo, eversão e fixação na pele (Matos & Cesaretti, 2005).

A hérnia paraestomal não é uma complicação muito frequente na ileostomia (3%), com maior risco nos doentes obesos e com doença pulmonar obstrutiva crónica, tendo estes também maior risco para desenvolver hérnias da parede abdominal. A colocação do estoma fora da bainha dos rectos, embora seja controverso, pode aumentar o risco de hérnia paraestomal (Martins et al., 2007). A reparação local da hérnia restaura a abertura na fáscia à sua dimensão de dois dedos, mas raramente tem sucesso, sendo que para uma correcção eficaz geralmente é necessário a recolocação do estoma. É a complicação mais frequente dos doentes com colostomia (58% dos casos), que frequentemente se instala nos primeiros dois anos após a construção do estoma. Apenas uma minoria de casos necessita de terapêutica cirúrgica por dor ou dificuldade em cuidar do estoma, encarceramento ou obstrução (Martins et al., 2007). Geralmente, as opções de abordagem para a reparação da hérnia paraestomal são ditadas pelas suas dimensões: defeitos relativamente pequenos podem ser reparados por sutura directa,

enquanto que defeitos maiores podem requerer ressecção do estoma, reparação da parede abdominal e mesmo rematuração do estoma. Para a reparação, é desejável a utilização do próprio tecido do doente que, em caso de defeitos com maiores dimensões ou de reconstrução maciça da hérnia, pode haver necessidade de inserção de material sintético (Cruz et al., 2008). De referir que o indivíduo pode conviver assintomático com uma hérnia, ou apresentar sinais e sintomas de oclusão intestinal devido ao encarceramento da mesma, requerendo, neste caso, intervenção cirúrgica de emergência (Matos & Cesaretti, 2005).

O prolapso, saída parcial ou total da ansa intestinal pelo estoma, é uma complicação pouco frequente (6%) numa ileostomia e está geralmente associado a hérnia paraestomal, obesidade ou colocação do estoma em áreas de incisões prévias. A sua correcção deve ser efectuada para evitar obstrução ou isquemia da ileostomia. No caso das colostomias, é também uma complicação menos frequente (5%) que no caso do prolapso imediato no pós-operatório, é normalmente consequente à deficiente construção da colostomia. Uma elevada proporção das colostomias direitas ou transversas prolapsam no follow-up long term. O tratamento do prolapso não é uma situação urgente e a abordagem inicial consiste em remover o segmento de cólon redundante e fixar o cólon lateralmente. Geralmente, a sua eficácia verifica-se em cerca de um terço dos casos, que em caso de recorrência deve ser considerado o reposicionamento da colostomia ou ileostomia (Martins et al., 2007). Pode também ser possível efectuar a redução do prolapso, um procedimento relativamente simples e que consiste em massagens delicadas na ansa intestinal, de modo a ajudar o seu regresso para o interior da cavidade abdominal. Segundo Stoddart (1996), pode sugerir-se ao indivíduo o uso do suporte abdominal (cinta). No entanto, se o prolapso assume grandes proporções ou apresenta sinais de complicações, a conduta indicada é o tratamento cirúrgico, como já referimos anteriormente. Mais uma vez, a prevenção reside nos cuidados aquando da aplicação da técnica cirúrgica relativos à extensão e à fixação da ansa intestinal exteriorizada, à extensão do plano musculoaponevrótico e à adequada fixação da ansa intestinal na parede abdominal. Na execução do estoma, estes cuidados não podem ser negligenciados, principalmente em procedimentos operatórios de emergência, visto a não observância destes ser responsável pela maior parte da morbilidade periestoma (Matos & Cesaretti, 2005).

Quanto ao abcesso paraestomal, quando de pequeno porte e decorrente da infecção do tecido do estoma, pode ser drenado sem nenhuma complicação. Todavia, o principal mecanismo de formação de um abcesso é a perfuração da extremidade intraparietal da extremidade intestinal ostomizada, com o conteúdo intestinal a alimentar o abcesso. A principal causa dos abcessos decorrentes de perfuração intestinal é representada por pontos perfurantes para fixar a parede do intestino numa estrutura parietal em torno do estoma (peritoneu, aponevrose ou mesmo a pele). Outra causa pode ser uma patologia subjacente que, no caso da doença de Crohn, já é fistulizante. Geralmente, a abordagem cirúrgica inclui a laparotomia com a recolocação da colostomia, mas alguns autores relatam resultados satisfatórios com adequada drenagem cirúrgica e hiperalimentação endovenosa (Cruz et al., 2008).

Nos primeiros seis meses após a sua construção, a obstrução da ileostomia geralmente é causada por um bólus alimentar que se alojou no estoma e que normalmente responde à entubação nasogástrica e à injecção diagnóstica/terapêutica de contraste hidrofílico. O doente deve ser rehidratado e iniciar, paulatinamente, alimentação com líquidos. A obstrução tardia é vulgarmente devida a aderências e bridas, estenose do estoma ou recorrência da doença inflamatória intestinal. No caso da colostomia, as causas mais frequentes são a hérnia paraestomal e a estenose a nível da pele (Martins et al., 2007).

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