• Nenhum resultado encontrado

MEIO RECETOR

2.2. ÓRGÃOS DOS SISTEMAS DE SANEAMENTO

2.2.2. Componente: tratamento

Esta é a componente mais extensa e crítica de todo o sistema de saneamento. É nesta fase, que em local próprio, ou seja, na ETAR, se vai proceder a um conjunto de tratamentos da água residual de modo a dotá-la de características menos poluentes para que possa ser devolvida ao meio ambiente, sem que possa causar um desastre ambiental.

Através de um conjunto de processos e operações a água residual irá percorrer um circuito interno por um número variável de dispositivos em cada ETAR, cada um deles, responsável pela remoção de vários poluentes específicos e perigosos. No final deste circuito, a AR deve possuir as características descritas no Decreto-Lei nº 236/98, de 1 de Agosto que regula os critérios e objetivos da qualidade das descargas para proteção dos meios aquáticos. Neste documento são enumerados os valores limite de emissão (VLE) de vários elementos, compostos orgânicos ou micro-organismos que uma água residual pode possuir quando descarregada num meio aquático. A figura 12 mostra um extrato do quadro de VLE em descargas em meio hídrico, presente no Decreto-Lei acima referido.

29

Há duas principais razões pelas quais esta fase se torna a mais crítica e extensa de todo o SS: existe um grande número de dispositivos diferentes para o tratamento de AR em ETAR, cada um deles podendo, por sua vez tratar mais do que um problema e há uma grande interdependência entre os mesmos, isto é, por norma, um problema num órgão de tratamento terá consequências diretas nos seguintes. Isto torna o tratamento cada vez menos eficaz à medida que se vão acumulando erros, que terão repercussões no resultado final.

Dentro da fase de tratamento pode-se ainda subdividir esta em cinco fases distintas:

 Pré-tratamento: (no caso de AR provenientes de atividade industrial) é realizado antes da descarga da AR na rede pública e pretende a remoção de matéria orgânica, sólidos suspensos, cor, dureza e metais;

 Tratamento preliminar: no qual se vai proceder à remoção de substâncias grosseiras, sólidos sedimentáveis e gorduras através de meios mecânicos;

 Tratamento primário: remoção parcial de sólios suspensos, CBO e correção de pH;

 Tratamento secundário: redução da matéria orgânica em solução ou suspensão, sólidos suspensos e nutrientes utilizando processos biológicos e desinfeção;

 Tratamento terciário: afinação do efluente tratado através da remoção de poluentes remanescentes.

De seguida será apresentada um quadro resumo com os órgãos de tratamento para cada fase, com indicação da sua função e das operações e/ou processos que nelas ocorrem.

Devido ao pré-tratamento (já referido no subcapítulo anterior) ser executado apenas para AR industriais, e antes de estas serem introduzidas na rede de saneamento, será este o primeiro ponto objeto de estudo.

O quadro 4 resume os órgãos que constituem esta fase do processo de tratamento, a sua função e as operações e processos que neles ocorrem.

30

Quadro 4 – Órgãos do pré-tratamento.

Órgão Função Operações e processos

Sedimentador gravítico

Sedimentação de sólidos suspensos de densidade superior à da água e adição de um floculante para promover a floculação de sólidos mais pequenos para que estes sedimentem. Adição de cal para correção do pH.

Sedimentação por gravidade com floculação;

Tanque de filtração Remoção de partículas em suspensão fina e coloidais.

Filtração convencional (passagem da AR por um meio poroso)

Tanque de cloração e adsorção

Eliminar agentes patogénicos. Desinfeção química.

Eliminação de odores.

Cloração. Adsorção

No quadro seguinte serão descritos os órgãos de tratamento preliminar, que consistem essencialmente num conjunto de operações físicas para a remoção dos poluentes de maiores dimensões.

Quadro 5 – Órgãos do tratamento preliminar.

Órgão Função Operações e processos

Gradagem

Remoção de sólidos grosseiros e corpos flutuantes.

Gradagem

Trituradores Redução das dimensões dos

materiais sólidos. Trituração

Desintegradores

Redução de odores e insetos. Evitar visualização do material depositado na câmara de grades.

Desintegração de matéria sólida.

31

Órgão Função Operações e processos

Desarenadores Retenção de areias e outros materiais inertes. _

Tanque de equalização ou homogeneização

Reduzir a variação diária do caudal para que seja possível obter um caudal constante a entrar na ETAR. Reduzir a variação da concentração de poluentes no caudal afluente. Equalização e homogeneização.

O tratamento preliminar, também conhecido como obras de entrada, pretende não só remover as partículas acima referidas, mas também criar uma barreira protetora para todos os órgãos que virão a seguir. Ao retirar essas partículas está-se a aumentar a durabilidade dos materiais que as compõem, que estão menos sujeitos a abrasão e a permitir uma maior eficiência do tratamento. Consequentemente diminuem os problemas de manutenção e operação.

O tratamento primário baseia-se essencialmente no tanque de sedimentação primária ao qual podem ser adicionados mecanismos e processos químicos que aumentem a eficácia do seu desempenho. O quadro 6 resume os órgãos deste tratamento.

Quadro 6 – Órgãos do tratamento primário.

Órgão Função Operações e processos

Sedimentador primário

Remoção de matéria suspensa e coloidal através de separação gravítica. Produção de um efluente líquido para otimização do restante tratamento.

32

Órgão Função Operações e processos

Sedimentador primário + flutuador

Mesma função do

sedimentador primário com introdução de um mecanismo de recolha de sobrenadantes (partículas menos densas que a água)

Sedimentação +

Flutuação

Tanque de mistura

Utilizados antes do tanque de sedimentação para melhorar a sua eficiência. Servem para a introdução de químicos que promovam a floculação e/ou coagulação de partículas mais finas.

Coagulação Floculação

Tamisadores

Dispositivos alternativos ao sedimentador mas com um menor grau de eficácia.

_

O tratamento secundário introduz o início dos tratamentos biológicos. Aqui pretende-se a remoção de CBO (solúvel e coloidal) e nutrientes através da ação de agentes biológicos (bactérias) e para tal, é necessário dividir os vários processos de tratamento biológico em dois grandes grupos: em suspensão e crescimento em suporte físico.

Nos processos de tratamento biológico em suspensão tem-se dois tipos: Lamas ativadas e lagoas de estabilização. O processo de tratamento biológico em suspensão por lamas ativadas tem dois grandes órgãos distintos: o tanque de arejamento e o sedimentador ou decantador secundário e ainda um sistema auxiliar de recirculação de lamas, como se pode ver na figura 13.

33

No entanto a constituição das lamas ativadas (mistura de micro organismos responsáveis pela digestão da matéria poluente) é diferente em cada ETAR, dependendo das características da AR a tratar. As funções de cada órgão serão resumidas no quadro 7.

Quadro 7 – Órgãos do tratamento secundário: lamas ativadas

Órgão Função Operações e processos

Tanque de arejamento ou reator

Misturar as lamas ativadas com a água residual. Adição de ar para permitir a sobrevivência e proliferação das bactérias (no caso das aeróbias) e manter os flocos formados em suspensão.

Arejamento Nitrificação Digestão aeróbia

Sedimentador secundário Separar as lamas ativadas do

efluente tratado. Sedimentação

Sistema de recirculação

Recirculação de parte das lamas ativadas de forma a manter a cultura de micro organismos viva e promover a sua multiplicação.

_

Os processos de tratamento biológico em lagoas de estabilização por outro lado, são caracterizados pela utilização de processos inteiramente naturais, em lagoas pouco profundas e sem recurso (ou muito pequeno) a mecanismos auxiliares de índole mecânica. Estas lagoas são geralmente classificadas em função da atividade biológica como: aeróbias, anaeróbias e facultativas. Podem ainda existir lagoas de sedimentação para complementar o processo de tratamento. O quadro 8 apresenta as principais características de cada tipo de lagoa.

Quadro 8 – Órgãos do tratamento secundário: lagoas de estabilização

Órgão Função Operações e processos

Lagoas anaeróbias ou de pré- tratamento

Remoção de matéria orgânica por digestão anaeróbia nas lamas sedimentadas

Digestão anaeróbia Sedimentação

34

Órgão Função Operações e processos

Lagoas facultativas (mistas formadas por 3 camadas distintas)

Na camada superior formam- se algas que em conjunto com bactérias aeróbias vão digerindo a matéria orgânica. Na camada intermédia a digestão é assegurada por bactérias facultativas (aeróbias ou anaeróbias). Camada inferior (anóxica) onde se dá a digestão feita por bactérias anaeróbias.

Digestão aeróbia Digestão anaeróbia Sedimentação Flutuação Lagoas aeróbias ou de maturação

Afinação do tratamento após os dois tipos de lagoas anteriores. Remoção de micro organismos patogénicos, CBO, sólidos suspensos e amónia.

Digestão aeróbia Sedimentação

Lagoas de sedimentação

Elemento facultativo para promover a sedimentação de matéria de forma a otimizar os outros processos.

Sedimentação

Os processos de tratamento biológico de crescimento em suporte físico podem-se também dividir em dois tipos: leitos percoladores (filtros biológicos) ou discos biológicos (biodiscos). Este tipo de tratamento pressupõe que a biomassa (conjunto de organismos que vai tratar o afluente) está “colada” a um suporte físico que depende do sistema utilizado.

Nos leitos percoladores o afluente a tratar será despejado gradualmente sobre um meio poroso constituído por brita ou grelhas plásticas que funciona como um filtro. O biofilme presente no meio poroso vai aprisionando os poluentes tornando-se cada vez mais espesso até que se desprende e é encaminhada para o sedimentador secundário. O esquema de tratamento é semelhante ao de lamas

35

ativadas, não havendo neste caso necessidade de recirculação de lamas. No entanto faz-se uma recirculação do efluente saído do leito percolador para garantir uma maior eficácia do processo.

Quadro 9 – Órgãos do tratamento secundário: leitos percoladores

Órgão Função Operações e processos

Leito percolador Filtrar o afluente através do filtro biológico.

Floculação Filtração Digestão aeróbia Sedimentador secundário

Sedimentação dos flocos resultantes do processo anterior.

Sedimentação

Sistema de recirculação (do efluente)

Recirculação para maior eficácia do tratamento através do aumento do tempo de contato.

_

No processo de tratamento com biodiscos, a lógica de tratamento é semelhante à dos leitos percoladores, só que aqui o biofilme é suportado por discos plásticos rotativos, de grande diâmetro, colocados em tanques e parcialmente submersos. À medida que estes discos vão rodando dá-se, sequencialmente, o contacto com a AR a tratar (parte submersa) e com ar (parte emersa que permite a entrada de oxigénio necessário para a atividade bacteriológica).

36

Quadro 10 – Órgãos do tratamento secundário: discos biológicos

Órgão Função Operações e processos

Discos biológicos

Suporte do biofilme de micro organismos responsável pelo tratamento da AR.

Floculação Digestão aeróbia Sedimentador secundário Sedimentação dos flocos

resultantes. Sedimentação

O tratamento terciário, como referido anteriormente, serve para a afinação do efluente tratado através da remoção de poluentes remanescentes coloidais, em suspensão ou dissolvidos. Este tratamento divide-se em 2 fases: tratamento avançado e a desinfeção.

A desinfeção pretende tratar o afluente, antes de o devolver ao meio ambiente, dotando-o de características que respeitem os VLE definidos no Decreto-Lei nº 236/98, de 1 de Agosto. Mas para desinfeção ser mais eficaz pode ser necessário a utilização de alguns processos e operações complementares, que podem ser introduzidos ao longo do restante tratamento (ao que se chama tratamento avançado). O quadro seguinte apresenta os poluentes remanescentes da AR a e os processos utilizados no seu tratamento, terciário e avançado.

Quadro 11 – Processos de tratamento terciário e avançado (fase líquida)

Poluentes removidos Processos

Remoção de partículas orgânicas e

inorgânicas coloidais e em suspensão Filtração

Remoção de constituintes orgânicos dissolvidos

Adsorção Osmose inversa Precipitação química

Oxidação química (normal ou avançada) Eletrodiálise

Destilação

Remoção de nutrientes: Fósforo

Precipitação química

Adição de cal + coagulação + filtração Remoção biológica em reator anaeróbio antes do tratamento secundário (figura 14)

37

Poluentes removidos Processos

Remoção de nutrientes: Azoto

Arejamento

Oxidação com compostos de cloro Permuta iónica (ião amónia)

Acão biológica de agentes nitrificantes (nitrificação e desnitrificação) antes do tratamento secundário

Remoção de micro-organismos patogénicos ou desinfeção

Cloração (cloro gasoso, líquido ou sólido) Ozonização

Radiação UV Remoção de sub-produtos da desinfeção

(quando utilizado cloro como desinfetante) Descloração

Figura 15 – Tratamento avançado para remoção de fósforo

Após todo este tratamento a água está agora em condições de ser devolvida ao meio ambiente (normalmente um meio hídrico) através de uma obra de saída da ETAR. É comum utilizarem-se cascatas de arejamento nestas situações para aumentar a quantidade de oxigénio dissolvido do efluente.

De todas estas fases referidas, desde o tratamento preliminar ao terciário geram-se subprodutos denominados de lamas (que são o conjunto de poluentes removidos da AR) que necessitam ser tratadas pois contêm uma grande carga poluente. Como o próprio nome indica, lamas são uma mistura de material sólido com material líquido, e o seu tratamento inicia-se exatamente na remoção de uma grande quantidade da água presente nesta mistura ao qual se dá o nome de espessamento.

38

De seguida é necessário proceder à sua estabilização e por fim ao tratamento final. O quadro 12 apresenta os tipos de tratamentos possíveis para cada uma destas fases de tratamento de lamas.

Quadro 12 – Tratamento de lamas

Fase do tratamento de

lamas Processos e operações Descrição

Espessamento

(separação de grande parte do líquido da matéria sólida)

Co-sedimentação

É criado um manto de sedimentos que sob ação do seu próprio peso vai fazendo a separação sólido-líquido.

Gravidade/sedimentação

Sedimentação por ação de gravidade que provoca a deposição no fundo do tanque dos materiais mais densos que a água.

Centrifugação

Utilização de tambor giratório que expulsa a água,

mantendo os sólidos no interior.

Compressão

Utilização de um dispositivo mecânico que comprime as lamas deixando sair o fluido.

Estabilização

(reduzir os organismos patogénicos e a libertação de odores)

Alcalina

Adição de cal para elevar o pH e destruir organismos patogénicos.

Digestão anaeróbia

Fermentação biológica da matéria orgânica na ausência de oxigénio (produz CO2 e gás

metano).

Digestão aeróbia Digestão biológica em tanque aberto.

39

Fase do tratamento de

lamas Processos e operações Descrição

Estabilização (reduzir os organismos patogénicos e a libertação de odores) Digestão autotérmica termofílica Semelhante à digestão aeróbia. Compostagem Conversão biológica da matéria sólida orgânica num reator fechado .

Tratamento final

(destino dado às lamas após tratamento)

Absorção natural pelo solo Deposição das lamas à superfície do solo.

Tanques de lamas Deposição das mesmas em tanques. Incineração Em fornos a altas temperaturas (370ºC para secar e 600 a 650ºC para incinerar). Recuperação e valorização

Recuperar óleos, gorduras e metais para reutilizar e produção de fertilizantes. Secagem (leitos de secagem,

filtração a vácuo, compressão e centrifugação)

Formas de extrair o máximo de água possível para que seja mais económico a sua deposição final (normalmente em aterro sanitário).

De salientar que de todo o tratamento de lamas resulta muita água. Esta é uma água residual, e, por isso será reintroduzida no sistema, à cabeça do tratamento, ou seja no início do tratamento (primário ou secundário) na ETAR, para ser tratada novamente.

Finalmente, na fase de tratamento, há ainda que se ter em atenção todos os órgãos acessórios ao funcionamento da ETAR, que fazem a ligação entre todos os órgãos de tratamento. Aqui estão incluídos: tubagens (responsáveis pela canalização da AR entre órgãos de tratamento), válvulas (destinadas ao controlo dos caudais circulantes nas tubagens), estações elevatórias e/ou bombas (que

40 Tratamento preliminar Tratamento primário Tratamento secundário Tratamento terciário Meio recetor AR Tratamento de lamas AR Resíduos sólidos

promovem a recirculação de fluídos) e silos de armazenamento (utilizados para o armazenamento de substâncias químicas utilizadas no tratamento ou de lamas antes de serem enviadas para o destino final).

A figura 16 representa o esquema conceptual do tratamento de águas residuais em ETAR, para uma melhor compreensão do mesmo.

Figura 16 – Esquema concetual do tratamento de AR em ETAR