• Nenhum resultado encontrado

4.4 Estrutura e organização do treinamento desportivo

4.4.1 Componentes da periodização: os ciclos de treinamento

Desde o período da arte do Treinamento Desportivo, precisamente nos relatos do sistema de preparação desportiva da Grécia antiga, já eram aplicadas as chamadas “tetras”, que eram ciclos de treinos sucessivos realizados em 4 dias. Nas últimas décadas, os ciclos de treinamento recebem grande interesse de investigação científica, pois são entendidos como fatores fundamentais para o sucesso desportivo (TUBINO, 1993).

O volume e a intensidade de treinamento variam de forma inversa durante os ciclos de treinamento; aumentos no volume de treinamento são acompanhados por diminuição da intensidade e vice-versa. No entanto, o perfil de cada ciclo depende do nível de competitividade e sobre as demandas específicas de uma determinada modalidade esportiva. Quanto à diferenciação por gênero, não há nenhuma evidência de que periodização deva ser diferente para os competidores masculinos e femininos (TUBINO, 1993; WHITE, 2006).

4.4.1.1 Microciclo

A origem do termo microciclo vem dos idiomas grego e latim. Micros, do grego, significa pequeno, e cyclus, do latim, refere-se à frequência de um fenômeno que se sucede regularmente (BOMPA, 2002).

Os microciclos ocupam uma extensão temporal menor dentro da macroestrutura de treinamento (WEINECK, 2005). Eles são, provavelmente, a ferramenta mais importante e funcional do planejamento do treinamento, porque suas estruturas e conteúdo determinam a qualidade do processo (BOMPA, 2002). Na prática, utilizam-se os microciclos curtos e longos, cuja razão de ser é a alternância entre esforço e recuperação, de maneira a evitar que o atleta fique permanentemente em estado de cansaço crônico (psicofísico) (ZAKHAROV; GOMES, 2003). Eles se ajustam com maior precisão às circunstâncias do momento – estado atual de treinamento, disposição para o esforço, condições climáticas

23

(WEINECK, 2005). Representam o elemento da estrutura de preparação do atleta que inclui uma série de sessões de treino ou de competições, visando à solução de tarefas do mesociclo referido (etapa) de preparação (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Sendo elemento da estrutura geral de preparação, o microciclo resolve as tarefas programadas nesta dentro do correspondente período de tempo. A sua duração pode variar de 3 a 14 dias. Na prática do desporto, tem-se utilizado mais frequentemente os microciclos de 7 dias, porque fica mais fácil coordenar a programação pelo regime semanal, pois fica mais ajustado ao cotidiano do desportista e de fatores periféricos como a agenda do ginásio (PLATONOV, 2001; ZAKHAROV; GOMES, 2003; WEINECK, 2005).

Nem todas as sessões de treinamento dentro de um único microciclo possuem as mesmas características, alternando-se de acordo com os objetivos, volume, intensidade e métodos, alguns dos quais podem dominar a fase de treinamento (BOMPA, 2002).

De acordo com Zakharov e Gomes (2003), a estrutura e o conteúdo do microciclo apresentam características diferentes, que estão condicionadas por uma série de fatores. Podem-se destacar alguns indícios gerais que lhes são próprios em diferentes modalidades desportivas e, com base nisso, classificá-los. Convém destacar, como principal indício de classificação, a tarefa que se resolve em determinado microciclo, assim como a composição de meios e métodos de treinamento, a grandeza e a orientação predominante da carga que constituem seu conteúdo. Os microciclo podem ser:

 Ordinário;  Choque;  Estabilizador;  Recuperativo;  Controle;  Precompetitivo;  Competitivo.

O microciclo ordinário caracteriza-se por uma soma de cargas mais moderadas (cerca de 60-80 % em relação à máxima carga de trabalho estabelecida). Representa a base da forma estrutural do processo de treinamento de diferentes níveis de rendimento. O

24

conteúdo específico constitui de 2 a 6 sessões de treino com cargas constantes (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Já o microciclo de choque caracteriza-se pela soma de cargas máximas ou próximas destas (80-100 % em relação à máxima carga de trabalho estabelecida). A carga deste microciclo constitui o fator de maior influência quanto a estimular o processo ativo de adaptações orgânicas. O conteúdo perfaz de 2 a 5 cargas de choque na semana (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

O grande número de cargas próximas da máxima em um mesmo microciclo é a causa de parte da recuperação incompleta ou fadiga apresentadas em algumas sessões de treinamento. Dessa forma, a aplicação de um microciclo com esta orientação deve ser acompanhada de um controle rigoroso do estado do atleta para evitar demasiada sobrecarga sobre os sistemas funcionais orgânicos. Apresenta-se coerente, portanto, alternar as cargas de choque com cargas de menor impacto (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Na sequência do microciclo ordinário e de choque vem, geralmente, o microciclo estabilizador, cujo objetivo é assegurar a estabilidade do estado orgânico do atleta alcançado no microciclo anterior. Sessões de treinamento com cargas entre 40-60 % em relação à máxima carga de trabalho estabelecida mostram-se adequadas à ideia do microciclo. Esse tipo de microciclo asseguram condições mais favoráveis para os processos de recuperação do organismo do atleta (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

O microciclo recuperativo, como o próprio nome diz, visa recuperar o estado orgânico do atleta. De uma forma geral, esta recuperação vem através da redução das cargas de treinamento (utilizando cerca de 10-20 % em relação à máxima carga de trabalho estabelecida). A estrutura e o conteúdo do microciclo são subordinados à tarefa de assegurar a recuperação mais completa e eficaz. Isso explicaria a presença de um grande número de sessões de treinamento com cargas de baixa magnitude (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Estas cargas impostas aos atletas de alto rendimento necessitam ser verificadas quanto ao seu efeito sobre o organismo destes indivíduos. Para tanto, estipulou-se o microciclo de controle. É normalmente empregado ao final das etapas de treinamento e visa verificar o nível de preparação do atleta e avaliar a eficiência do trabalho realizado até

25

então. Combina-se as ações de treinamento com os testes para verificação das condições fisiológicas, assim como implementar competições controle. Isto permite verificar mais precisamente o estado geral do atleta (físico, psíquico, clínico, técnico e tático). Com os dados levantados, faz-se os ajustes pertinentes para as etapas posteriores (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Já o microciclo precompetitivo é estruturado conforme o desenho da competição principal. O objetivo deste microciclo é assegurar o estado de ótima prontidão para o dia das competições, graças a mobilização de todas as capacidades potenciais do atleta e que foram acumuladas no processo de preparação precedente, além da adaptação às condições específicas da competição. De forma geral, este microciclo dura de 5 a 10 dias. Seu conteúdo é determinado pelo estado individual do atleta, pelo trabalho de treino precedente e pelas condições da competição que está por vir. Não é permitida a utilização de cargas máximas. Isso não quer dizer que não se possa ações de alta intensidade. Porém, estas devem vir seguidas de estratégias de recuperação completa (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Por fim, vem o microciclo que justifica a existência de todos os demais: o microciclo competitivo. Este visa assegurar que o estado de preparação conquistado durante todo o período de preparação se manifeste no decorrer das competições. A estrutura e a duração do microciclo são determinadas em conformidade com o regulamento das competições e com a especificidade da modalidade desportiva (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

4.4.1.2 Mesociclos

Os mesociclos de treinamento representam a combinação de alguns microciclos e também é o elemento da estrutura de preparação do atleta orientado para solução das tarefas de determinado macrociclo (FORTEZA, 2006; GOMES, 2009). O mesociclo trata da estrutura de carga que varia de 3 a 6 semanas (GOMES, 2009) ou 3 a 6 microciclos (FORTEZA, 2006). A ordem e a combinação dos microciclos e sua variabilidade dependem da formação geral do processo de treinamento e das tarefas de uma ou outra sessão de treinamento (FORTEZA, 2006).

26

A estruturação dos mesociclos pode ser influenciada pelos seguintes fatores (ZAKHAROV; GOMES, 2003; FORTEZA, 2006; GOMES, 2009):

 A principal tarefa a ser resolvida pelo mesociclo;  O regime de atividade do atleta;

 O momento do referido mesociclo na estrutura do macrociclo;

 O conteúdo e a qualidade das sessões de treinamento, além da magnitude da carga;

 As particularidades de reação em cada atleta perante as cargas de treinamento;

 A composição dos meios e métodos de treinamento aplicados no mesociclo;

 Os tipos de microciclo que compõe o conteúdo predominante do mesociclo estabelecido;

Forteza e Ramirez (2007) citam que as condições que desempenhariam papel fundamental na formação da estrutura dos mesociclos seriam:

 A necessidade do mesociclo surge, principalmente, devido à sua capacidade de dirigir, de forma racional, os efeitos acumulativos do treinamento na série de microciclos, garantindo elevados ritmos de desenvolvimento do nível de treinamento e prevendo as alternâncias nos processos de adaptação originadas no organismo do atleta sob as influências das cargas de treinamento acumuladas. As trocas adaptativas tem lugar no organismo de forma heterogênea e, em uma ou outra medida, atrasam-se em relação à distância das cargas de treinamento;

 O caráter e a duração dos mesociclos influem nas oscilações biorrítmicas (cerca de um mês) da atividade vital do organismo do atleta;

 O lugar do mesociclo no sistema geral de construção do treinamento

27

do mesociclo, a magnitude dos intervalos entre eles e as condições de restabelecimento.

Ao ponderar sobre estes questionamentos, pode-se dar aos mesociclos as seguintes variações citadas por Zakharov e Gomes (2003).

 Mesociclo inicial;  Mesociclo básico;  Mesociclo recuperativo;  Mesociclo de controle;  Mesociclo precompetitivo;  Mesociclo competitivo.

O mesociclo inicial geralmente é o primeiro dentro do período preparatório do macrociclo. A sua tarefa consiste em assegurar a passagem paulatina do organismo do atleta da baixa aptidão inicial para parâmetros de desempenho superiores, preparando para a carga planejada para os mesociclos posteriores (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Já o mesociclo básico é onde se realiza o principal trabalho de treinamento quanto ao aperfeiçoamento de diversos aspectos da preparação do atleta. Pela composição dos meios de treinamento, este mesociclo se divide em desenvolvimento e estabilizador (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

O mesociclo básico de desenvolvimento é a forma principal de organização das influências de treinamento que visam a obtenção do efeito acumulativo de treino, que está na base da elevação do nível de treinamento do atleta. Tal ciclo caracteriza-se pela grandeza considerável de cargas (geralmente próxima da máxima para um dado nível de preparação) (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

O segundo tipo de mesociclo básico é o estabilizador. Este tem por objetivo consolidar as mudanças obtidas anteriormente, que são asseguradas pela redução insignificante ou pela estabilização das cargas alcançadas anteriormente (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Um terceiro mesociclo seria o recuperativo, que se aplica no período transitório de preparação, quando tem importância predominante as tarefas de recuperação

28

completa após um período prolongado de cargas máximas de treinamento e competição. Este mesociclo é importante para a adaptação do organismo do atleta, pois permite prevenir a transformação da fase de resistência em uma fase de profundo esgotamento e de fracasso de adaptação. Tem por característica a redução do volume e da intensidade das cargas (por volta de 20-30 % em relação aos parâmetros do mesociclo básico de desenvolvimento) (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

O mesociclo de controle geralmente conclui o período preparatório. Sua principal tarefa consiste em assegurar um controle da eficiência dos mesociclos básicos anteriores e a adaptação do atleta às exigências dos mesociclos competitivos posteriores. O conteúdo do mesociclo deve apresentar diferentes formas de observação, permitindo um olhar sobre todas as áreas do processo de treinamento (técnico, tático, físico, psíquico e clínico). O treinamento, então, passa a ser combinado com a participação em competições teste. Durante este mesociclo, eventuais deficiências na preparação do atleta devem ser corrigidas (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Aproximando-se da competição alvo, faz-se presente o mesociclo

precompetitivo, que se destaca como um componente estrutural que assegura a preparação

imediata para a competição principal do macrociclo. Durante este mesociclo, resolve-se todo um conjunto de tarefas que incluem a recuperação após a etapa precedente de competições seletivas, a manutenção e eventual elevação do nível atingido, a eliminação de pequenos equívocos da preparação, a solução do estado psíquico do atleta, a adaptação das condições de realização das competições principais etc. A necessidade de solução dessas tarefas condiciona a inclusão de diferentes tipos de microciclos, cujo conteúdo poderá variar dependendo do estado do atleta (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

E, por fim, há o mesociclo competitivo, que representa a base do período competitivo. A sua estrutura e seu conteúdo são determinados pela especificidade da modalidade desportiva, pelo sistema de preparação competitiva, pelas particularidades do calendário de competições, pelo nível da qualificação do atleta, além de outros fatores (ZAKHAROV; GOMES, 2003).

29

4.4.1.3 Macrociclos

Um ciclo anual de treinamento pode apresentar mais de um pico de performance. A construção do processo de treinamento para atingir tal pico é chamado de macrociclo. Estudiosos estão de acordo que o planejamento anual pode ter um macrociclo, quer dizer, apenas se visa a uma competição importante, ou mais de um macrociclo, o que dependerá de quantas competições se buscará resultados significativos (PLATONOV, 2001; ZAKAROV; GOMES, 2003; FORTEZA, 2006; FORTEZA; RAMIREZ, 2007; GOMES, 2009).

De acordo com Zakharov e Gomes (2003), cada macrociclo é composto por três períodos: o preparatório, o competitivo e o de transição (QUADRO 2). Cada um desses períodos apresentam tarefas específicas a serem cumpridas:

 Preparatório: deve assegurar o desenvolvimento das capacidades funcionais do desportista e pressupõe a solução de tarefas de aperfeiçoamento de vários aspectos do estado de preparação, podendo-se destacar as etapas de preparação geral e as de preparação especial;

 Competitivo: deve criar condições para o aperfeiçoamento de diversos fatores de preparação desportiva. A preparação deve ser integral e ocorre numa sequência lógica de conteúdos distribuídos na etapa precompetitiva e competitiva propriamente dita;

 Transitório: contribui para a recuperação completa do potencial de adaptação do organismo do desportista e serve de ligação entre dois macrociclos.

O período preparatório é constituído de três etapas. Na primeira etapa, resolvem-se principalmente as tarefas de preparação física, que asseguram o aperfeiçoamento complexo das capacidades físicas do atleta. Utiliza-se nesta etapa exercícios técnicos e táticos que não representem grande complexidade de coordenação e sejam bem assimilados pelos desportistas (PLATONOV, 2001; ZAKHAROV; GOMES, 2003).

30

Na segunda etapa, dá-se prioridade ao trabalho direto de assimilação de novos elementos técnicos e táticos e o aperfeiçoamento dos elementos anteriormente aprendidos. A preparação física, nesta etapa, tem significado subordinado e deve contribuir para a solução de tarefas de aperfeiçoamento técnico-tático. Os exercícios de preparação física adquirem orientação cada vez mais especial (PLATONOV, 2001; ZAKHAROV; GOMES, 2003).

A terceira etapa visa a unificação dos elementos dominados numa combinação competitiva integral e única. A preparação técnico-tática objetiva é a consolidação dos hábitos adquiridos e ao aumento da segurança em aplicá-los às principais condições de competição (PLATONOV, 2001; ZAKHAROV; GOMES, 2003).

Documentos relacionados