• Nenhum resultado encontrado

5 Estratégia metodológica

6 A pesquisa empírica: a avaliação de uma instituição de ensino superior

6.3 Análise dos resultados da segunda etapa

6.3.1 Componentes discentes

Foram efetuadas 4 entrevistas coletivas, duas para discentes de cursos relacionados à área da saúde e duas relacionadas a ciências sociais aplicadas. Como a instituição não possui

cursos nas ciências duras e apenas 4 cursos relacionados à informática — sendo que dois deles estão em extinção —, não foi composto um grupo associado a essa áreas temáticas (noto que estes cursos compreendiam, em 2004, menos de 1% dos discentes da instituição). Entretanto, contemplei um dos grupos, o primeiro, com um aluno da área de tecnologia.

A seleção dos alunos foi feita por meio de visitas às salas de aula e de modo a orientar uma máxima variação quanto aos seguintes parâmetros: sexo, curso e semestre em que eles se encontram no curso. Para cada grupo de entrevistas foram convidados 8 indivíduos, sendo efetuada a atividade se um mínimo de 4 indivíduos estivesse presente44. A composição final dos grupos pode ser observada no Quadro 5.

As entrevistas coletivas foram efetuadas na própria Instituição em uma sala isolada, a fim de que não houvesse interrupções. A moderação foi feita pelo autor deste trabalho, com o suporte de um observador.

Pouco antes das entrevistas em grupo, foi feito um levantamento dos dados do discente junto à base de dados institucional; as informações coletadas eram as seguintes: idade, escolaridade dos pais (se informada), nota no vestibular e histórico escolar.

As entrevistas seguiram o seguinte roteiro:

• Contextualização dos indivíduos: sua origem e formação. O objetivo deste momento era, além de uma breve contextualização dos indivíduos, estabelecer um ambiente estável, com um mínimo de polêmicas, no início da entrevista.

• A opinião a priori da Instituição.

• A razão da opção pela Instituição e como foi a primeira impressão como discente. • Opinião a respeito da Instituição.

• Opinião focando o curso em que estuda. • Uma auto-avaliação.

44 O número de reagendamentos oscilou entre 3 e 6.

Grupo de

entrevista coletiva Curso Sexo Estado no curso

Administração de empresas Masculino Intermediário Administração de empresas Masculino Final

Administração de empresas Feminino Intermediário Administração de empresas Feminino Intermediário 1

Sistemas de Informação Masculino Inicial

Direito Masculino Intermediário

Direito Masculino Intermediário

Direito Feminino Inicial

Psicologia Feminino Final

Arquitetura Masculino Intermediário 2

Comunicação social Masculino Intermediário

Fisioterapia Feminino Intermediário Fisioterapia Feminino Intermediário

Fisioterapia Feminino Inicial

3

Odontologia Masculino Inicial

Medicina Masculino Intermediário

Medicina Masculino Intermediário

Farmácia Feminino Inicial

Farmácia Masculino Intermediário

4

Odontologia Masculino Intermediário

Quadro 5 – Distribuição dos componentes dos grupos focais conforme curso, sexo e estado no curso.

Opinião a priori da instituição

As opiniões a respeito da Instituição se estabeleceram de forma controversa. À exceção de dois discentes, os demais apontaram que possuíam a imagem de uma Instituição forte, respeitável e creditavam isso à sua presença junto à mídia televisiva ou à opinião de amigos.

Achava que era uma opinião boa [...] Tinha um amigo que fez um curso de Administração e falava que era bom. (145)

[...] Esse monte de comerciais [...] Principalmente aqueles no Fantástico46 [...]. (2)

É... é... a [IES] é grande [...] Tá muito na TV. (3)

Podemos inferir a dificuldade desses discentes em opinar a respeito das informações a

priori da Instituição sob a influência da indústria cultural, na qual a Instituição é disposta de

45 Identificação conforme os algarismos arábicos associados aos grupos dispostos no Quadro 5. 46 Uma revista eletrônica apresentada pela rede Globo de televisão aos domingos.

forma superficial, mas com uma técnica apurada de sedução. Dois discentes, contudo, apresentaram uma opinião bem diversa:

[...] Não era boa não ... Sabe, né, todo mundo fala que aqui é PPP [como assim?] Papai Pagou... Passou [risos] A fama da [IES] não é muito boa [...] (2)

Fazer vestibular aqui é mole ... Todo mundo sabe que para entrar na [IES] é só escrever o nome no vestibular [risos]. (3)

Essa visão aparentemente mais critica da Instituição, contudo, não manteve consistência quando solicitado que eles aprofundassem suas críticas, expondo, eventualmente, questões estruturais.

[Carlo: Fora a questão das notas, o que você sabia sobre a qualidade dos cursos?] Hã... o pessoal do cursinho zoava quem entrava na [IES] e tinha uns deles que falavam mal dos cursos, que todo mundo passava. [Carlo: O que mais falavam?] Nada não, ficava nisso... acho que era mais por causa da concorrência. (2)

Essa questão, quando posta aos docentes na fase dois da coleta de dados causou indignação, e afirmações a respeito das dificuldades que tinham em face do baixo nível dos alunos. Um eventual desequilíbrio entre oferta e demanda por vagas na IES pode dever a 3 fatores básicos:

1. A oferta de vagas é fortemente enviesada por uma relação entre custo e benefício, que não corresponde necessariamente a um equilíbrio natural da demanda entre as diversas áreas de especialização dos cursos superiores.

2. A limitação dos recursos dos discentes na sua formação básica restringe o acesso destes às instituições com maior concorrência.

3. As capacidades desses discentes não necessariamente correspondem ao discurso propalado.

O último item foi recorrente, e sua efetivação pode levar à construção de um habitus avaliativo mais flexível como estratégia de equilíbrio entre tensões que, embora terminantemente negadas, ocorrem nas entrelinhas da IES.

Neste, temos como contraponto a evocação pelos discentes do impacto indireto do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) no aumento das reprovações nas disciplinas regulares, principalmente nos cursos da área da saúde, creditando este fato a uma ação dos professores diante do temor de uma nota ruim neste exame.

O coordenador veio conversar com a gente sobre uma nota ruim no Provão [referia-se ao ENADE]. Depois disso os professores ficaram muito mais casqueiros. (4)

Independentemente das ressalvas técnicas associadas ao ENADE, ponto onde todos os entrevistados — docentes, administração e discentes — declararam não conhecer maiores detalhes, observei que este sensibiliza as populações em função das ordenações fornecidas depois à imprensa.

É chato ver o seu curso com uma nota ruim... Senti que todos os professores ficaram muito chateados. (3)

Um aluno de primeiro termo citou a possibilidade de “cursinhos” preparatórios como estratégia viável para o sucesso no ENADE.

Acho que todo mundo vai afundar no Provão [ENADE] [O que você acha que a Coordenação vai fazer algo para evitar isso?] Sei lá, um cursinho? [Você conhece algum lugar que faça isso] Bom, o [citou um curso de uma IES Estatal Federal do mesmo estado] faz isso e tem 3 ‘As’. (1)

Este trabalho não coletou dados suficientes para qualquer generalização ou validação a respeito da afirmação acima, nem pretende discutir as limitações técnicas do ENADE. Mas chama a atenção o fato da fala acima tocar numa conseqüência possível e bem pouco desejável para essa ação governamental.

A razão da opção pela Instituição e como foi a primeira impressão como discente. Os aspectos mais evocados como determinantes na escolha da Instituição foram os seguintes:

• A dificuldade em entrar em uma escola pública. • O desejo de freqüentar a mesma escola que os amigos.

• A proximidade entre a escola e o lar.

• O respeito que a comunidade tem pela Instituição.

A dificuldade de entrada em uma instituição pública foi, de longe, a justificativa mais evocada pela opção da instituição escolhida. Foi comum entre os alunos entrevistados — excetuando os alunos de cursos que não possuíam equivalente regional em instituição de ensino superior estatal (Fisioterapia e Farmácia) — a menção de que tentaram primeiro o acesso às instituições de ensino superior estatais. Em dois grupos, discentes destacaram que os alunos carentes estão nas instituições privadas.

Quem tem dinheiro não está aqui. Faz cursinho caro e entra na [IES Estatal]. Vai lá ver à noite os carrões no estacionamento da [IES Estatal]. (1)

O meu segundo grau foi fraco... no [nome de escola pública], não tive a menor chance no vestibular. (2)

Esse argumento, embora não tão explícito, foi recorrente nos outros grupos: a opção por uma instituição privada decorre de não conseguir entrar em uma estatal. A justificativa para esse discurso pode estar em duas possibilidades:

1. Da maior concorrência às Instituições Estatais decorrem limites socioeconômicos ao seu acesso, compondo um corpo discente mais elitizado e reprodutor de distorções sociais.

2. A frustração de não conseguir o acesso a uma Instituição Estatal leva a um discurso revanchista.

A avaliação destas duas possibilidades — e noto que elas não são mutuamente independentes — foge ao escopo deste trabalho, mas creio que o primeiro argumento é predominante em cursos com custos mais acessíveis, e o segundo em cursos que demandam um poder aquisitivo mais elevado.

Fora a questão da opção por uma escola com mantenedores estatais ou da iniciativa privada, os discentes entrevistados afirmaram que a influência dos grupos sociais e a

permanência na comunidade onde residem sobrepõem-se à qualidade, pressuposta, do curso desejado.

É perto de onde eu moro [...] (1)

Tenho vários amigos estudando aqui [...] (1)

Aqui é mais fácil de chegar de ônibus [...] Lá na [mencionou uma IES concorrente] é um horror! É muito longe. (2)

Opinião a respeito da Instituição

O vínculo mercantil com a Instituição cria uma identificação negativa muito forte, hegemônica entre os indivíduos entrevistados. O ônus doméstico decorrente do fato de se pagar uma mensalidade levou à caracterização da Instituição como mercantilista. Ou seja, com uma postura que “não tá nem aí com o aluno” (3) e “só serve para enriquecer os [nomeou a família dos mantenedores]” (2) e “desleixada com a infra-estrutura” (4).

Esse ambiente na instituição não só deriva da forma peculiar que a organização escolar está disposta, mas também reflete determinantes exteriores à própria instituição. O ambiente escolar imediato catalisa a maior parte das críticas, e destas podemos distinguir três aspectos básicos: arquitetura, recursos tecnológicos e estrutura burocrático-funcional.

Arquitetura

A dureza dos prédios e a ausência de espaços para convivência são entendidas como um distanciamento entre a Administração e a prática educacional.

A primeira impressão em relação à arquitetura da instituição é ruim, contrapondo-se à opinião a respeito dos cursos, que será discutida no próximo tópico.

Ruim! Não tem um lugar para a gente sentar [...] Os prédios são feios. (1) Não foi boa não. Cheguei aqui e não tinha informação nenhuma [...] tudo muito desorganizado [...] ninguém dava uma orientação. (2)

A minha impressão foi péssima. Esse mau cheiro, e o pátio com esse piso horrível. (2)

Ou seja, o contato com a Instituição rompe, pelo menos em parte, o idílico oferecido nos meios de comunicação — um modelo, por princípio, impossível de satisfazer a todos — e frustra, conduzindo a um viés negativo em outros pontos do roteiro nos seus juízos perante a Instituição.

Recursos tecnológicos

A carência ou não dos recursos tecnológicos não está associada a um valor imanente, mas ao poder associado à posse deles.

Pagamos uma nota e não temos computador. [Carlo: vocês têm aulas de introdução à informática?] Sim. [Carlo: o professor não leva vocês ao laboratório?] Leva, mas tinha que ter um laboratório nosso. Perto do nosso bloco. [Carlo: você lida bem com a informática?] Não [...] só um pouco [...] para fazer pesquisas [...] não sei muito. [Usa os computadores da biblioteca?] Só empresto livros para tirar xérox [...] não sabia que tinha laboratório lá47. (3).

Estrutura burocrático-funcional

Os processos institucionais, com seus fluxos de decisão, seu tempo e sua hierarquia.

Eles mandam boletos errados e [pausa] Você já foi ao [setor de auxílio ao aluno]? Tipo assim, demora uma hora para uma coisa de 5 minutos. (1) E quando você quer uma bolsa? É uma canseira [...] peguei tudo que pediram, um monte de coisas [...] fiquei vindo aqui por duas semanas [Carlo: conseguiu a bolsa?] Sim, graças a Deus. (2)

Nos itens acima, a agressividade apresentada pelos entrevistados me levou a inferir que, mais do que mediar os processos educacionais, o ambiente possui uma dimensão própria que afeta diretamente a vida escolar, orientando, como podemos observar nas entrevistas dos professores, o próprio currículo.

Opinião focando o curso

Quanto aos cursos obtive, com exceção de um curso (Administração de Empresas), opiniões mais positivas que em relação à Instituição. Essa opinião mais bem-valorada foi freqüente entre os cursos de área da saúde e atribuída ao coordenador, corpo docente e infra- estrutura.

O curso é excelente. Temos uma ótima clínica [...] Os professores são bons (3).

Nosso coordenador é bastante acessível [...] Temos professores que explicam bem, outros, no entanto, são um desastre (3).

[Nomeou um professor de sociologia] só enrola, fala sobre a família dela, a TV... Me dá sono e acha que tá abafando [...] (4).

Tipo assim, [Nomeou um professor] é muito sério, não explica muito bem [...] não brinca... mistura tudo e deixa a gente pirado [...] a matéria dele é tudo e não dá para entender nada depois sem saber ela. (4).

Os professores são bons [...] temos laboratórios maravilhosos. (4).

[Nomeou um professor] tem que reprovar mesmo! Não dá para sair daqui sem saber isso [referiu-se a uma disciplina específica], como que vai trabalhar depois [...] (3).

Professor ruim, ruim mesmo não temos não [...] Temos professores que cobram muito e não tão nem aí para o aluno. (3).

Para os cursos relacionados às ciências sociais aplicadas as opiniões foram muito críticas em relação à infra-estrutura e oscilantes em relação ao corpo docente.

Em nosso curso falta tudo [...] Nosso laboratório de informática é horrível. (1)

Salvo uma meia dúzia, os professores são exímios enroladores [...] estou a mais da metade do curso e ainda não vi nada. (2)

[Nomeou um professor] é carrasco [...] não sabe dar aula direito e na prova quer cobrar [...] (1).

[...] tem muito professor que só enche lingüiça. [Nomeou um professor] Aplica as mesmas provas [...] Todo mundo tira nota boa [...] Claro que ficamos quietos, não sou bobo. (1).

O que salva são alguns professores que dão o sangue [...] Nem sei direito quem é o coordenador [...] [nomeou o coordenador] nunca veio na nossa sala... nem se apresentou... tipo assim: olá meu nome é tal, qualquer problema venham à minha sala, não vou fazer nada, mas podemos conversar [risos]. (1)

As mediações entre docente e discente definem, curso a curso, a quantidade de capital social associado a eles. No caso, os cursos da saúde, pelas falas dos discentes, conseguem agregar um volume maior de capital que, por sua vez, orienta a uma dada identidade profissional48.

Quando questionados a respeito do comportamento em sala (docente e discente) e as práticas desenvolvidas, os discentes apontaram a didática e o modo de proceder como as qualidades mais relevantes para uma boa condução da aula. O que retorna à questão, já apresentada na fase 1, do ajuste de protocolos de convívio entre aluno e professor ser mediado por um habitus mais subjetivo, calcado em atributos como vocabulário, gestos corporais e impostação da voz.

Documentos relacionados