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2. Raízes do Medo

2.3 Comportamentos Diante da Morte

Ao trabalhar o medo de morrer não podemos deixar de destacar o controle sobre o corpo na Idade Média. O homem para ter uma boa morte deveria controlar e disciplinar os desejos do corpo, que pelo seu processo biológico e instintivo provoca a proliferação do nascimento e consequentemente da própria mortalidade.

O controle da sexualidade medieval pela dogmatização da Igreja é um item que deve ser trabalha do separadamente devido á proporção de importância do mesmo.

Assim, ao analisar o medo de morte na Idade Média, nos deparamos com regras e comportamentos que favoreciam para uma boa morte, ou seja, uma preparação para o pós-morte que requeria práticas diárias para eliminar os desejos da carne. Áries (1990) em o homem diante da morte, trabalha com muita propriedade a questão da “domesticação” do medo de morrer e a preparação do corpo para uma “boa morte”. (ÁRIES, 1990, pp. 61-6)

A disciplinarização do corpo e as regulamentações da vida do homem constituem dois pólos em torno dos quais se desenvolveram a organização do poder sobre a vida. Um paralelo que se caracteriza por um poder cuja função é investir todas as forças sobre a vida.

Foucault (1988) promove uma representação da sexualidade, como uma das principais práticas consideradas pecaminosas na Idade Média. No entanto, podemos notar com clareza a constante preocupação do homem medieval com as “coisas de Deus”. (FOUCAULT, 1988, pp. 31-9)

O controle sobre o desejo do corpo simbolizava o afastamento das coisas terrenas e uma forte aproximação de Deus. A administração do corpo era algo praticado pelo homem medieval que desejava a vida plena e uma morte digna. (DELUMEAU, 1989, pp. 188- 9)

Assim, notamos com clareza que o homem ocidental aprendeu pouco a pouco o que é ser uma espécie viva em um mundo vivo, ter um corpo, ter uma condição de existência, a probabilidade de vida, as problemáticas com relação à saúde individual e coletiva

que exerce forças que pode mudar o rumo de sua vida.

A cada dia o homem medieval investia mais sobre o corpo, a saúde, as maneiras de se alimentar e de morrer, as condições de vida em todos os espaços da existência. Construindo uma sociedade normatizadora com efeito histórico com relação ao poder centrado na vida.

O homem medieval tinha uma forte preocupação em reprimir o “amor”, onde seria a suprema realização das aspirações para a “vida bela” uma tarefa de libertação do corpo e da alma.

Quando ocorria uma relação amorosa entre um homem e uma mulher, ambos praticavam a convenção amorosa, voltada para a “coisa de Deus”, e uma das práticas era rezar antes de encontrar a amada. Glorificar a Deus perante a imagem da amada, ao entrar na Igreja para começar uma novena ou fazer o voto mental de compor um poema falando da amada, onde seria propicio falar acerca da grande devoção a Deus, afirmando em forma de oração a sua forte relação com as coisas divinas. (DELUMEAU, 1989, p. 151)

Na Idade Média os homens procuravam fugir dos desejos do corpo, vivenciando uma vida bucólica que enfatizava uma aspiração sagrada.

Com relação a tal ideia notamos que o dispositivo da sexualidade permitiu técnicas de poder investir na vida de forma biológica e religiosa, marcando o processo onde cada indivíduo luta contra o desejo do corpo, negando o sexo, o prazer como algo que possibilitaria assegurar a “boa morte”.

O sexo neste discurso era trabalhado em uma perspectiva de devaneio, um mecanismo do corpo que não contempla a espiritualidade, pois sua surpefície se pauta no pecado e no desejo ininterrupto da carne.

A sexualidade era configurada como o desejo da carne que deixava os homens bestializados diante do prazer sexual, mas ao mesmo tempo afirmava o medo de morrer, pois estavam praticando algo considerado libertino e pecaminoso.

Neste momento, os prazeres mais singulares eram solicitados a sustentar um discurso que deveria não mais articular aquele que fala do pecado, da salvação, da morte e da eternidade, e sim aquele

que fala do corpo, da vida e das normas religiosas.

O domínio do poder sobre o sexo seria promovido através da linguagem ou de discursos religiosos que promoviam a interdição do prazer da carne; construindo normas que se cristalizaram na Idade Média como regras complexas que determinavam os comportamentos dos indivíduos de forma hegemônica.

Neste processo ocorre a formação dos saberes que se refere ao sistema de poder que regulamenta práticas e formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeito dessa sexualidade que constitui um domínio exclusivo.

Pois o valor do ato sexual era considerado pelo cristianismo como algo do “mal, do pecado, a queda, a morte”; o homem medieval deveria acentuar os valores morais e espirituais, atribuindo a tal idéia a prática da abstinência rigorosa, a castidade permanente e a virgindade.

A sexualidade deveria ser trabalhada dentro dos princípios de uma moral cristã que permitia o sexo somente após o casamento cristão, onde era afirmada a fidelidade da esposa com o marido, e era uma questão colocada de forma rígida, que de certo modo tinha um grande valor na sociedade medieval.

O ato sexual é um ponto de cruzamento entre uma vida individual que é destinada a morte e ao mesmo tempo á uma imortalidade que torna a forma concreta de uma sobrevivência da espécie.

A atividade sexual se inscreve, no amplo horizonte da morte e da vida, do tempo e da eternidade. Assim, o homem coloca em contra ponto o destino de morrer e as formas de escapar da morte através da reflexão sobre o uso dos prazeres e sobre os seus regimes.

O regime físico dos prazeres é caracterizado pela capacidade de dominar as forças que desencadeia um jogo da vida e da morte, onde o homem deseja sobreviver além da sua existência terrena.

Nesta análise do medo de morrer, podemos notar que o homem medieval tinha uma preocupação extremamente rigorosa com a repressão dos desejos do corpo, pois tal prática como já dito era considerada pecaminosa, um ato profano que deveria

ser reprimido constantemente da vida dos homens medievais, um processo que partia da individualidade para a coletividade social e religiosa da Idade Média. (DELUMEAU, 1989, pp. 22-9)

A Igreja medieval se preocupava em constituir uma sociedade que se pautava em uma estrutura mental que visa ocupar e orientar os fiéis, a não praticarem as coisas do “mau”. Para isto o homem medieval deveria seguir normas ritualísticas como penitências, jejuns, momentos de constante oração, entre outras práticas que faziam parte da vida social e religiosa do homem medieval.

Quando falamos em alma, devemos perceber que ela tem um duplo papel de desempenhar uma reflexão que designa para o corpo um regime que efetivamente é determinado pela natureza do mesmo e das suas tensões. Assim, fica claro que este desejo tem duas faces, ele parece no corpo e aparece na alma, uma experiência que o sujeito faz dele próprio.

Podemos pensar nos conjuntos teóricos, dos jogos da morte e da imortalidade, nas práticas e normas que possibilitavam a purificação da alma.

Portanto, podemos notar que os elementos trabalhados colocam em destaque o concerne de regras para o prazer; práticas constantes de fidelidade conjugal, e de normatização de comportamentos religiosos que possibilitam ao homem medieval a construir uma “boa conduta sexual” e além disto tornando possível uma “vida plena e distante da morte”.

O sexo era um “mal necessário”, que deveria e foi encarado, dentro da mentalidade cristã ocidental com um único e exclusivo objetivo: o da procriação. A idéia era: quanto mais casto o homem medieval fosse, mais próximo da “boa morte” ele estaria e consequentemente mais “perto de Deus”.

Considerações Finais

Da escolha a abordagem de um tema para se fazer uma análise historiográfica, passamos por vários passos. Do recorte temporal a discussão bibliográfica retratando um objeto de análise que por muito tempo foi desconsiderado pela historiografia: o medo de morrer na Idade Média Ocidental.

Foi preciso estabelecer prioridades que variaram segundo o tempo e os lugares; um processo de longa duração pautado por Fernand Braudel, dentro de uma perspectiva da mentalidade coletiva.

Doravante, podemos notar que os fatores que desencadearam o medo de morrer na sociedade medieval vão além dos problemas econômicos, sociais e religiosos, envolvendo itens que parte da particularidade de cada homem medieval entendendo até o mesmo dentro de uma coletividade, ou seja, de uma sociedade que pratica o “bem viver em prol do bem morrer”.

Ao pensarmos no termo morte na Idade Média, fica claro sua associação a idéia de ruptura do composto humano, numa época que o dualismo começa a penetrar na sensibilidade coletiva. Assim compomos os elementos que aqui se associavam a morte como os rituais e os medos que foram pontuados (mar, noite, fantasmas) bem como os elementos que causaram o pânico dessa mesma morte (fome, guerra, peste).

A morte tornou-se um dos fatores primordiais que leva a humanidade a buscar constantemente o mistério da alma, uma perspectiva religiosa que se formula ao longo da existência, pois a alma não pode entrar no “reino dos céus” por outro caminho, se não aquele determinado pela religiosidade de cada individuo que se

conduz em nome da fé.

Contudo é visível que o homem medieval vivencia o medo construído e transferido de outro homem como um mecanismo de defesa; sendo tais mecanismos utilizados pela Igreja, como objetivo de controlar a sociedade, agindo como fatores que possibilitava a reflexão e entendimento do mistério do medo de morrer.

A Igreja torna-se a única instituição que possibilitava a aproximação do homem com Deus; ela ensinava e ajudava o homem medieval a se manter no equilíbrio do tempo, do corpo por meio do controle de sua sexualidade e da preparação para a morte, um processo que se afirmava a todo momento no cotidiano medieval.

No prisma da análise, é perceptível a crescente maturidade tenebrosa da angústia e do medo na Idade Média. O medo da morte torna-se a fúria cega que persegue a “vida dos bons e dos ruins”; tornando obscura a atmosfera mental da sociedade medieval.

Por isso, a busca incessante da “boa morte”, pois só assim poderiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxílio ás almas do outro mundo, do além, possibilitando a convivência com o medo de morrer e promovendo uma constante preparação para o pós-morte.

Por isso, fica claro que as “boas obras” permitiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxilio ás almas do outro mundo, do além, tornando possível a convivência com o medo de morrer, promovendo uma relação com a preparação para o pós-morte.

Enfim, o medo de morrer é um tema difuso e que envolve o mistério, o fascínio do além como algo desconhecido e temido ao longo dos séculos. Na Idade Média tal medo se expandiu com um grande temor que espreitava os indivíduos, o medo foi a ameaça; transbordando do imaginário do homem medieval, e penetrando na vida real e cotidiana, e isso ficou denotado e demonstrado na arte, na escrita, nas práticas e nos ritos de uma coletividade cristã ocidental, que se designava sitiada, desmobilizada diante do medo de morrer.

trabalhadas e que são pertinentes em relacionar ao tema o Medo da Morte na Idade Média Ocidental. A pretensão desse exímio trabalho não era nem esgotar e nem fechar nenhuma idéia que foi proposta no mesmo. O homem sempre teve e sempre terá o medo daquilo que desconhece: a MORTE.

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Dhiogo José Caetano - nascido no dia 24/11/1988 na c i d a d e d e U r u a n a - G O. Graduado em História pela UEG - Universidade Estadual de Goiás. Tem diversos trabalhos e artigos publicados em Recanto das Letras, Jornal o Povo, Jornal o Dia, Jornal Diário da Manhã,Canto dos E s c r i t o re s, O ve rm u n d o, Cinema é a minha praia, Poetas Livres, Portal Literal e em outras revistas como: Revista Factus e Partes. Também faz parte do projeto da Nova Coletânia, Rocco, Abralie, Publicações Iara, Encantos do Brasil II da Mandio Editora, Novos Poetas da Editora Videira, Prêmio Valdeck, Editora Celeiro, Tecido Verbal, Editora Literacidade, Poesia Encanta, Canapé, Litteris, Palavras Sem Fronteiras. É colunista dos blogs: Poetas Brasileiros, Mar de poemas, Sociedade dos Poetas Mortos, Debates Culturais e outros. Artista revelação 2011, prêmio organizado pela Interarte juntamente com Academia de Letras de Goiá, prêmio Interarte 2012. O seu objetivo é continuar a caminhada em direção do ensinar e aprender, corroborando para a publicação de diversos textos, livros, artigos e poemas; construindo uma caminhada em busca de conhecimento.

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