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2. Raízes do Medo

2.2 Medo de Morrer e Medos Humanos

O homem é medroso por natureza. Usa amuletos para “espantar” esse medo no sentido que “todos os homens têm medo e aquele que não tiver medo, não é normal” (DELUMEAU, 1989, p. 147). A insegurança é o símbolo da vida, sendo ela símbolo de morte. O homem sabe muito cedo que morrerá com um medo único, idêntico a si mesmo, algo imutável.

O medo é ambíguo, é uma defesa natural que garantimos contra o perigo, um reflexo que permite ao organismo fugir da morte; “sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido...” (DELUMEUA, 1989, p. 147). Mas se ultrapassado, pode tornar algo patológico e bloqueador; identificado como covardia, a qual não se poderia proteger com antecedência.

O medo tornou-se causa da evolução do individuo, no entanto a regressão para o medo é o perigo que espreita constantemente o sentimento religioso; podendo os separar, distanciando o homem do mundo exterior.

Portanto, podemos declarar que o medo é o pior inimigo enfrentado pelo homem; uma atitude que percorre além da individualidade, um exemplo claro é a batalha da sociedade medieval contra o medo. Mas os historiadores não precisam procurar muito,

para identificar a presença do medo, nos comportamentos dos grupos; seja dos povos antigos ou das sociedades contemporâneas.

É muito difícil analisar o medo e aumenta a dificuldade, quando se trata de passar do estudo do medo individual para o medo coletivo. Para facilitar a análise podemos tratar de um estudo da versão mística que possibilita qualquer um de nós a morrer de medo; característica do pânico quando se manifesta uma energia que se difunde por todo o organismo do indivíduo.

Tratando-se do medo coletivo é provável que as reações de uma multidão tomada de pânico ou que libera subitamente sua agressividade resultando em grande parte da adição de emoções e choques. O medo torna-se operatório no nível coletivo, a partir da distinção que a psiquiatria agora estabeleceu, no plano individual, entre medo e angústia, tratando de dois pólos, o medo tem como objetivo determinar onde pode fazer frente. A angústia não tem particularidade especifica e é vivida como uma espera, dolorosa diante de um perigo tanto mais terrível, sendo um sentimento global de insegurança. (Delumeau, 1989, pp.100 - 40)

Alguns “medos”, porém, são comuns á coletividade. A noite, o escuro, o negro, por exemplo, sempre foi associado pelo Ocidente como algo negativo, ligado ao inferno e á satã.

Atormentada por querelas religiosas, tudo a noite era suspeito. As cidades conseguiam afastar completamente o medo para fora de seus muros, ao mesmo tempo enfraquecia este medo tornando possível conviver com ele. Mesmo com o complicado mecanismo de proteção, os indivíduos, seja de forma individual, seja de forma coletiva, mantiveram um diálogo permanente com o medo da noite e da escuridão.

Outro medo comum á coletividade antiga e medieval estava relacionado ao mar; vários povos o temiam; pois aquela; imensidão líquida poderia trazer a peste negra, invasões e outros perigos. A metáfora da fúria, todos os símbolos, animais que se relaciona com a fúria e raiva faziam parte do imaginário a respeito do mar.

Desde Homero e Virgilio até Franciade e os Lusíadas, não há nenhuma epopéia, se tempestade, figura com destaque em romance medieval. As metáforas do mar tranqüilo e bom serão, portanto

em números menores do que o mar bravo; sendo a tempestade não apenas temas literários e imagem das violências humanas; é também em primeiro lugar fato de experiência, relatada por todas as crônicas, a navegação para a terra santa. (DELUMEAU, 1989, pp. 41-4)

O mito também ganha espaço na representação do mar; aparecendo relatos de monstros que se alimentavam de humanos, como Polifen, Cila, Circe, as sereias, Leviatã e Lorelei. Outra visão mitológica esta relacionada aos textos, apocalípticos clássicos, que na origem da sua demência suspeitava de feiticeiras e demônios, pois o mar é freqüentemente representado como o domínio privilegiado de Satã e das potências infernais. No fim do mar, acreditava-se que era também o fim do mundo e associava-se a ideia de que também encontraria no final dele a passagem para o inferno; um abismo profundo, local do medo, da morte, da demência, onde vive Satã, os demônios e os monstros. Assim, um dia o mar desaparecerá quando toda a criação for regenerada. (DELUMEAU, 1989, pp. 41-7)

Portanto, até as descobertas e vitórias das técnicas modernas e novos conhecimentos cartográficos, o mar era associado na sensibilidade coletiva como um dos principais medos da coletividade.

Na mentalidade coletiva, a vida e a morte não apareciam separadas em um corte nítido; os mortos permanecem entre nós como seres meio material e meio espiritual uns são bons para fazer a vontade de Deus, outros ao contrário, traz para a terra, “pestes, tempestades e trovão”, fazendo sons no ar para provocar susto. No que o contexto nos mostra, podemos perceber a concepção da Igreja e uma separação radical da alma e do corpo no momento da morte. (DELUMEAU, 1989, pp. 107-12)

Com o processo da duvida, foram pouco a pouco os homens da Igreja, a desconfiarem mais da aparição dos mortos. No final do século VIII e no começo do século XVIII, os fantasmas que provocavam epidemias de medo, eram os vampiros; onde o temor dos mesmos continuava no século XIX na Romênia o país do Dracúla.

Voltando no contexto, não podemos esquecer da peste que envolvia o comportamento coletivo, provocando o medo e o pânico;

episódio que ataca a Europa, sempre desaparecendo e reaparecendo criando um estado de “nervosismo e medo na população”. A peste era vista como um pesadelo que vinha junto com a fome e a guerra, uma “praga” que ataca o mundo, que envolve a violência, sendo vista por diversos povos como impetuosa, com um ideal de punição divina.

Percebe-se que as epidemias provocavam interrupção na morte, ocorrendo abolição dos ritos coletivos de alegria e de tristeza, pois o número de mortos e o pânico de morrer limitavam a ritualização dos indivíduos; essas rupturas brutais com o uso cotidiano são acompanhadas de impossibilidade radical dos planejamentos de mecanismo de defesa contra a doravante peste.

A violência é uma inquietação coletiva, onde cresce um “medo global”, gerador de pânico e repulsa. A fome também é um medo comum na Idade Média o qual provoca apreensão nas estações, ao escoamento dos meses, até mesmo dos dias; em tempo de crise, provocava pânico, medo e desembocarando á loucura e acusações.

Mas havia também a morte na guerra, (morte antecipada), momento supremo do cavaleiro, que alegremente se dirigia na sua direção. Uma morte antecipada em nome da fé que tem por objetivo a salvação da alma e a vida eterna no paraíso. Tal prática fazia parte dos mecanismos de defesas utilizados pelo homem medieval.

Como o mundo dos vivos estava ligado ao dos mortos, o papel dos mosteiros era exatamente o de interlocutor junto do além pela sociedade terrestre. Na Idade Média a morte foi assimilada nos corações. Desejada pelos guerreiros, aguardada pelos religiosos, a morte foi sentida como um rito de passagem para um outro mundo, o além. Os medievais entendiam o além como uma realidade. Foi o tempo do além, e a preocupação com a morte, algo constante nas suas vidas. O além é o espaço espelho da sociedade que o imagina e recria constantemente esta realidade. No entanto, ele deixou de ser a razão da própria existência, para passar a ser a chantagem para a imposição das regras e dos dogmas religiosos. Ocorrendo uma representação iconográfica da morte. (ÁRIES, 1990, p. 46)

Assim, notamos como fortes características a reorganização da sociedade cristã ocidental que conheceu o poder de consequências

como a expansão territorial, da qual se destaca as cruzadas que teve pontos marcantes nas estruturas históricas.

Enquanto estruturas demográficas a Idade Média se equilibrava no sistema típico das sociedades agrárias, pré-industriais, onde ocorria alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade provocada pelas longas estiagens, enchentes e as inúmeras epidemias que provocavam a morte de uma grande parcela da sociedade.

Na verdade, isto seria apenas um ensaio da crise demográfica da Baixa Idade Média que terá seu ponto crucial com a então conhecida peste negra que provocará a perda de um terço da população da Europa Ocidental.

Quando trabalhamos as grandes epidemias na Idade Média devemos compreender que tais processos se concretizaram dentro de uma estrutura de longa duração que proporcionará a comunicação e a penetração dos homens medievais em várias regiões.

Os rumores são provocadores do medo coletivo, pois se espalhava no Ocidente a revolta, provocada pela morte, pela ameaça da fome e de guerras; os grandes cismas, como as cruzadas contra os (heréticos), que levou a decadência a moral do papado, antes do surgimento operado na reforma católica. (DELUMEUA, 1989, pp. 177-9)

Nestes momentos de crise, o melhor a fazer é manter-se apegado com os mandamentos de Deus e praticando o bem para ganhar a salvação eterna e garantir a boa morte, já que esses elementos acima abordados (fome, peste e guerras) eram preocupações constantes no contexto do homem medieval ocidental.

Podemos perceber que o homem vive constantemente cercado pelo medo de morrer, que vai além da vida, ou seja, o pós- morte é a preocupação dos indivíduos. Nesta jornada o homem, parte em busca de explicações, sendo conduzido pelo medo e consequentemente a sua mentalidade o atrai para o pior inimigo, que é justamente essa morte.

Assim, foram trabalhados de forma bem resumida, alguns aspectos do medo coletivo, ou seja, que são comuns á toda humanidade: o mar, os fantasmas, a peste, a fome e a guerra.

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