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O caminho trilhado, historicamente, pelo sujeito surdo em nosso país possui um longo percurso, recheado de adversidades, até chegar ao que evidenciamos, atualmente, como inclusão e reconhecimento da cultura surda, redesenhando um quadro político que tem evoluído gradativamente, com grandes avanços e grandes retrocessos, por isso que ainda há muito o que ser percorrido na busca da igualdade de direitos.

Iniciamos a nossa discussão acerca da historicidade do surdo no Brasil, evidenciando que a primeira escola para surdos foi fundada em 1857, no estado do Rio de Janeiro, com o nome de Imperial Instituto de Surdos Mudos, sob a supervisão do professor francês, Ernest Huet e com o apoio de D. Pedro II. Atualmente, a escola é conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

À época da fundação, o instituto utilizava o método da língua de sinais. De acordo com Goldfeld (2002), a referida língua foi difundida no Brasil através dos ensinamentos do professor Ernest Huet, a saber: sujeito surdo.

Todavia, com a realização do Congresso Internacional de Educação de Surdos que ocorreu no ano de 1880 em Milão e, seguindo uma tendência mundial, o referido instituto passou a adotar a metodologia oralista, iniciando, assim, o processo de proibição da utilização da língua de sinais, sendo, ainda, os alunos surdos obrigados a sentarem sobre as mãos para aprenderem, com maior facilidade, a oralização (KALATAI E STREIECHEN, 2012).

Goldfeld (2002, p. 34) argumenta que a finalidade do “oralismo é fazer a reabilitação da criança surda em direção à normalidade”, estimulando-a a integrar-se na comunidade ouvinte. Importante ressaltar que a corrente oralista perdurou por, aproximadamente, cem anos. Nesse ínterim, diversos estudiosos da área comprovaram em suas pesquisas o pouco desenvolvimento do sujeito surdo, surgindo, desse modo, diversos estudos que apontaram a relevância da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo do surdo.

A partir da divergência em torno da metodologia mais eficiente direcionada ao sujeito surdo, surge, no ano de 1968, a filosofia da Comunicação Total, caracterizada como “língua falada sinalizada”, uma vez que nessa concepção de linguagem, era utilizado tanto a oralidade quanto o uso de sinais, gestos, mímicas, ou seja, quaisquer recursos que pudessem contribuir para a ocorrência da interação.

No entanto, a referida filosofia não obteve êxito, tendo em vista que, de acordo com Marchesi (1995, p. 59), a “[...] Comunicação Total apresenta-se como um sistema de comunicação complementar [...]”, ou seja, permite tanto a oralidade quanto o uso dos sinais, gerando o nomeado “bimodalismo” que deu espaço ao Bilinguismo.

Segundo alguns estudiosos da área (HARRISON, 1998; LACERDA, 1998; LODI, 2000), defensores do modelo metodológico bilíngue, a Comunicação Total dificultava a aquisição do conhecimento do surdo, uma vez que havia a utilização de duas línguas simultaneamente. Línguas com características próprias e independentes, a saber: a língua oral e a língua de sinais.

Dito isto, evidencia-se a metodologia bilinguista como uma reivindicação da comunidade surda, na busca de uma identidade linguística. Nesse contexto, é divulgado o documento da Declaração de Salamanca, produto de uma conferência realizada pela UNESCO, ocorrida no ano de 1994, na Espanha, que contou com a presença de 88 países e 25 Organizações, ocasião em que a história da pessoa com deficiência teve um grande salto em termos de discussões e visibilidade.

O referido documento discutiu a inclusão da pessoa com deficiência em toda sua amplitude, repercutindo significativamente no âmbito educacional, uma vez que, atribuiu a responsabilidade da integração do deficiente ao contexto educacional, ou seja, a escola ficou com o dever de implementar as políticas públicas existentes, objetivando a garantia do direito da Educação para todos.

A partir desse contexto, surgiram, no Brasil, diversos modelos de Educação Inclusiva com o objetivo de integrar, nas escolas de ensino regular, alunos com deficiências. A proposta criou forças a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996), estabelecendo, no Artigo 58, que a modalidade de educação especial deve ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino, para educandos com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 20135).

O modelo de inclusão promulgado pela Declaração de Salamanca e, na mesma década, estabelecida pela LDBEN 9.394/96, traz benefícios a toda comunidade educacional, sendo estes deficientes ou não, uma vez que estes(as) alunos(as) podem “desenvolver sadios sentimentos de respeito à diferença, de cooperação e solidariedade, contribuindo para uma sociedade menos discriminatória” (CARVALHO 1999, p.38), ou seja, toda a comunidade desenvolve valores que são essenciais ao convívio da humanidade.

Podemos perceber que a década de 90 foi de grande relevância, por se tratar de um marco histórico importante da inclusão em nosso país, uma vez que foi necessário repensar a educação das pessoas com deficiência, período em que o Brasil desenvolve a política de inserção de todos(as) os(as) alunos(as) com deficiência no sistema regular de ensino, fato que promoveu um grande passo também na educação do aluno surdo.

Desse modo, os estabelecimentos educacionais foram levados a rever seus currículos e os adaptarem de forma a contemplar a grande diversidade no âmbito escolar. Além dos currículos, as escolas também tiveram que passar por mudanças estruturais com a finalidade de adaptar os espaços para melhor acolher o deficiente em sala de aula.

Destarte, no que se refere ao surdo, o bilinguismo já se apresentava como uma realidade a ser seguida, importante frisar que o “[...] bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngue, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, e como segunda língua, a língua oficial de seu país [...]” (GOLDFELD, 2002, p. 42).

Dito isto, no Brasil, o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras), se deu com o estabelecimento da Lei de nº 10.436, no ano de 2002, segundo a qual o surdo deve ser escolarizado na perspectiva da metodologia bilinguista, oficializando o uso da Libras em todo o país. Para tanto, a referida lei estabelece, no currículo do surdo, a Libras como língua materna e a Língua portuguesa, como segunda língua a ser adquirida na modalidade escrita.

A lei citada acima foi regulamentada pelo decreto de nº 5.626 no ano de 2005 e refere-se a um documento importante na expansão da língua de sinais como língua oficial em todo o país, dando visibilidade ao sujeito surdo e instituindo a presença do intérprete de Libras na sala de aula. O decreto estabeleceu, dentre outras providências, a ministração da Libras como disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura e no curso de fonoaudiologia; a criação de cursos superiores Letras-Libras e a criação de cursos de formação de intérpretes, assegurando,

5 Lei nº 12.796 de 4 de abril de 2013, que altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

ao sujeito surdo, a acessibilidade linguística e o respaldo legal em diversos setores da sociedade.

De acordo com Goldfeld (2002, p. 42), “[...] o conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua própria [...]”, cultura essa, que dá ênfase a sua aceitação como sujeito surdo e repulsa a língua oral como canal de inclusão na comunidade ouvinte.

No entanto, como citado anteriormente, a história do surdo se constrói por meio de avanços e retrocessos, nesse contexto, em meio à pandemia da Covid -19, foi sancionada, no dia 03 de agosto do ano de 2021, a Lei nº 14.191, que insere a Educação Bilíngue de Surdos na LDBEN como uma modalidade de ensino independente, antes incluída como parte da educação especial.

A referida Lei estabelece, em seu Art. 60 – A, que a modalidade de educação escolar deverá ser oferecida em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdos-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos,

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio educacional especializado, como o atendimento educacional especializado bilíngue, para atender às especificidades linguísticas dos estudantes surdos.

§ 2º A oferta de educação bilíngue de surdos terá início ao zero ano, na educação infantil, e se estenderá ao longo da vida (BRASIL, 2021).

Nesse sentido, dentro da perspectiva defendida nesta pesquisa, a referida Lei vai de encontro com a defesa da inclusão e da interação com as diferenças existentes no âmbito educacional regular. Compreendendo que a escola é um lugar de construção, nela é possível a criação de um ambiente de discussão e de reflexão acerca das desigualdades e igualdade de direitos, sem que se perca de vista a cultura surda, uma vez que o surdo se reconhece como grupo minoritário e, de acordo com Kelman (2012, p. 67), a “surdez é apenas uma faceta desse sujeito que, além dela, constitui-se como elemento de outros grupos em função de demais determinantes constituintes da sua subjetividade”, ou seja, a escola precisa transformar o espaço escolar em um espaço democrático no qual se ofereça a igualdade de oportunidades.

Dito isto, podemos perceber que a escola inclusiva deve ser vista como um espaço de anuência e de contemporização diante das diferenças; assim, compreendemos que a criação de

“escolas exclusivas” para os surdos ou até de “classes especiais” possa excluir esse grupo que vem ganhando espaço em nossa sociedade.