• Nenhum resultado encontrado

2.5 Dimensão ontológica da complexidade

2.5.1 Compreensão da complexidade organizacional

Os eventos da humanidade no último século evidenciam a necessidade de novas propostas de tratamento para os fenômenos desse paradoxo que é atualmente a vida. Com antagonismos tão abrangentes e ao mesmo instante próximos, mas sem compreensão do homem organizacional e da gestão corporativa para solucionar o que está fora do alcance, a busca passa a ser inevitavelmente o conhecimento. Os problemas e variáveis que as organizações se defrontam atualmente evidenciam o imperativo da complexidade dos fenômenos existentes no cotidiano das organizações. Morin (2001) destaca a forma como o conhecimento é construído. Dosi (2006) observa o conhecimento como independente da pessoa que inicialmente o criou.

Certo (2010) considera que a sociedade moderna oferece problemas de natureza intrinsecamente complexos, causados pela interação de fatores antes inexistentes no mundo das organizações. O enfoque sistêmico permite o arcabouço conceitual da ideia de complexidade dos fenômenos que atingem as organizações e que devem ser considerados na análise organizacional (MINTZBERG, 2007; WOOD JUNIOR, 2002). Nessa linha de análise e investigação, os estudiosos das organizações delineiam diversos pensamentos para a compreensão de como as organizações funcionam e quais fatores influenciam na sua estrutura organizacional e no seu bem-estar.

[...] há de se estabelecer uma ruptura do pensar administrativo linear, historiográfico, acrítico, voltado para o pragmatismo de efeitos autoritários, substituindo-o por uma atitude mais criativa e transformadora das relações intraorganizacionais [...] e essa atitude não se dará se o ensino e a prática do conhecimento em administração continuar segundo os postulados tradicionais dos compêndios de administração, quer no plano da gestão pública, quer no da administração privada (TENÓRIO, 2008, p. 22).

Na perspectiva do pensamento complexo, não se deve considerar o objeto do saber em sua realidade objetiva, sem interferência do sujeito que o analisa. Essa dinâmica

evidencia o distanciamento do “sujeito seguro”, baseados na certeza absoluta. MINAYO

(2003) explora essa ideia com a necessidade de ser percebidos como sujeitos interrogantes que tentam, diante da complexidade e constante transformação que caracterizam o mundo, encontrar pontos de apoio que auxiliem na percepção das características das novas ordens que vêm sendo construídas, ainda que provisórias, convivendo com dúvidas e incertezas.

Genelot (1992) critica a incapacidade do homem de compreender e dominar estes fenômenos em sua totalidade como aditivo ao conceito de complexidade. Gramigna (2007)

destaca que o conhecimento deve ser codificado sendo um bom mecanismo para armazenar grandes quantidades de conhecimento e para criar uma organização de memória para todos os funcionários. A compreensão diante da complexidade das coisas revela a inequívoca necessidade da busca do conhecimento diante do tangível e intangível. Desse modo, o conhecimento sendo um produto social cria uma rede que ordena e traduz vários materiais – máquinas, pessoas, prédios, codificações, conceitos, que interagem construindo novas aprendizagens.

[...] Há casos em que a organização é vista como comunhão de conhecimentos implícitos, ou seja, de contextos de interpretação. Somente através do processo de socialização, e não através de um contato com as regras e procedimento, é que um novato na empresa pode encontrar seu lugar (CHANLAT et al, 2007, p.115).

Barney e Ouchi (1986) tratam do aprendizado da economia organizacional, sob a lente das teorias organizacionais, muitos menos quanto às aplicações específicas de conceitos e modelos e muito mais quanto ao modelo de pensamento sobre organização e sobre o fenômeno organizacional. Mintzberg (2003) descreve a importância da análise do equilíbrio a partir da importância da valorização na teoria das organizações do fator interorganizacionais e a diferenciam das abstrações da teoria neoclássica.

Nonaka (2007) expressa três elementos importantes no conceito de conhecimento: (i) o indivíduo ou sujeito do conhecimento - inevitável interação do homem com os fenômenos; (ii) ligação com o objeto ou realidade dos acontecimentos – capacidade da percepção do fenômeno; e (iii) associa-se ao experimento, ou seja, o relacionamento entre sujeito e objeto. Por conseguinte, o sujeito e o conhecimento passam a constituir um elemento único, trata-se da inseparabilidade entre ambos. O conhecimento deriva das observações, percepções, assimilação, questionamentos, interações e incursões com a realidade vivenciada, com o acúmulo do aprendizado do homem (GRIFFORD, 2009; MINAYO, 2003; MORIN, 2001).

Por outro lado, Huff (2007) observa que não se pretende fornecer todo o conhecimento sobre um fenômeno estudado, mas deve-se respeitar suas diversas dimensões, pois, o homem é um ser sociocultural e os fenômenos sociais – entre eles os fenômenos organizacionais – são, ao mesmo tempo, culturais, econômicos, psicológicos, políticos etc.

Nesse entendimento, Leonard-Barton (1998) destaca que a complexidade surge como dificuldade, como incerteza e não como clareza ou como resposta. A compreensão das redes de conhecimento implica em aprofundar o processo de aprendizagem nas organizações.

Enquanto isso, Hatch e Cunlife (2006) observam que a Teoria da rede42 em administração explica a estrutura das relações entre os atores: indivíduos, grupos e organizações, uma vez que, preocupa-se com a criação do conhecimento dentro das organizações. Este é um mundo no qual a racionalidade tem limites cognitivos, políticos e organizacionais. Cognitivamente, a atenção é um recurso chave escasso. “Os indivíduos não conseguem dar atenção a tudo de uma vez, nem tampouco estar em todos os lugares ao mesmo tempo” (CAPRA, 2002, p. 97).

A gestão das organizações, nesta perspectiva, pode ser entendida como o processo de assegurar mínima convergência e coerência em um ambiente caótico, complexo, ambíguo, tanto em sua dimensão objetiva, quanto em sua dimensão subjetiva (WOOD JÚNIOR, 2001). A crescente complexidade organizacional pretensamente trazida sob controle pelo ordenamento das relações intra e interorganizacionais de acordo com o modelo de racionalidade funcional, é incapaz de explicar as ambiguidades presentes nas organizações (WHITTINGTON, 2006, p.76).

Nesse sentido, para os autores, os partidários das abordagens pós-modernas nas organizações precisam se esforçar por clarificar essas relações de poder, visando expor a fragilidade da concepção clássica de organização e, consequentemente, dos mitos da estabilidade e previsibilidade.

Mintzberg (2007) observa que a teoria denota, assim, uma idéia de continuidade, representando um processo contínuo de estudo de categorias, tipologias ou de possíveis relações entre fatores.

[...] O universo das organizações vem se tornando cada vez mais complexo e que, infelizmente, a forma de refletir sobre elas não está seguindo o mesmo curso. A organização pode ser representada como o espaço onde os sujeitos são constituídos e identificados. O sentido de mundo passa a ser dado pelas inter-relações entre

indivíduos e organizações, ou seja, “ser membro” de uma organização, gostando ou

não, marca nossa individualidade (MORGAN, 2002, p.112).

Nesse contexto, as organizações devem ser vistas como sistemas vivos, que existem em um ambiente mais amplo do qual dependem da satisfação de suas várias necessidades, que para serem efetivadas, é fator essencial à criação de mecanismos flexíveis,

42

Trata-se da concepção da arquitetura plástica, não linear, aberta, descentralizada, plural, dinâmica, horizontal e capaz de auto-regulação. Suas características atribuem-lhe caráter fortemente interdisciplinar, ancorados em perspectivas filiadas às várias correntes de pensamento, entre os quais destaca-se a teoria da complexidade. A figura da rede é atualmente a imagem mais usada para designar ou qualificar sistemas, estruturas ou desenhos organizacionais caracterizados por uma grande quantidade de elementos (pessoas, pontos de venda, entidades, equipamentos etc.) dispersos espacialmente e que mantêm alguma ligação entre si (MARTINHO, 2003, p. 114).

objetivando obter um poder de adaptabilidade diante das influencias macroambientais. Hatch e Cunlife (2006, p.102) apresentam a complexidade:

[...] a partir de um conjunto de pressupostos a respeito da natureza dos sistemas complexos, que seriam caracterizados pela não linearidade e pelo feedback cíclico. As organizações seriam, portanto, sistemas adaptativos complexos, com três qualidades que os gestores devem incentivar: variedade, interação e seleção. A variedade significa encorajar uma multiplicidade de soluções e práticas na organização e é associada com a descentralização na solução dos problemas. A interação deve ser estimulada para estabelecer e suportar redes de conhecimento e trabalho e a seleção implica na criação de padrões e medidas para guiar as escolhas entre novas estratégias.

Geus (1999) apresentou o contraste dos valores existentes entre dois modelos de administração: a “empresa aprendiz”43 capaz de sobreviver e prosperar com vida longa devido a fatores como identidade coletiva, abertura para o ambiente externo, tolerância à entrada de novas pessoas e ideias. Essa diretriz e sensibilidade da administração gerava um alto grau de envolvimento e satisfação das pessoas / empregados. Na “empresa mecânica”44 tradicional, a prioridade é a obtenção da máxima eficiência e produtividade, sendo que o funcionamento da empresa é determinado e controlado pela alta administração, com implementação de planejamento. A previsibilidade e certeza são creditadas considerando a não possibilidade de mudança, gerando maior rigidez e consequentemente os fatores burocráticos.

Contudo, este modelo burocrático não tem capacidade de adaptação às mudanças ambientais e torna-se muito vulnerável às turbulências do mercado (PORTER, 1986). Quel (2006) pontua que as empresas, atualmente, têm de lidar com um mundo para o qual não foram preparadas. Isto porque se apresentaram, por décadas, uma forma de condução contrária e completamente reducionista.

A concepção da empresa como sistema vivo passou a ser uma metáfora muito útil para entender as necessidades de mudança no âmbito organizacional. A tentativa das organizações mecanicistas de controlar a mudança e manter o equilíbrio só tem gerado muita resistência e fracassos porque as lideranças ignoram o fato de que as pessoas só encontram significado naquilo que criam (HAMEL; PRAHALAD, 1995).

Para entender tais questões, é importante ressaltar as proposições de Morgan (2002), que se preocupa em caracterizar as principais metáforas que podem ser utilizadas para

43 Uma organização que está continuamente expandindo sua capacidade de criar seu futuro. Termo utilizado por

Peter Senge para a organização que aprende, fundamenta-se numa mudança de mentalidade para despertar uma intuição compartilhada geral, permitindo a aprendizagem (DUARTE, 2009, p. 431).

44 Descrevem o funcionamento das organizações como o de uma máquina, para o alcance de seus objetivos e

explicar os processos organizacionais, enfatizando que, na maioria das vezes, é necessário

“lançar mão” de várias delas visando melhorar a habilidade de compreensão dos diferentes

aspectos que coexistem e se complementam dentro das organizações, por mais paradoxais que possam parecer.

Wood Junior(2002) interpreta as organizações a partir de metáforas, comparando- as a imagens que permitem vê-las como máquinas, organismos vivos, cérebros, culturas, sistemas políticos, prisões psíquicas, fluxos e transformações e, finalmente, como instrumentos de dominação. Motta (2001) relata que a organização é mais complexa, facilmente fragmentável, e depende da comunicação intensiva para sua integração.

Corroborando assim com Wood Junior(2002, p.252) quando afirma que:

[...] o paradigma da complexidade, em seu contexto mais global, corresponde a uma nova concepção dos fenômenos organizacionais, capaz de penetrar na profunda rede de paradoxos, ambiguidades e conflitos de todo tipo que constituem uma organização. Mais, que o desenvolvimento de novos conceitos, este paradigma implica nova forma de perceber e compreender as organizações. Representa, simultaneamente, um desafio às premissas que permeiam a maioria das práticas organizacionais.

O fator do “ambiente organizacional” está associado às relações específicas das

firmas com seu micro ambiente exigindo diferentes formas de lidar com os fatores, considerando a complexidade das transações, mesmo não sendo um fator constante (CASTOR, 2009; MOTTA, 2008; NICOLSKY, 2001; PORTER, 1999). Modelar esta racionalidade é um ponto de partida fundamental para que a teoria econômica possa explicar estas decisões e para construir modelos plausíveis para o comportamento dos agentes econômicos (NELSON E WINTER, 2005).

Sanders (2011) destaca os desafios das MPEs quando se trata de longevidade e a condiciona a partir da tradução da complexidade diante da diversidade construtiva. A intenção de mudar e criar torna-se relevante e indispensável, principalmente diante das especificidades desse porte de empresas. Mas, a diferenciação importante deste segmento de "organização" é sua capacidade de se adaptar e reordenar o comportamento organizacional.

Vieira e Zouain (2006) afirmam que o nível de abrangência e o grau de complexidade da mudança organizacional variam em conformidade com a natureza das modificações pretendidas. Os sistemas adaptativos complexos estão constantemente revisando e rearranjando seus blocos de construção à medida que ganham experiência.

Capra (2002) observa que o paradigma da complexidade rejeita alguns pressupostos essenciais do conceito neoclássico tradicional, tais como informação perfeita,

rendimentos decrescentes, e a existência implícita de um único agente racional agindo em nome de uma organização para maximizar algum objetivo função. A respeito dessa premissa, Genelot (1992) expõe a possibilidade de convivência entre a simplicidade racionalista e a elaboração da complexidade.

A organização como um sistema sociotécnico aberto e com estoque de conhecimento capaz de aprender e reaprender com os aspectos tangíveis e intangíveis pressupõe a complementaridade dessas premissas. As organizações empresariais, aprimoradas por séculos, ao buscarem longevidade, têm se apoiado no processo de aquisição, transformação e disseminação de conhecimento (DOSI; 2006; NELSON e WINTER, 2005).

A epistemologia reducionista construída sobre a simplificação hipotética é rejeitada no enfoque da complexidade.

[...] descrições administrativas sofrem correntemente de superficialidade, super simplificação, carência de realismo. Já tinha se confinado perto demais ao mecanismo da autoridade e tem falhado em trazer em sua órbita a outra, igualmente importante, modelos de influência em comportamento organizacional. Tem sido satisfatório falar de autoridade, centralização, barreiras de controle, função, sem pesquisar definições operacionais definições para esses termos. Até descrições administrativas alcançam um alto nível de sofisticação, tem uma pequena razão para esperarmos que o rápido progresso será feito para identificação e verificação de princípios administrativos válidos (SIMON, 1980, p. 62).

Todavia é fator de preocupação a apatia com que se retratam as MPEs no Brasil, com ausência de profundidade para com seus fenômenos, sem compreensão da complexidade organizacional, tornando-se limitada e com pouca perspectiva de sobrevivência. A parceria da pequena e da grande empresa é defendida, nesta tese, mas sem que as pequenas empresas estejam à mercê ou sendo um “apêndice” da maior. Logo, as MPEs traduzidas no paradigma da complexidade devem ser vistas como processo dinâmico de transformação, com perspectivas de mudanças constantes, cíclicas e imprevisíveis (CASTOR, 2009).

A lógica de compreensão associa-se ao repensar e reaprender, com a consciência dos gestores para contribuir na transformação da empresa, com visão nas relações econômicas e sociais, para que estas detentoras dessa nova concepção possam ter o poder de modificar seus resultados visando a obtenção de maior longevidade (LEONE, 1999; MACHADO, 2007; KRUGLIANSKAS, 1996).