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A compreensão das professoras unidocentes sobre sua formação inicial e continuada e os

SEÇÃO IV: A COMPREENSÃO DAS PROFESSORAS SOBRE A UNIDOCÊNCIA

4.2 A compreensão das professoras unidocentes sobre sua formação inicial e continuada e os

Trazer à tona a compreensão das professoras unidocentes sobre sua formação inicial e continuada se torna relevante para identificar e analisar a compreensão de unidocência expressa nos modos como planejam e realizam o trabalho pedagógico. A profissionalidade, que sustenta sua atuação unidocente, não está dissociada dos contextos da formação inicial e da formação continuada que envolveram e envolvem essas profissionais, haja vista que, nesses contextos, são construídos valores, expectativas, concepções, conhecimentos e técnicas que balizam as práticas pedagógicas.

Como já reportado, a maior parte das unidocentes participantes realizaram formação inicial em cursos de pedagogia. Este preconizado e defendido como curso capaz de dar conta da complexidade de produção de um exercício rigoroso do pensamento, de apropriação de saberes do campo científico, pedagógico e político das disciplinas a serem ensinadas, que abarca a formação para a unidocência.

No entanto, foram nos cursos de Magistério de nível médio que essas professoras afirmaram ter aprendido conhecimentos e habilidades que mobilizam em seu trabalho.

O meu magistério foi um curso maravilhoso porque trabalhavam as metodologias com a gente. Chegava na metodologia de português, você tinha que construir seu alfabeto, tinha que aprender a ensinar para o aluno. Tinha as outras metodologias como a de matemática. Por isso minha formação foi muito boa. (P4).

O curso de pedagogia foi um curso de muita teoria e pouca prática. Sei que precisava de embasamento teórico, mas muitas coisas eu não vi como no magistério. Eu tive bons professores no magistério, como o de matemática que ensinou como ensinar uma regra de três, porcentagem etc. Foi o que eu aprendi no curso de magistério que me deu embasamento para dar aula. (P7).

O curso de pedagogia que fiz, a meu ver, não me acrescentou muita coisa do que eu tinha aprendido no magistério, porque a teoria, por exemplo, em nada mudou de um curso para outro. (P5).

As falas das professoras unidocentes enaltecendo a formação que vivenciaram no curso de Magistério nível Médio evidenciaria que elas esperam uma formação com referências para a prática em detrimento de uma formação que indique referências para pensar a prática, o que apontaria para uma compreensão tecnicista da atuação unidocente. Pensamento que coincide com resultados da análise de Brzezinski e Garrido (2001) que apontaram prevalecer nos cursos de Magistério nível Médio práticas reprodutivistas e fragilidade dos conhecimentos sociológicos, históricos e filosóficos.

Como consequência, vimos preponderar na fala das professoras a compreensão de que sua profissionalidade estaria relacionada ao aspecto metodológico do ensino, dito de outra forma, nos saberes e habilidades de como ensinar. Essa compreensão aponta para o que Libâneo (2015) chama de dissociação entre dois requisitos da profissão de ensinar “[...] o domínio dos conteúdos da disciplina e o domínio de saberes e habilidades para ensinar esses conteúdos.” (LIBÂNEO, 2015, p. 630), que entendemos ser resultado dos problemas assinalados por Brzezinski e Garrido (2001).

Nos cursos de formação continuada, que as professoras participaram, não encontramos uma realidade diferente no que se refere à dissociação entre o conteúdo da disciplina (conhecimento disciplinar) e o conhecimento pedagógico do conteúdo (conhecimento didático-pedagógico) mencionada por Libâneo (2015). Nesses cursos, prevalece uma desintegração entre o conhecimento disciplinar e o conhecimento didático-pedagógico com a predominância do aspecto metodológico das disciplinas sobre os conteúdos conforme indicam as professoras com suas falas a seguir:

A formação oferecida pelo curso abrange conteúdos de matemática, língua portuguesa, ciências, história e geografia. Ensina como ensinar. Ensina-se a trabalhar com palito, material dourado na matemática. (P1)

No curso que propôs trabalhar geografia, história e ciências, vimos mesmo foi leitura, contação de história, bandinha. Trabalhamos em forma de projeto, com sequências didáticas como o papagaio de Tarsila, trabalhamos receitas, arte, que no final acabou envolvendo todas as matérias. O conteúdo de história, geografia e ciências não entrou muito não. O foco foi na questão de contação de história, leitura e trabalhar com a sequência didática. (P2)

Conforme vimos, é possível depreender que a formação continuada acabaria por conservar e não superar a dicotomia teoria e prática que dificultaria, por exemplo, o desenvolvimento de uma profissionalidade unidocente alicerçada na interdisciplinaridade, uma vez que como nos lembra Lima (2007), na tarefa unidocente de veicular os conhecimentos das disciplinas do currículo escolar de maneira articulada e dinâmica é de igual importância o domínio dos conhecimentos disciplinares e de suas respectivas metodologias. Concordamos que essa articulação dinâmica do conhecimento seria a especificidade da unidocência, mas infere-se que as professoras unidocentes não compreendem a essência de seu trabalho por esse viés, visto que, assim como na formação inicial, valorizariam também na formação continuada, mais os aspectos metodológicos do que os conhecimentos disciplinares.

Admiro muito esse curso de formação, pois nele aprendemos o como ensinar, de que maneira o aluno pode absorver o aprendizado. (P1)

Um outro aspecto, que consideramos importante destacar diz respeito ao fato de que, embora as unidocentes tenham como tarefa ensinar conteúdos de todas as disciplinas escolares, o foco das ações formativas em serviço que participam tem sido nas disciplinas de português e matemática, o que confere uma hierarquia superior dessas disciplinas em relação as demais.

Nas formações para nós do 1º ao 5º ano, o conteúdo estudado depende do ano que atuamos como regente. Ultimamente só tem tido cursos de português e matemática. Trabalha-se atividades relacionadas a português ou matemática para aquele ano. É sempre de português e matemática. (P4)

As falas acima revelariam comprometimento de um ensino interdisciplinar, já que um ensino com tal característica aponta Saviani (2009, p. 53) envolve “[...] superar a tendência à hierarquização das disciplinas segundo sua suposta maior ou menor importância.”

Dessa maneira, depreendemos que na formação continuada parece imperar processos e procedimentos instrumentais que não cooperam para superação de lacunas da formação inicial tais como: panorâmica formação dos conteúdos que se deve ensinar, dissociação entre

conhecimentos disciplinares e didático-pedagógicos, desarticulação entre teoria e prática e frágil formação filosófica e política (GATTI; NUNES, 2008; LIBÂNEO, 2015; BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001). Essa condição contribuiria para reforçar a compreensão da unidocência pela via de uma profissionalidade técnica e a consolidação de práticas pedagógicas numa perspectiva linear e de treinamento. (FRANCO, 2016).

Vimos, portanto, que a formação das professoras unidocentes parece favorecer mais o desenvolvimento de uma profissionalidade técnica dificultando a compreensão dessas sobre a unidocência a partir de uma essência interdisciplinar. Diante do exposto, como professoras unidocentes têm planejado seu trabalho?