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SEÇÃO III: CONCEITOS TEÓRICOS: elementos para análise do objeto de estudo

3.1 Planejamento de ensino: organização do trabalho pedagógico

Compreender o planejamento de ensino como processo organizador do trabalho pedagógico demandou a busca de aporte teórico na Pedagogia e na Didática. A Pedagogia como ciência que se dedica à educação e como práxis que organiza e transforma o ato educativo (FRANCO, 2016), e a Didática, como conhecimento pedagógico fundamental que

orienta o ensino-aprendizagem. Para a análise de como os/as professores/as unidocentes selecionam e organizam os conteúdos de ensino, os métodos que utilizam na preparação do material didático e na interação que estabelecem com os/as estudantes, utilizamos contribuições de Libâneo (1994), Luckesi (2002), Amaral e Antunes (2011), Saviani (2013) e Franco (2016). Nesses autores, encontramos reflexões produzidas tanto no campo da Pedagogia e da Didática quanto especificamente da prática do planejamento de ensino, numa perspectiva crítica e dialética de educação e de ensino.

O trabalho pedagógico constitui mediação para a transformação e alcance dos objetivos do ensino. Nesse processo, explica Frizzo (2008, p. 6), “o sujeito ativo e agente transformador é o professor e o objeto a ser transformado é a realidade ou o mundo concreto”. Nessa abordagem professores/as e estudantes, atores do processo educativo, devem estar disponíveis ao cumprimento de seus diferentes papéis para que o trabalho pedagógico cumpra sua função mediadora.

Numa perspectiva crítica de educação, o papel desempenhado por professores/as no processo de planejar e realizar o trabalho pedagógico, como também lembra Luckesi (2002), não se reduz a uma tarefa predominantemente técnica porque não é tarefa neutra. O planejamento e o ensino estão comprometidos com uma concepção de homem, mundo e sociedade. Aliás, para esse autor, o planejamento, se reduzido ao ato técnico, escamoteia a realidade, por não a questionar. Portanto, professores/as conscientes da determinação ideológica do planejamento de ensino, não o consideram como ato exclusivamente técnico, mas:

[...] um ato, ao mesmo tempo, político-social, científico, educativo e técnico: político-social, na medida em que está comprometido com as finalidades sociais e políticas; científico na medida em que não se pode planejar sem um conhecimento da realidade e da produção humana de onde advêm os saberes escolares; técnico, na medida em que o planejamento exige uma definição de meios eficientes para se obter os resultados, e educativo, na medida em que os atores aprendem a realidade de forma coletiva e ampliada na busca de soluções para seus problemas e dificuldades. (LUCKESI, 2002 apud; AMARAL; ANTUNES, 2011, p. 4).

Nesse raciocínio, o planejamento se apresenta como instância crítica que antecipa uma reflexão sobre a realidade, uma tomada de consciência das intencionalidades que presidem o ato educativo e uma decisão sobre os modos de intervir pedagogicamente. Por meio do planejamento, os/as docentes selecionam e organizam os conhecimentos, bem como decidem sobre a forma de veiculá-los, valendo-se de práticas pedagógicas coerentes com o projeto de sociedade que defendem. Dito de outro modo: o planejamento do ensino envolve a seleção e a

organização de conhecimentos que serão assimilados pelos/as estudantes bem como envolve a escolha das formas mais adequadas de sua transmissão, com vistas ao alcance dos objetivos educacionais que se pretende no desenvolvimento do trabalho pedagógico. (LIBÂNEO, 1994; SAVIANI, 2013).

Conforme Libâneo (1994), o objetivo primordial da atividade pedagógica de professores/as é possibilitar, aos/as estudantes, o domínio dos conhecimentos científicos por meios capazes de desenvolver neles/as as habilidades intelectuais, a autonomia no aprendizado e a independência de pensamento, visando sempre a sua inserção crítica na sociedade. Julgamos importante esclarecer que para o autor os/as estudantes devem se apropriar dos conhecimentos científicos, isto é, o saber sistematizado, não espontâneo, em contraposição ao senso comum.

Nessa perspectiva, o conhecimento a ser veiculado na educação escolar não é todo nem qualquer conhecimento. Também Saviani (2009), ao tratar da conversão do saber científico em saber escolar, aponta que os conhecimentos a serem ensinados na escola são os conhecimentos científicos (filosófico, metódico, rigoroso, teórico, sistematizado, crítico e reflexivo) que integram o acervo cultural organizado e dos quais devemos nos aproximar. Para construí-los devemos partir do conhecimento espontâneo, cotidiano, ingênuo, pré- científico que constitui o senso comum. Por isso, na seleção e organização dos conteúdos - decisões constitutivas do planejamento do ensino, professores/as devem estar atentos às fontes do conhecimento em que tais conteúdos são buscados.

Conforme Libâneo (1994), tanto no planejamento quanto na realização do trabalho educativo, a seleção e a organização dos conteúdos, bem como a escolha dos métodos de ensino são decisões pedagógicas que requerem dos/as professores/as:

[...] compreensão segura das relações entre a educação escolar e os objetivos sócio- políticos e pedagógicos, ligando-os aos objetivos de ensino das matérias; domínio seguro do conteúdo das matérias que leciona e sua relação com a vida e a prática, bem como dos métodos de investigação próprios da matéria, a fim de poder fazer uma boa seleção e organização de seu conteúdo, partindo das situações concretas da escola e da classe; capacidade de desmembrar a matéria em tópicos ou unidades didáticas, a partir da sua estrutura conceitual básica; de selecionar conteúdos de forma a destacar conceitos e habilidades que formam a espinha dorsal da matéria; conhecimento das características sociais, culturais e individuais dos alunos, bem como o nível de preparo escolar em que se encontram; conhecimento e domínio dos vários métodos de ensino e procedimentos didáticos, a fim de poder escolhê-los conforme temas a serem tratados, características dos alunos; conhecimento dos programas oficiais para adequá-los às necessidades reais da escola e da turma de alunos; consulta a outros livros didáticos da disciplina e manter-se bem informados sobre a evolução dos conhecimentos específicos da matéria e sobre acontecimentos políticos, culturais etc. (LIBÂNEO, 1994, p. 72).

A realização do trabalho pedagógico, centrando-se na direção ensino-aprendizagem, demanda ainda dos/as professores/as:

[...] o conhecimento das funções didáticas ou etapas do processo de ensino; conhecimento dos princípios gerais da aprendizagem e saber compatibilizá-los com conteúdos e métodos próprios da disciplina; domínio de métodos de ensino, procedimentos, técnicas e recursos auxiliares; habilidade de expressar ideias com clareza, falar de modo acessível à compreensão dos alunos partindo de sua linguagem corrente; habilidade de tornar os conteúdos de ensino significativos, reais, referindo-os aos conhecimentos e experiências que trazem para a aula; saber formular perguntas e problemas que exijam dos alunos pensarem por si mesmos, tirarem conclusões próprias; conhecimento das possibilidades intelectuais dos alunos, seu nível de desenvolvimento, suas condições prévias para o estudo da matéria nova, experiências da vida que trazem; provimento de métodos de estudo e hábitos de trabalho intelectual independente; ensinar o manejo do livro didático, o uso adequado de cadernos, lápis, régua etc.; ensinar procedimentos para aplicar conhecimentos em tarefas práticas; adoção de uma linha de conduta no relacionamento com os alunos que expresse confiabilidade, coerência, segurança, traços que devem aliar-se à firmeza de atitudes dentro dos limites da prudência e respeito; manifestar interesse sincero pelos alunos nos seus progressos e na superação das suas dificuldades; estimular o interesse pelo estudo, mostrar importância da escola para a melhoria das condições de vida, para a participação democrática na vida profissional, política e cultural. (LIBÂNEO, 1994, p. 72-73).

Assim, seja qual for a modalidade de docência, o planejamento e a realização do trabalho pedagógico constituem-se em tarefa complexa e árdua. No caso do trabalho unidocente, consideramos essa uma tarefa ainda mais desafiante, dadas as exigências de um ensino integrado que articule cinco ou mais disciplinas escolares. A interdisciplinaridade, que pretende propiciar uma compreensão ampla da realidade, orienta um modo próprio de ensinar nos anos iniciais do ensino fundamental, tornando-se, pois, fundamental na profissionalidade unidocente.