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3 SEGUNDO MOMENTO A CONDIÇÃO DE

3.2 COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO

O compreender é um existencial. Ele é uma estrutura de ser do ser-aí. O compreender também pode ser entendido como modo de conhecimento ao lado do esclarecer, mas nesse caso o compreender deve ser remetido, juntamente com o esclarecer, à sua condição de possibilidade: o compreender enquanto existencial - o compreender ontológico. É esse último que passamos a expor a partir do conceito de mundo.

Mundo é o deixar mostrar-se dos entes intramundanos a partir da mundanidade do mundo - a partir da estrutura para-que. A compreensão tem a ver com o mundo mesmo e não com a mundanidade do mundo. O compreender é aonde o mundo, aberto pela disposição, aparece como possibilidade, deixando os entes intramundanos se mostrarem e serem compreendidos. Além disso, o compreender também abre os outros modos de ser enquanto possibilidades. O compreender abre o ser-aí enquanto uma possibilidade de ser - a possibilidade de ser em-virtude-de - abre o utensílio enquanto uma possibilidade de ser- a possibilidade de ser para-que - e abre a natureza como uma possibilidade de ser- a possibilidade de algo se mostrar na “‘unidade’ do que é simplesmente dado numa variedade multiforme” (HEIDEGGER, 2008m, p.205.).

O que o compreender abre originariamente não é cada um desses modos específicos de ser, mas cada um deles enquanto possibilidades de ser. Os modos específicos de ser também são abertos pelo compreender, porém de forma derivada - pois é condição de possibilidade de diferentes modos de ser se abrirem, que antes já esteja aberta a possibilidade de haver diferentes modos de ser. O compreender abre a possibilidade em si mesma dos modos de ser: do ente no modo da

presença, do para-que e do em-virtude-de. O compreender abre a

Em relação ao em-virtude-de, a compreensão vê o caráter de possibilidade do ser-aí estar livre para seu de, de estar livre da conjuntura. A compreensão vê uma possibilidade diferente daquela determinada pela conjuntura. Esse ver é um ver da possibilidade mesma, pois não se determina que possibilidade é essa, ela é vista simplesmente como possibilidade.

As possibilidades do ser-aí, no entanto, não são desmundanizadas. O ser-aí é sempre ôntico. Suas possibilidades são sempre possibilidades possíveis dentro de uma conjuntura. Ocorre que o ser-aí é propriamente a possibilidade de ser isso ou aquilo dentro da conjuntura, e não uma escolha determinada que o ser-aí já faticamente efetuou ou que nela cresceu. O sapateiro não é propriamente um sapateiro, mas a possibilidade de ser sapateiro ou de deixar de sê-lo - ele é sapateiro apenas impropriamente.

Essa característica do compreender de abrir as possibilidades enquanto possibilidades é a estrutura chamada por Heidegger de projeto. “Enquanto projeto, compreender é o modo de ser da presença em que a presença é as suas possibilidades enquanto possibilidades” (HEIDEGGER, 2009, p. 206).

A compreensão - que acabamos de expor - e a disposição - exposta na seção anterior - são existenciais que se dão sempre juntos, é o que podemos ler na seguinte passagem de Heidegger (2008m, p. 208): Enquanto existenciais, disposição e compreender caracterizam a abertura originária de ser-no-mundo. No modo de ser do humor, a presença “vê” possibilidades a partir das quais ela é. Na abertura projetiva dessas possibilidades, ela está sempre afinada pelo humor.

Exposto o suficiente para o presente momento sobre a compreensão, façamos algumas considerações sobre a interpretação, nos preparando para adentrar no tema da fala e da linguagem.

Aquilo que é compreendido pode ser também interpretado. No que concerne ao mundo e a mundanidade do mundo, se a compreensão tem a ver com o mundo, a interpretação tem a ver com a mundanidade do mundo. Assim como o mundo é a condição de possibilidade para a mundanidade do mundo, a compreensão é a condição de possibilidade para a interpretação. A interpretação elabora em formas a perspectiva. Sendo a perspectiva a estrutura para-que - estrutura com a qual todo e qualquer ente intramundano pode aparecer - é essa estrutura que a

interpretação forma. A interpretação também interpreta o modo de ser do em-virtude-de e da presentidade, porém tomaremos como guia a elaboração do para-que.

A interpretação de todo e qualquer ente em particular que se dá a partir da mundanidade do mundo, não só mantêm e pressupõe a estrutura para-que, como é sobre ela que a interpretação labora. A interpretação forma a remissão de um ente em particular a partir de sua estrutura para-que. Essa elaboração sempre toma a forma da estrutura

algo-como-algo, forma já presente na própria estrutura para-que.

Quando interpretamos um ente qualquer sempre nos perguntamos pelo seu para-que, sempre interpretamos o ente em seu ser. Assim, quando nos perguntamos sobre o martelo, o interpretamos originariamente como aquilo que é para, como algo para martelar. Nessa interpretação não só aparece a estrutura para-que, como ela é formada a partir da estrutura do algo-como-algo. Como o para-que sempre se remete a uma conjuntura, a interpretação do algo-como-algo é dada sempre a partir de uma conjuntura.

A interpretação sempre enforma uma compreensão através de um sentido, sentido que é sempre enformado a partir da posição, visão e concepção prévias. Chama-se posição prévia a situação da interpretação e da fala de sempre partirem de uma totalidade conjuntural já compreendida em uma perspectiva. De visão prévia chama-se o fenômeno da interpretação e da fala de sempre partirem de possibilidades determinadas por uma interpretação previamente dada - interpreta-se a compreensão pelo já interpretado. Concepção prévia é o fenômeno da interpretação e da fala de sempre partirem de uma totalidade conjuntural interpretada a partir de uma determinada linguagem - a interpretação sempre parte de conceitos já dados.

Sempre interpretamos - não só a linguagem, mas todo ente - a partir de conceitos herdados da tradição filosófica. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar isento de pressuposições. Não há ponto zero onde se começa a interpretação.