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3 SEGUNDO MOMENTO A CONDIÇÃO DE

3.1 DISPOSIÇÃO

Onticamente disposição é o humor. Esse pode se afinar como desânimo, medo, mau humor, angústia, falta de humor, entre outros. Ontologicamente disposição é o modo constitutivo do ser-em de estar aí disposto a ser atingido - de ser o aonde da abertura. O ser-aí está sempre disposto no mundo. Essa disposição sempre está afinada de tal ou tal maneira. A afinação determina a forma com que os entes intramundanos vêm ao encontro do ser-aí.

Seguindo a anterioridade ontológica de abertura já exposta quando do fenômeno do mundo, a disposição só é abertura para o ente intramundano porque antes é abertura para o próprio ser-em como tal. É na disposição que o ser-aí se depara com seu aí - com o seu ser-em. A disposição abre o ser-aí enquanto aquele que é aí - que existe aí. A disposição abre o ser-aí na forma de um “que é e [comporta um] ter de ser”15 (HEIDEGGER, 2008m, p. 194). A disposição abre o ser-aí enquanto aquele que tem a responsabilidade do seu ser. Essa responsabilidade aberta pela disposição mostra-se como peso. O humor, a partir desse peso - lidando com esse peso - pode se afinar como, entre outras possibilidades, um humor exacerbado. Esse humor é uma alegria demasiadamente jogada no ente intramundano - uma afinação que foge do peso que ontologicamente a disposição abre.

Onticamente - ao se colocar em uma afinação de humor - o ser-aí dispõe-se para si mesmo. Com o humor, o ser-aí se coloca diante de si mesmo se encontrando. O ser-em é aberto, primeiramente, não quando o ser-aí se observa teoricamente pela reflexão, mas quando - na lida prática consigo mesmo - ele se lança a ou foge de si mesmo. Esse lançar-se a, ou fugir de si mesmo, é o enfrentar ou não o peso, a responsabilidade, de sua existência. A fuga, ou o enfrentamento, é que se afinam como humor: como angústia, esperança, entre outras possibilidades. Para o ser-aí se compreender reflexivamente é preciso que aquilo sobre o que ele irá refletir - ele mesmo - já tenha sido aberto. Para haver auto-reflexão, portanto, o ser-aí já precisa estar aberto para si mesmo através da disposição.

Ao se esquivar de si mesmo e se lançar no mundo circundante - através de determinadas afinações de humor - o ser-aí abre o mundo circundante em sua totalidade. Essas determinadas afinações do humor que podem abrir o mundo na totalidade são aquelas afinações em que o ser-aí se esquiva do peso do seu aí. Nesse esquivar-se do peso de seu aí,

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o ser-aí esconde de si mesmo o seu enigma inexorável - seu ser enquanto pura possibilidade. O ser-aí passa a tentar se compreender a partir do mundo circundante, a partir de possibilidades ônticas determinadas pela conjuntura. É só a partir desse lançamento que abre a totalidade do mundo circundante, que o ser-aí pode se direcionar para o mundo circundante através de uma ocupação.

A disposição, portanto, abre o ente intramundano, o mundo em sua totalidade, e o ser-em como tal. Ela abre o ser-em quando seu aí se mostra como peso para si mesmo; abre o mundo em sua totalidade porque a disposição, abrindo o ser-em, abre o diverso do mundo, abrindo o próprio mundo como mundo, e também abre o ente intramundano porque, ao fugir de si mesmo, sendo lançado no mundo, se depara com o ente intramundano.

Como exemplo de afinação de humor e do como a disposição abre em seus três modos, Heidegger cita o medo. Refletindo a estrutura da disposição acima exposta, o medo abre três diferentes fenômenos: o ente que vem ao encontro dentro do mundo através do de que se tem

medo, o mundo circundante em sua totalidade através do ter medo ele mesmo, e por fim o ser-em como tal através do pelo que se tem medo.

O de que se tem medo é um ente que vem ao encontro dentro do mundo. Seja ele um manual, um ente presente, ou ainda outro ser-aí. O como desse encontro é que determina o caráter de amedrontador do ente pelo que se tem medo. O ente que vem ao encontro deve pertencer a um todo conjuntural prejudicial, e deve se aproximar mantendo uma certa proximidade, pois o aproximar-se distante de algo prejudicial não é amedrontador.

O ter medo ele mesmo abre o mundo circundante em sua totalidade. O ter medo ele mesmo é o todo dentro do qual um ente pode aparecer como amedrontador. Nós não desencobrimos uma coisa e, analisando-a, passamos a temê-la. Nós tememos a coisa e, em seguida, passamos a esclarecê-la. O temor do ente que tememos vêm antes do que o próprio ente intramundano temido. Esse vir antes é o desvelar do próprio ente em seu ser amedrontador a partir de uma circunvisão amedrontadora. A circunvisão - que já deve estar previamente aberta pela afinação prévia do humor no medo - é que permite o ente intramundano aparecer como temível. Já vimos - quando expusemos o mundo circundante - que todo ente só pode aparecer a partir do todo. O ter medo desvela uma totalidade, o mundo circundante enquanto amedrontador.

O ser-aí sempre tem medo por ele mesmo, que é o pelo que se

por si mesmo desvela-se o aí do ser-aí. O ser-aí se vê abandonado a si mesmo. No desvelar do aí, desvela-se o ser-em como tal.

O ente amedrontador em seu ser amedrontador só pode ser compreendido pelo medo. Para essa compreensão de nada adianta analisá-lo em sua composição química, em seu movimento físico ou em sua estrutura biológica. O caráter amedrontador de um ente só se abre através do medo porque é no medo, e em outros humores, que se abre ao ser-aí o seu estar aí jogado - só a partir desse abrir-se de si mesmo é que alguém pode temer por si mesmo.