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CAPÍTULO 1. A LEITURA

1.3. PROCESSOS IMPLICADOS NA LEITURA

1.3.2. COMPREENSÃO

Referimos já que a leitura não é apenas descodificação e reconhecimento de palavras. Este é apenas o primeiro passo, visto que a “essência da leitura é a construção do significado de um texto escrito” (Sim-Sim, 2007, p. 5).

A autora citada entende por compreensão da leitura a atribuição de significado ao que se lê, sejam palavras, frases ou um texto. Na leitura torna-se essencial apreender o significado da mensagem, resultando o nível de compreensão da interação do leitor com o texto. O facto de ler as palavras mas não compreender as frases que compõem um texto estão, por vezes, na origem de dificuldades (Citoler & Sanz, 1997).

Sendo a descodificação do sistema alfabético e a sua automatização, cruciais na aprendizagem da leitura, não esgotam o essencial do ensino desta competência. Como anteriormente advogámos, é consensual que ler é compreender, é extrair significado, sendo a compreensão “o objetivo final da leitura” (Cruz, 2007; Fayol & Morais, 2004; Sim-Sim, 2007). Fayol e Morais (2004) asseguram que lemos para compreender seja qual for a motivação da compreensão: informar-se, distrair-se ou aprender. Desta forma, a construção de um bom leitor parte da conjugação de um conjunto de ingredientes como o conhecimento linguístico, ou seja, sobretudo da riqueza lexical e do domínio das estruturas sintáticas complexas; da rapidez e eficácia com que identificam palavras; da capacidade para automonitorizar a compreensão, do conhecimento que têm sobre o mundo e sobre a vida e, essencialmente, sobre os assuntos tratados nos textos lidos (Sim-Sim, 2007).

Partilhamos, desta feita, com vários investigadores, a convicção de que no processo de aprendizagem da leitura, é fundamental equilibrar as duas grandes componentes da leitura. Abordemos, assim, outro grupo de processos inerentes à tarefa de ler que são os de nível superior ou de compreensão.

A compreensão de texto é frequentemente referida por vários autores e reforçada no Caderno de Apoio das Metas Curriculares de Português, definidas pelo Despacho nº 5306/2012, de 18 de abril, como a construção do sentido de um texto. A esta expressão, prefere-se mesmo outra, utilizada pela psicolinguística cognitiva, de extração da informação ou do sentido. O objetivo da compreensão de um texto é, de facto, extrair dele o sentido que o autor quis transmitir, o que faz da fidelidade à intenção do autor o principal critério da compreensão do texto.

As investigações no campo da compreensão da leitura reforçam que a compreensão resulta da interação entre, pelo menos, três grupos de fatores indissociáveis: o leitor, o texto e o contexto (Burdet & Guillemin, 2013; Cruz, 2007; Giasson, 1993; Viana, 2009).

Figura 3: Modelo consensual de leitura (Giasson, 1993)

Neste modelo de compreensão, o leitor refere-se às estruturas do sujeito e aos processos de leitura por ele utilizados, isto é, compreende o que o leitor é e o que ele faz durante a leitura (Giasson, 1993; Lopes, 2010). Para o ato de leitura, a pessoa que realiza o processo de compreensão traz consigo um conjunto de capacidades, habilidades, conhecimentos e experiências (Cruz, 2007; Giasson, 1993; Lopes, 2010). O fator texto é o material a ler e que está a ser compreendido. Há que ter em conta a intenção do autor, a estrutura e o conteúdo do texto (Cruz, 2007; Giasson, 1993; Lopes, 2010).

Desta feita, na ótica de Giasson (1993), a compreensão da leitura variará consoante o grau de relação entre os três fatores que devem estar organizados de forma adequada. Segundo a autora, quanto mais imbricados estiverem uns nos outros, mais fácil será a compreensão. Por último, o contexto, que compreende elementos que não fazem parte do texto, mas que influenciam na compreensão do texto, na medida em que se refere às condições em que se encontra o leitor quando estabelece contacto com o texto. Deve-se, assim, distinguir os contextos psicológico, social e físico. O contexto psicológico refere-se ao interesse do leitor pelo texto a ler, à motivação e à sua intenção de leitura. Por seu lado, o contexto social implica as formas de interação que ocorrem durante a atividade entre o leitor e o professor ou entre os seus pares. Quanto ao contexto físico, este implica as condições materiais em que se processa a leitura (nível de ruído, tempo disponível…) (Giasson, 1993; Lopes, 2010).

No entender da autora citada, a leitura é comparada à interpretação de uma orquestra sinfónica, em que não é suficiente ao músico conhecer a sua partitura, mas é fundamental que todas as partituras sejam tocadas harmoniosamente pelos músicos. Assim, para interpretar um texto, estão dependentes os conhecimentos do leitor, a sua intenção e outros elementos do contexto, porque a leitura é um processo interativo, em que sem texto, não há leitor e, sem leitor, as intenções de leitura não são possíveis. Um não existe sem o outro (Giasson, 1993; Lopes, 2010).

Lembrando-nos de que a leitura não termina com o reconhecimento das palavras e focando-nos no facto de que a essência da leitura é a compreensão, é necessário verificar como é que essas palavras estão relacionadas. Para realizar esta tarefa, existe o módulo sintático que se refere ao conhecimento sobre a estrutura gramatical básica da língua (Citoler, 1996; Cruz, 2007; García, 1998).

Neste sentido, os processos sintáticos compreendem estratégias de reconhecimento sintático ou gramatical como a ordem das palavras, o papel das palavras funcionais (preposições, artigos, conjugações), o significado das palavras e o uso dos sinais de pontuação (Citoler, 1996; Cruz, 2007; García, 1998).

Assim, é evidente, segundo a investigação, que o domínio sintático tem um papel importante na aquisição da leitura, enquanto extração de significado, visto que facilita o acesso ao sentido. Os défices ao nível do módulo sintático podem, desta forma, ser a origem quer das dificuldades na leitura em que o indivíduo lê as palavras mas não compreende as frases que compõem o texto, quer da dificuldade que alguns indivíduos têm na organização de frases e orações de uma composição (Citoler, 1996; Cruz, 2007). Depois de reconhecidas e relacionadas as palavras, resta uma análise semântica, último processo cognitivo implicado na leitura, em que o leitor extrai o significado da frase ou do texto e o integra no conhecimento que possui (Cruz, 2007). Tendo o módulo semântico como principal meta compreender o significado das palavras, das frases e das textos, ou seja, retirar-lhes o significado, isto não é suficiente, uma vez que há que coordenar essa extração de significado com o conhecimento anteriormente adquirido pelo leitor através das suas experiências anteriores e que está representado sob a forma de esquemas. Assim, o processo de compreensão apenas termina quando se integra a informação extraída na memória. Para compreender é necessário construir uma estrutura e associá-la aos conhecimentos já adquiridos pelo leitor (Cruz, 2007; Citoler & Sanz, 1997; Rebelo, 1993). Para poder entender um texto, o leitor deve possuir conhecimentos mínimos sobre o seu conteúdo, caso contrário não o conseguirá compreender. Por sua vez, se possuir um maior conhecimento sobre um determinado tema, a compreensão do material escrito estará facilitada (Cruz, 2007).

Em suma, verificámos que na compreensão de palavras e frases, o aluno passa primeiro por um processo de descodificação dos sinais gráficos (as letras) em sons, cuja sequência lhe proporcionará um significado ao nível da palavra e da estrutura frásica. O processo será mais rápido e eficaz quanto maior for a automatização, para passar depois à compreensão que só é conseguida quando atingido um certo nível de fluência, aqui entendida como a leitura sem esforço, ou seja, a precisão e o automatismo na descodificação, acompanhada, ao mesmo tempo, de rapidez na compreensão (Sim-Sim, 2002). Sucena e Castro (2008) salientam que não importa que os alunos aprendam a descodificar cada letra no som correspondente, fazendo um

mensagem veiculada. Acrescentam as autoras que “mais do que a simples descodificação de uma-letra-um-som, o objetivo da leitura e da escrita é que as crianças adquiram a mestria desses processos de tal forma que o esforço a eles inerente se lhes torne praticamente nulo, assim permitindo a canalização da memória e atenção para a compreensão do texto” (Sucena & Castro, 2008, p. 15).

Assim, devemos conceber a leitura como um sistema em que todos os módulos que o compõem atuam de forma paralela e interativa. Qualquer das duas componentes da leitura são necessárias e de modo algum se pode pensar que se trata de processos antagónicos (Citoler, 1996; Citoler & Sanz, 1997; Cruz, 2007). Cruz (2007) sistematiza, referindo que na leitura e sua aprendizagem estão inerentes, de forma clara, vários processos cognitivos. Por um lado, temos “a captação visual de uma cadeia de símbolos (módulo percetivo) que devem ser reconhecidos como palavras com significado (módulo léxico) e, por outro, temos a compreensão das relações existentes entre as palavras, a sua ordem e estrutura subjacente (módulo sintático) e a integração do significado das palavras e frases num todo (módulo semântico)” (Cruz, 2007, p. 54).

Morais (1997) sugere que “a rapidez com que se pode identificar uma palavra facilita o processo de compreensão”, isto é, “quanto mais rápida for a identificação de cada palavra, mais sobra memória de trabalho a consagrar às operações de análise sintáctica, de integração semântica dos constituintes da frase e de integração das frases na organização textual” (p. 158).

Quanto mais rápida for a automatização da leitura, mais rapidamente a criança poderá concentrar a sua atenção na compreensão do que lê e tornar-se, assim, um leitor autónomo que lê para aprender e para seu próprio prazer (Dehaene et al., 2011).