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CAPÍTULO 2. PERTURBAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESPECÍFICA COM DÉFICE NA

2.1. O CONCEITO DE PERTURBAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESPECÍFICA

ESPECÍFICA

Ao revisarmos a literatura, verificámos que foi proposto um sem número de designações como, por exemplo, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima, hiperatividade, dificuldades percetivas, dificuldades de linguagem, dislexia, distúrbios de aprendizagem psiconeurológicos, e outros, para referir uma problemática hoje conhecida por PAE (APA, 2014).

Como já referido, é em 1960 que a designação dificuldades de aprendizagem, learning disabilities, é introduzida por Kirk, surgindo uma primeira tentativa de a definir (Correia, 2008a; Cruz, 1999; García, 1998; Lopes, 2010; Mather & Wendling, 2012; Rebelo, 1993; Selikowitz, 2010). O autor, no seu livro intitulado Educação da Criança Excepcional (Educating Exceptional Children) propôs uma definição de DA, que utilizou, pela primeira vez, num congresso em 1963, que apresentou na Conference on Exploration into Problems of the Perceptually Handicapped Child (Correia, 2008a; García, 1998; Rebelo, 1993; Selikowitz, 2010).

Um atraso, desordem ou atraso no desenvolvimento num ou mais dos processos da linguagem falada, da leitura, da ortografia, da caligrafia ou da aritmética, resultantes de uma possível disfunção cerebral e/ou de distúrbios de comportamento e não dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial, de uma privação cultural ou de um conjunto de fatores pedagógicos. (Kirk, 1962, p. 263, como citado em Correia, 2008a, p. 25).

A definição de Kirk, que enfatizava a componente educacional, foi muito bem aceite e influenciou outros investigadores, como Bateman, que em 1965, sugeriu uma nova definição de DA. Para a autora,

uma criança com dificuldades de aprendizagem é aquela que manifesta uma discrepância educacional significativa entre o seu potencial intelectual estimado e o seu nível actual de realização, relacionada com as desordens básicas dos processos de aprendizagem que podem ser ou não ser acompanhadas por disfunção do sistema nervoso central, e que não são causadas por deficiência mental generalizada, por privação educacional ou cultural, perturbação emocional severa ou perda sensorial (Bateman, 1965, p. 220, como citado em Correia, 2008a, p. 25).

Correia (2008a) considera que esta definição constituiu um marco histórico uma vez que agrupou três fatores importantes que a caracterizavam: discrepância, irrelevância da disfunção do sistema nervoso central e exclusão.

Apesar das definições de Kirk e Bateman terem influenciado a definição corrente de DAE, Correia (2008a, p. 27) frisa que “elas deixavam dúvidas quanto à identificação, elegibilidade e intervenção para as crianças que apresentassem DA”.

Muitas outras definições se seguiram e para tentar esclarecer alguns pontos mais débeis da definição da US Office of Education, várias associações americanas organizaram um comité, intitulado National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD), que chegou à seguinte definição que parece ter grande aceitação internacional por incluir os elementos considerados essenciais e defendidos pelos profissionais da área.

Dificuldades de aprendizagem é um termo genérico que diz respeito a um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por problemas significativos na aquisição e uso das capacidades de escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou matemática. Estas desordens, presumivelmente devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, são intrínsecas ao indivíduo e podem ocorrer durante toda a sua vida. Problemas nos comportamentos auto-reguladores, na percepção social e nas interacções sociais podem coexistir com as DA, mas não constituem por si só uma dificuldade de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições de discapacidade (por exemplo, privação sensorial, perturbação emocional grave) ou com influências extrínsecas (tal como diferenças culturais, ensino inadequado ou insuficiente),

elas não são devidas a tais condições ou influências (NJCLD, 1994, pp. 61-64, como citado em Correia, 2008a, p. 33).

Esta nova definição, que atualizou e procurou refletir o conhecimento relativo às DA, é uma das mais aceites, visto que incide na ideia de que elas podem ocorrer em todas as idades; elimina a expressão “processos psicológicos básicos”; reforça a distinção entre DA e problemas de aprendizagem, clarificando, ainda, o fator de exclusão, não rejeitando o facto de as DA poderem existir com outras condições de desvantagem (Cruz, 1999; Lopes, 2010).

No nosso país, em 1984, Vítor da Fonseca utilizou pela primeira vez o termo dificuldades de aprendizagem, como tradução do original Learning Disabilities no seu livro Uma Introdução às Dificuldades de Aprendizagem. Esta obra foi, segundo Cruz (2011, p. 330), “o primeiro marco científico ao que se refere à publicação concernente às DAE em Portugal, e seguia de perto o conceito que, desde 1963, era sugerido nos Estados Unidos da América”.

Não obstante, Correia, em 2005, propôs uma definição de caráter educacional, onde adiciona o vocábulo “específicas” para diferenciar dos problemas de aprendizagem comuns nas escolas.

As dificuldades de aprendizagem específicas dizem respeito à forma como um indivíduo processa a informação – a recebe, a integra, a retém e a exprime –, tendo em conta as suas capacidades e o conjunto das suas realizações. As dificuldades de aprendizagem específicas podem, assim, manifestar-se nas áreas da fala, da leitura, da escrita, da matemática e/ou da resolução de problemas, envolvendo défices que implicam problemas de memória, perceptivos, motores, de linguagem, de pensamento e/ou metacognitivos. Estas dificuldades, que não resultam de privações sensoriais, deficiência mental, problemas motores, défice de atenção, perturbações emocionais ou sociais, embora exista a possibilidade de estes ocorrerem em concomitância com elas, podem, ainda, alterar o modo como o indivíduo interage com o meio envolvente (Correia, 2008a, pp. 46-47).

Esta definição surge, dada a necessidade que o referido autor sente em atribuir um sentido conceptual consensual à designação DAE, de forma a perceber melhor o conceito e tentar delinear um conjunto de respostas educativas para os alunos com DAE.

A definição portuguesa que Correia (2008a) advoga, encerra em si todas as características consideradas nas definições internacionais como sendo mais consensuais.

Desta feita, refere o processamento de informação que pode indiciar a origem neurobiológica desta problemática e refletir-se assim na sua condição vitalícia, trata também de características fundamentais como o padrão desigual de desenvolvimento, o envolvimento processual, os problemas numa ou mais áreas académicas, a

semelhança das definições supracitadas, a importância da observação do comportamento socioemocional dos alunos que apresentam DAE (Correia, 2008a). Ao usar o termo DAE, o autor citado pretende referir-se a “um grupo de alunos cujas desordens neurológicas interferem com a receção, integração ou expressão de informação, refletindo-se estas desordens numa discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, da escrita ou do cálculo ou para a aquisição de competências sociais” (Correia, 2008a, p. 19).

Segundo o autor, e baseando-se na diversidade de características tidas em conta nas diferentes definições de DA, as DAE mais frequentes são a dislexia, a disgrafia, a discalculia, a dispraxia (apraxia), os problemas de perceção auditiva, os problemas de perceção visual e os problemas de memória (de curto e longo prazo) (Correia, 2008a). Constituindo uma das principais barreiras que surgem ao longo da escolarização, as dificuldades específicas de leitura causam, ainda, dificuldades em outras áreas de aprendizagem, condicionando todo o percurso escolar do aluno. Lopes, Spear- Swerling, Oliveira, Velasquez, Almeida, Araújo e Cheesman (2014, p. 12) estão convictos de que “actualmente é quase consensual que a leitura, a escrita e o cálculo constituem competências fundamentais para um grande número de aprendizagens posteriores e representam conquistas inestimáveis para o desenvolvimento pessoal e social das crianças”.

Os problemas específicos de aprendizagem da leitura situam-se aos níveis cognitivo e neurológico, salienta Rebelo (1993), não havendo para os mesmos, explicação evidente. Neste sentido, assegura, também, que são intrínsecas ao indivíduo, não desaparecendo com a idade.

Por sua vez, Citoler (1996) descreve que as dificuldades específicas da leitura surgem mesmo quando o indivíduo, reunindo todas as condições favoráveis para a aprendizagem, manifesta grandes dificuldades.

Desta feita, “a chave do sucesso estará na elaboração de programações educativas individualizadas que considerem ajustamentos e adaptações curriculares consentâneas com as suas necessidades” (Correia, 2005, como citado em Correia, 2008a, p. 54). Consideramos premente que esta PAE seja colmatada desde que se começam a dar os primeiros passos na leitura, ou seja, no 1º CEB, porque corroboramos da perspetiva de Carvalho (2011, p. 16) de que “não temos uma cultura de avaliação das Dificuldades de Aprendizagem, sendo mais frequente a atitude do “esperar para ver”, acreditando-se que “com o tempo vai melhorar””. Todavia, “deixar andar” acarreta consequências graves, comprometendo o percurso académico e profissional dos nossos alunos. Somos da opinião de Lopes et al. (2014, p. 13) de que aquilo que não for conseguido nas áreas da leitura, da escrita e do cálculo “ao longo dos primeiros anos de escolaridade dificilmente será recuperado nos anos seguintes”, reconhecendo a

importância decisiva do 1.º Ciclo do Ensino Básico na formação escolar e pessoal dos cidadãos.

Vimos que os últimos anos têm sido bastante profícuos no estudo do que a quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), recentemente lançada (APA, 2014), designa de PAE.

Este manual enquadra estas perturbações na secção II, na categoria das Perturbações do Neurodesenvolvimento e define-as como

uma perturbação do neurodesenvolvimeto com uma origem biológica, que é a base das anomalias a nível cognitivo, que estão associadas aos sinais comportamentais da perturbação. A origem biológica inclui uma interação de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais os quais afetam a capacidade do cérebro de perceber ou processar informação verbal e não-verbal de forma eficiente e precisa (APA, 2014, p. 80).

Segundo o referido manual, esta perturbação manifesta-se durante o período de escolaridade e caracteriza-se por dificuldades persistentes e incapacitantes na aprendizagem de competências básicas na leitura, escrita e/ou matemática. O desempenho nas áreas afetadas situa-se claramente abaixo da média para a idade, ou níveis aceitáveis de performance são conseguidos à custa de um esforço extraordinário. Podem ocorrer em indivíduos intelectualmente mais dotados e manifestarem-se apenas quando as exigências de aprendizagem ou de avaliação colocam barreiras que não podem ser ultrapassadas pela sua inteligência inata e estratégias compensatórias.

Uma das PAE mais frequentes centra-se na leitura, onde ocorrem problemas na precisão, no ritmo ou fluência de leitura e/ou na compreensão.

No seguimento, procederemos a uma análise mais específica no âmbito das PAE, atentando sobretudo à PAE com défice na leitura ou dislexia, termo alternativo utilizado pelo DSM-5 (APA, 2014).

2.2. A PERTURBAÇÃO DE APRENDIZAGEM ESPECÍFICA COM DÉFICE