• Nenhum resultado encontrado

2.2 Jesus de Nazaré: pessoa divina na história humana

2.2.4 Para uma compreensão teórica

Não se tem a pretensão de falar sobre todos os aspectos que envolvem a vida de Jesus, nem descrever aqui a complexa literatura gerada no decorrer da história em torno da pessoa de Jesus e seus atos. Até porque qualquer palavra sobre Ele será sempre muito breve e obscura. Se quer, sim, incitar à procura dos caminhos propostos pelas várias teologias que se alternam entre a palavra e o silêncio. Nesse sentido, a imagem que de Jesus é esboçada nesta pesquisa é incompleta sob todos os pontos de vista, e não pretende ser decisivo, uma vez que muito fica por dizer. É um ensaio de iniciação teológica traçado sobre o conteúdo da fé da Igreja. Por isso, deve sempre se conduzir à própria Sagrada Escritura, à Tradição e ao Magistério aquele que quer o todo, além de procurar fazer a experiência pessoal com Cristo, uma vez que o seu próprio encontro com o Ele é a maior graça que lhe é dada.225 O esforço deste estudo é de expor a pessoa de Jesus de Nazaré, a partir de dentro da realidade concreta, da maneira mais ampla e solidária possível com a condição humana.

Vale também ressaltar, porém, que Jesus não é apenas o Homem de Nazaré. O que se sabe é o que se pode chamar de significado histórico e teológico da pessoa de Jesus.226 E ainda mais, isso não significa que Ele se identifique com o devir do mundo. Até porque ressurreição é choque do mundo de Deus com o mundo humano: “essa contradição significa, antes de mais nada, que embora torne sua a história humana, o Deus trinitário permanece dife- rente do mundo e mais do que o mundo, livre e imprevisível com relação a ele”.227 Ou seja, “a

história terrena não pode identificar-se com a divina”.228 Da transcendência não podemos

constatar mais do que a existência.229 Nesse sentido, “nada que exista do lado de Jesus como

224 Cf. FORTE, B. Jesus de Nazaré, p. 33-36. 225 Cf. GUARDINI, R. O Senhor, p. 202.

226 Cf. HACKMANN, G. L. B. Jesus Cristo, nosso Redentor, p. 55. 227 FORTE, B. Jesus de Nazaré, p. 193.

228 Ibidem, p. 286.

229 Cf. BRAGUE, R. É um absurdo o homem querer criar algo que o ultrapassasse. In: Cadernos IHU em

criatura pode torná-lo divino. Jesus é divino por causa da presença e ação de Deus nele de uma forma supereminente”.230 Pois se o ser humano pudesse criar sua própria transcendência

seria também capaz de destruí-la.

Quem é pois Jesus Cristo? O Deus acima de todo deus, o Eterno, aquele que tudo abrange na imediatidade do seu puro ser real. Nesse sentido, “quando Deus quer ser não- Deus, surge o homem. É claro que isto não implica o homem ao nível de sua mera e comezinha realidade cotidiana, mas antes o insere no seio do mistério sempre incompreensível”.231 As palavras com as quais comumente atribuímos qualidades e com elas

nos dirigimos a Ele são feitas sempre por analogia, conscientes de que tudo quanto se afirma dele acaba rompendo o significado inicial, negando e superando seus limites, para adquirir um sentido que só se pode aplicar a Ele.232 Não é um homem que se torna Deus, mas o Filho que se faz homem: o Filho, existindo de maneira divina, assume a maneira humana de existir; porém, é sempre o mesmo sujeito, o mesmo alguém, que funda a unidade do modo de ser divino e humano.233

Ao falar de Jesus de Nazaré, tem-se aqui a consciência de sua profunda ligação com as demais pessoas divinas. Com isso se quer evitar qualquer indício de cristonomismo.234 Sabe-se, pois, que é Deus Pai, antes de tudo, quem cria como dádiva, ama e sustenta incondicionalmente e, por fim, sofre por amor à sua criatura. Nas palavras de Érico Hammes, “o Pai está comprometido historicamente com seu amor ao ser humano”.235 E é a realidade humana de Jesus para nós sempre a mediação permanente da

proximidade imediata para com Deus,236 através do Espírito Santo, pelo qual há uma comunicação infinita entre o Filho de Deus e a natureza humana de Jesus, numa certa interioridade indizível: “a intimidade existente entre a pessoa do Verbo e a natureza humana de Cristo, tornou-se, ao revelar-se para o exterior, um estado”.237 Nesse sentido, é no Espírito

Santo que se torna “possível a relação com o Pai para todo homem que a queira, seja qual for

230 SCHILLEBEECKX, E. Apud HAIGHT, R. O futuro da Cristologia, p. 154. 231 RAHNER, K. Curso fundamental da fé, p. 268.

232 Cf. TORRES QUEIRUGA, A. Creio em Deus Pai, p. 104. 233 Cf. FORTE, B. Jesus de Nazaré, p. 197.

234 Para melhor compreensão cf. IAMMARRONE, G. Verb. Cristomonismo. In: LEXICON. Dicionário

teológico enciclopédico, p. 161-162.

235 HAMMES, E. J. Filii in filio, p. 45.

236 Cf. RAHNER, K. Curso fundamental da fé, p. 363. 237 GUARDINI, R. O Senhor, p. 434.

o tempo e o lugar em que ele se encontra. O Espírito é a garantia de que Deus terá tempo para o homem!”238

Enfim, não se tem dúvida de que foi a Pessoa do Filho, o eterno Verbo, que se encarnou. No entanto, von Balthasar deixa a entender que também as outras Pessoas se deixaram afetar pela humanidade de Cristo e, conseqüentemente, pela condição humana universal concreta: “o acontecimento da encarnação da segunda Pessoa em Deus não deixa de afetar a relação das Pessoas divinas”. E diz logo a seguir, “que as relações entre Pai e o Filho, durante o „tempo‟ da vida terrena de Cristo, tiveram o seu ponto focal (...) nas relações entre o Homem Jesus e seu Pai celeste”. E que o Espírito Santo que vive entre eles, continua o autor, “deve ser afetado também pela humanidade deste”.239 Portanto, em Cristo o ser humano

relaciona-se diretamente com a Trindade; aqui se encontra tamanha dádiva a que não se pode desconsiderar – a natureza humana comunicou-se por graça e pura dádiva com a divina, eis porque se deve preservá-la diante de tudo aquilo que a ameaça. Dessa forma, Trindade significa, então, compromisso em favor do ser humano que o Pai assume pelo Filho no Espírito. Trindade significa evento de salvação, história que funda o futuro da esperança, processo escatológico iniciado na Páscoa para completar-se na glória final.240