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O Cuidado e o respeito para com a População em Situação de Rua me imputa, como pesquisadora, estar comprometida com sua realidade, zelando para que o modo de vida e os conteúdos evidenciados pelas participantes sejam acolhidos sem pré julgamentos. A discussão sobre ética em pesquisa pressupõe a análise do contexto em que ocorre e a atenção à dignidade humana, observando ainda o processo de coisificação do sujeito pesquisado. O que implica a transparência na relação com os sujeitos da pesquisa, traduzindo os objetivos e cada etapa de seu envolvimento de forma que lhes seja possível a compreensão e lhes possibilite a livre participação.

O respeito às especificidades que marcam as participantes desta pesquisa foi o fio condutor de todo esse processo de investigação, desde o processo de revisão de literatura, contando com uma bibliografia que evidencia o conjunto de opressões que marcam os modos de vida das mulheres em situação de rua, a escolha por uma abordagem metodológica em que apresente tanto as participantes como a pesquisadora de maneira posicionada num contexto histórico e social, e no qual, mesmo ao reconhecer a diferença de papéis e de atribuições no processo de construção de informações, procura desconstruir padrões assimétricos de distanciamento entre aqueles que constroem a pesquisa. O conhecimento acerca da dinâmica que envolve a vida nas ruas impõe à pesquisa o empenho em manter ações de cuidado e de preservação com as pessoas que se dispõe a desnudar suas histórias, assim há um compromisso com a segurança das mulheres entrevistadas. Além disso é possível afirmar que ao longo das entrevistas foi construído um espaço de afeto e cumplicidade que também apresentou reverberações no meu cotidiano profissional e na relação dessas mulheres com o coletivo de trabalhadores do Centro Pop.

Não obstante, há o compromisso com demandas acadêmicas que incidem sobre o ato de pesquisar. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFC,

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em conformidade com a Resolução 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde e aguardando o respectivo parecer.

Por fim, é preciso evidenciar o destino do conhecimento produzido no universo acadêmico e a relação com os processos transformadores da sociedade. Neste sentido é preciso que haja uma transposição dos espaços de produção acadêmica e que seja possível uma apropriação das formulações obtidas no contexto de pesquisa por atores para os quais e com os quais ela se desenvolveu. De modo que considero o empenho em apresentar os resultados aos interessados no processo de pesquisa, à comunidade acadêmica, através da produção de trabalhos socializados por meio de artigos, e eventos técnico-científicos, e sobretudo a usuários e profissionais do Centro Pop de Maracanaú, assim como a outras políticas públicas locais e organizações não governamentais que atuem diretamente com o segmento pesquisado. Para isso há a proposta de que as pessoas em situação de rua, em especial as mulheres possam se apoderar da pesquisa e seus resultados, através da produção de um material capaz de dialogar com sua linguagem. E no intuito de possibilitar a problematização e favorecer o compartilhamento de informações com as políticas públicas no município de Maracanaú, com especial atenção aos profissionais da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, proponho-me a divulgar os resultados construídos nesta dissertação compartilhando material com o setor competente por organizar a gestão do trabalho, disponibilizando-me ainda a pensar em espaço de diálogo com os profissionais desta Secretaria.

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3 MODOS DE VIDA DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE RUA

Existe uma ideia de que ao sair da vida nômade o homem foi naturalmente se fixando em cavernas e que a evolução humana os levou a viver em casas, moradias estruturadas que servem de abrigo e de lugar para construção de relações de afeto que se materializam através da família. Mas a história não é linear e seus processos não ocorrem de modo igual para todos e em todos os lugares, nos mostrando que nos mais diversos momentos as desigualdades operaram variados modos de exclusão.

De forma que essa idealização inicial cai por terra, e é perceptível a existência de pessoas que ocupam as ruas fazendo seu espaço de moradia. Escorel (1999) registra como uma transgressão dos princípios básicos da organização social a transposição do cenário do lar para o espaço público, corroborando, portanto, a imagem da casa como espaço primordial da vida familiar.

As raízes desse fenômeno, segundo Silva (2006), estão associadas ao surgimento das cidades pré-industriais, tendo se intensificado com a organização social atrelada ao modelo capitalista de produção. A ocorrência de pessoas vivendo nas ruas data de tempos remotos. “Se não é tão antigo quanto a própria existência das ruas, da vida urbana, remonta, pelo menos, ao renascimento das cidades, no início do capitalismo” (BURSZTYN, 2003, p.18). É Silva (2006) que novamente ilustra a realidade das cidades nascentes com a organização econômica que se instalava, alertando que o processo de industrialização era incapaz de absorver a gama de trabalhadores que haviam sido expropriados das posses e atividades campesinas, e foram, então, impelidos a viver nas cidades e assumirem a posição de mendigos, ladrões e vagabundos.

No Brasil, desde os tempos coloniais existem pessoas em situação de rua. E este fenômeno decorre do processo de libertação dos povos escravizados que, mesmo antes da lei da abolição, passaram a viver sob a condição de rua e de abandono (ANDRADE; COSTA; MARQUETTI, 2014). Isto demonstra a desresponsabilização com a população empobrecida, em especial, a população negra.

O fenômeno da existência de pessoas em situação de rua assume um caráter complexo e de múltiplos determinantes. Com este capítulo apresentarei um panorama da situação de rua, inicialmente a partir da relação entre o contexto de pobreza e fatores que conduzem às ruas e as vivências nela estabelecidas, de modo que seja possível uma aproximação com esta população e seus modos de vida.

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apresento a compreensão da rua como lugar de moradia e sobrevivência, e procuro situar algumas características e vicissitudes presentes na apropriação desse espaço pelas pessoas que em face de um processo intenso de exclusões transformam este cenário. Para tanto é preciso situar este fenômeno na sua relação com a pobreza, que é permeada pela questão de gênero, além da articulação com os conceitos que posicionam a maneira com situação de rua é tratada nesta pesquisa. Para isto, apresento algumas problematizações acerca do conceito de gênero, para que seja possível abordar o cotidiano das mulheres em situação de rua, além de percorrer situações de violência que atravessam este cotidiano e conduzem modos de vida.