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CAPÍTULO 3. “A escola é nossa!”: ocupação de escola e formação política

3.3. Processos decisórios e auto-organização

3.3.1. Comunicação entre as escolas ocupadas

Além da organização interna de cada ocupação, outro aspecto importante do movimento foi a organização entre as ocupações. Na grande São Paulo os secundaristas criaram um Comando de Escolas Ocupadas enquanto uma instância de debate e articulação do movimento em nível estadual103. Em Campinas também houve a necessidade de debates, articulação e apoio mútuo e, para isso, foram encontradas formas de aproximação entre as ocupações, possibilitando a socialização das experiências e a reflexão conjunta sobre os rumos do movimento.

Todo o movimento foi bastante facilitado pelas redes sociais, pelo próprio diálogo entre ocupações através do WhatsApp e de visitas às outras escolas (CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2016; CORSINO; ZAN, 2017). Silvio Carneiro (2017) apresenta uma análise interessante: se a comunicação e as experiências de organização política são subtraídas do espaço escolar, as redes sociais se tornaram uma espécie de “meios de comunicação subterrâneos”, uma parte da organização da batalha por outra escola, acelerando a possibilidade de trocas de informações e de coordenação. Sobre a utilização das redes sociais para a organização do movimento, Gustavo expõe que:

A gente tinha uma comunicação virtual… por uma teia social. Um aluno conhecia outro aluno de outra escola, aí outro aluno conhecia outro de outra escola, aí a gente foi ligando as teias até todo mundo se juntar virtualmente num grupo do WhatsApp. Aí cada representante dos movimentos das suas respectivas escolas foram se juntando e se comunicando através dele, através do virtual. Mas tinha os encontros pessoais, de eles por si só irem até as nossas escolas, ou nós irmos até as deles… [...] acho que isso ajudou bastante a gente a juntos irem apoiando uns nos outros para poder ter força. (Gustavo, escola ocupada do centro)

Em consonância com as transformações provocadas pelos novos meios de comunicação na política e nas formas de atuação dos movimentos, o “espaço virtual” foi utilizado como articulação vital para “o mundo offline”, por exemplo, através das convocatórias via redes sociais para mobilizações presenciais (ROMANCINI; CASTILHO, 2017). De acordo com Richard Romancini e Fernanda Castilho (2017), os espaços digitais funcionaram como ferramentas de ação e organização do movimento, favorecendo o alcance a grupos sociais que não conheceriam o movimento ou que teriam acesso apenas ao veiculado pela grande mídia, contribuindo para a mobilização de novos ativistas que conheceram as

ocupações e resolveram apoiar ou iniciá-las em suas escolas, além de confrontar informações pela imprensa e o Governo.

Das 11 escolas que foram ocupadas em Campinas, encontramos páginas no Facebook de 8 ocupações. Percebemos que com exceção de uma das páginas, todas elas foram criadas no próprio dia do início da ocupação ou no dia seguinte, o que demonstra que essa era uma tarefa considerada prioritária para a organização da ocupação104.

Alguns estudos foram realizados com base na análise do uso das redes sociais, tendo em vista terem se constituído enquanto espaço de articulação política e de comunicação medular das ocupações em todo o estado (CARNEIRO, 2017). Denise de Sordi e Sérgio Morais (2016) argumentaram que o movimento utilizava as redes sociais para divulgar sua versão dos acontecimentos, o que permitiu independência para transmissão das pautas e a forma de organização, além de ser um mecanismo de defesa frente a possíveis deturpações dos acontecimentos por parte da mídia105. As diferentes escolas se comunicavam via redes, mas também presencialmente, realizando reuniões, assembleias e visitas às outras escolas.

Alguns relatos confirmam a consideração de Fernanda ao dizer que os estudantes da escola ocupada do centro “eram um referencial” para a organização da escola ocupada da periferia. Sobre isso, Artur diz:

[...] a gente ia sempre [na escola ocupada do centro] conversar com o pessoal, porque lá era o centro, a gente sempre fazia reunião lá, a gente tinha as nossas reuniões internas e as externas que era com as outras escolas pra decidir o que nós iríamos fazer dali pra frente... (Artur, escola ocupada da periferia).

Patta (2017, p. 154) argumenta que “o componente espacial da distância entre centro e periferia tem uma série de impactos na experiência política”. Segundo relato de estudantes de uma ocupação da zona leste de São Paulo, na capital as reuniões dos comandos de ocupações aconteciam na E.E Fernão Dias, localizada no bairro Pinheiros, o que era um impedimento para a participação de estudantes das periferias que gostariam de participar, já que muitos não teriam como custear a passagem no transporte público, e tampouco um grande

104 Romancini e Castilho (2017, p. 100-101) trazem informações elaboradas a partir de dados do Centro de

Mídia Independente de São Paulo, o qual sintetizaram que “dentre as 219 escolas com ocupações mapeadas no levantamento do Centro de Mídia Independente de São Paulo, 50 (23%) preocuparam-se em elaborar uma página do Facebook relacionada ao movimento. [...] A queda percentual na comparação entre as escolas de cidades do interior e do litoral que fizeram ocupações (38,5%) e as que criaram páginas para divulgá-las (20%) sugere que questões de conectividade e de alfabetização digital, provavelmente, afetaram esses índices”.

105 Essas redes facilitaram a solidariedade entre as escolas ocupadas, mas também para com elas. A título de

exemplo, encontramos um vídeo divulgado no dia 16/11/2015 (antes da primeira ocupação de Campinas), de estudantes de uma região da periferia da zona norte da cidade em que uma pessoa cita através do microfone o nome de escolas ocupadas enquanto estudantes que estão sentados à frente gritam em coro: “resiste!”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9YLXwtoJBtY>. Acesso em: 18 set. 2019.

grupo de ocupantes poderia sair e deixar suas escolas vazias. Dentre nossas entrevistadas, Paula é a única que estudava na região central que problematiza diretamente essa questão:

A gente conversava bastante [com os estudantes de outras ocupações], mas eu sei que as outras escolas não se sentiam acolhidas pela gente. Pelo menos as pessoas que eu conheci… em questão de ato e essas coisas, sempre foi muito questionado o porquê que as pessoas saem das comunidades para vir para a região central por exemplo, [...], mas porque a gente não se articulava para ir para lá também. Então acho que essa era a questão…, mas de manter diálogo essas coisas a gente mantinha, eu lembro que teve até umas reuniões com representantes de escolas, mas aí que tá... eu acho que dessas reuniões umas duas, três, eu vi sendo [na escola ocupada do centro]. (Paula, escola ocupada do centro)

Ou seja, enquanto a escola ocupada do centro se constituiu enquanto referência por todas as questões que já expusemos ao longo do texto, a consequente centralização nessa ocupação também gerava problematizações, assim como estudantes da zona leste de São Paulo fizeram quando reclamavam sobre a centralidade que a mídia e grupos de apoio davam às escolas do centro, com poucas referências às escolas da periferia (PATTA, 2017). A utilização das redes sociais como ferramenta de diálogo e articulação é uma alternativa frente à dificuldade com as longas distâncias, mas também, é interessante que no ano seguinte quando os secundaristas se organizaram para dar continuidade às reuniões e ações na cidade, houve uma alternância de locais para a realização das reuniões, com muitas reuniões realizadas na periferia, justamente no sentido de haver uma “descentralização” da organização política.