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1.1 As catorze comunidades que compõe o Perímetro Quilombola de Tijuaçu

1.1.2 A Comunidade de Alto Bonito

A comunidade do Alto, como é geralmente identificada por seus moradores, fica a dois quilômetros e meio da Vila-centro de Tijuaçu. É possível chegar a pé até lá e, durante o trajeto, não fica difícil compreender por que os quilombolas que aí residem referem-se a sua comunidade como sendo o Ato Bonito.

Esta comunidade é também mais antiga que a própria Vila-centro de Tijuaçu, conforme o relato de memórias orais, tanto na Vila quanto no Alto, que afirmam ter sido no morro do Lagarto, que fica nas terras do Alto Bonito, o primeiro lugar que a senhora Mariinha Rodrigues escolheu para ficar. Somente mais tarde e por fatores que serão explicados neste estudo, a ancestral deste grupo étnico fixa residência em Tijuaçu.

Os moradores desta comunidade se percebem como uma nação e, por vezes, também se identificam como uma aldeia, a Aldeia dos Pretos do Alto. Estes quilombolas costumam dividir sua comunidade entre as terras do pé do morro (estas são as que ficam mais próximas do morro do Lagarto) e as terras do Alto, local por onde se espalham as trinta e nove famílias que aí residem.

A poucos metros da Vila de Tijuaçu, em direção ao Alto Bonito, pode ser identificada uma árvore antiga, denominada quixabeira, vegetal muito frequente nas localidades sertanejas. Na Sexta-feira Santa esta árvore assume uma particularidade importante por funcionar como local de encontro da fé e devoção que os quilombolas dedicam a Jesus Cristo e a São Benedito, reverenciado pelos tijuaçuenses como seu padroeiro principal. Os penitentes mais jovens e ou aqueles que podem realizar esta atividade, sobem o morro do Lagarto levando a Cruz e o andor com São Benedito e as pessoas de mais idade, ou que no momento não se encontram com disposições físicas para empreender a caminhada até o morro, costumam ficar reunidas embaixo da quixabeira para encontrar a procissão que desce do morro, se encaminha por um vereda de terra até a rua da Banda Só8 passa pelo cemitério, faz outros contornos que sempre se relacionam com a intenção que os penitentes possuem em cada ano e param na igreja Matriz, local sagrado e de muito respeito para os sujeitos da nação dos Pretos do Lagarto.

A comunidade de Alto Bonito é também uma das maiores e mais populosas comunidades do território quilombola de Tijuaçu. As casas encontram-se dispersas, chegando a formar duas pequenas ruas que não possuem pavimentação. São construções atualmente à

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38 base de blocos e cimento- todas possuem banheiro interno, calçadas na frente, também chamadas de passeios, algumas são gradeadas, demonstrando o bom gosto de seus moradores que, aos poucos, conseguiram abandonar as antigas residências feitas à base de adobe e substituir por outras tidas como mais modernas e seguras. Poucas residências em Alto Bonito apresentam quintais divididos por muros, sendo a grande maioria abertas no fundo ou divididas com cercas de arame.

No que se refere à infraestrutura, a comunidade conta com um campo de futebol construído pelos próprios moradores, uma cisterna construída pela igreja Católica, uma escola municipal, que funciona nos períodos matutino, vespertino e noturno com classes multisseriadas e que ainda mantém o projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos. De acordo com os moradores, os estudantes que cursam o Ensino Fundamental II se deslocam para estudar na Vila-centro de Tijuaçu. A fábrica de doces, uma conquista da Associação Quilombola, onde são produzidos bolos, bolachas e outras guloseimas à base de aipim, se tornou ao lado da agricultura, a principal fonte de renda dos moradores, também aparece como um marco da infraestrutura local.

A comunidade de Alto Bonito também dispõe dos serviços de luz elétrica e água encanada, o que veio melhorar significativamente a vida diária de seus moradores. Pode ser divisada também na comunidade, a construção de uma igreja Católica que está sendo erigida pelos quilombolas em homenagem a Santo Antônio - até o presente momento as novenas e terços em louvor ao Santo ainda são realizados nas casas das famílias.

As famílias que residem no local encontram-se agrupadas em dois núcleos familiares: os Rodrigues e os Santana. Os primeiros se afirmam como descendentes diretos da senhora Mariinha Rodrigues, de seu filho, Astácio Rodrigues, e do senhor Alfredo Rodrigues da Silva que também é lembrado pelos quilombolas como sendo um dos primeiros moradores da comunidade.

A família Santana, de acordo com a visão expressa pelos informantes desta pesquisa, não possui seus descendentes nascidos no Alto - migraram da comunidade de Macaco, outra comunidade pertencente ao perímetro quilombola de Tijuaçu. O primeiro membro da família Santana a vir residir na comunidade de Alto Bonito é mencionado pelas memórias locais como sendo o senhor Idelfonso Santana, filho do senhor Maurício Santana.

Quase todos os moradores de Alto Bonito são negros - os indivíduos não negros que habitam a comunidade estão entre aqueles que constituíram matrimônio com as moças e rapazes do lugar.

39 Nessa localidade os quilombolas que aí residem se afirmam como herdeiros de toda a tradição da senhora Mariinha Rodrigues, sendo seus feitos muito divulgados pelas memórias dos atores sociais de maior idade que narram diversos episódios envolvendo a vida de sua matriarca. O fato mais comentado no lugar se relaciona ao vestido de casamento da senhora Mariinha Rodrigues. De acordo com os informantes que contribuíram para esta pesquisa, a peça possuía onze varas de tecido, coisa que ninguém tinha visto na região.

A comunidade de Alto Bonito possui a especificidade de apresentar uma maneira de falar que difere seus moradores dos outros quilombolas do território, sobretudo aqueles que se encontram entre as pessoas de mais idade, sendo possível perceber em suas formas de expressão oral a característica do que seus habitantes mais velhos chamam de “gemido”, sendo muito comum dizer e ouvir falar que os quilombolas do Alto Bonito “é um povo que geme”.