• Nenhum resultado encontrado

A comunidade Evangélica Ebenezer das Pedras localiza-se em território pertencente ao município de Itapiranga, no Polo 2 da RDSU, à margem direita do rio Uatumã. Ambientada em área de Terra firme, não é atingida pelas águas durante o período da cheia, apesar das alterações

do nível fluvial causadas pelo regime hidrológico do Uatumã (Informações obtidas por meio de entrevistas realizadas com moradores da comunidade em março de 2019).

A comunidade possui 21 famílias, a segunda mais populosa de seu Polo. A comunidade é reconhecida enquanto evangélica, tanto por seus próprios moradores quanto pelos moradores das outras comunidades da Reserva. A influência da igreja em Ebenezer é forte a ponto de os moradores inserirem a denominação religiosa no nome da comunidade, que anteriormente se chamava apenas Ebenezer das Pedras. A origem do nome é bíblica e significa “até aqui nos ajudou o senhor”.

Existem duas igrejas evangélicas na comunidade, uma em funcionamento e outra em construção. A ausência de igreja católica na comunidade, e em boa parte da RDS, é fruto das investidas da igreja evangélica nas comunidades amazônicas, a partir dos programas de ocupação e desenvolvimento para a região, sobretudo a partir de 1824 com a igreja metodista, que culminou no enfraquecimento da igreja católica (OLIVEIRA, 2012).

A maioria das moradias está localizada na sede da comunidade93, próximas umas das outras, em torno do campo de futebol, da escola, da igreja e do centro comunitário (Figura 24). Há ainda, algumas casas dispostas ao longo do igarapé do Barreto.

93 As comunidades da RDS possuem sedes que, em geral, abrigam a maioria das casas, a escola, o centro comunitário, campo de futebol, posto de saúde, as igrejas.

Figura 24 – Sede da Comunidade Evangélica Ebenezer das Pedras

Fonte: QUEIROZ (2019).

As construções são em sua maioria de madeira, mas algumas apresentam formas mistas de alvenaria e madeira. A comunidade não possui posto de saúde, entretanto conta com a assistência de um agente comunitário de saúde. Em casos mais graves, os moradores costumam recorrer a postos de outras comunidades, ou aos municípios vizinhos, principalmente Itapiranga e Manaus. O líder da comunidade costuma ceder sua embarcação própria, mediante o custeio do combustível, para transportar os doentes.

A educação contempla apenas o ensino fundamental, ofertado pela Escola Municipal Canaã. A escola conta, até a data da pesquisa, com apenas um professor, contratado e mantido pela Prefeitura de Itapiranga. O ensino médio é ofertado pela Escola Estadual Yamamai, localizada na comunidade São Francisco do Caribi.

O abastecimento de energia elétrica é por meio de geradores de energia (motores de luz), existe o motor comunitário e algumas famílias possuem motores próprios. Cada família costuma contribuir com o combustível para funcionamento do motor, que geralmente é ligado

às 18h e desligado às 22h. Há também uma contribuição de combustível doada pela Prefeitura de Itapiranga.

A rede de comunicação é inexistente. A comunidade já contou com rádios transmissores doados pela Associação-mãe, adquiridos com parte dos recursos advindos do Bolsa Floresta Renda. No entanto, por falta de manutenção e, segundo a fala da liderança local, “por falta de interesse dos próprios comunitários”, a comunicação foi suspensa. Para se comunicar, é necessário ir até a cidade de Itapiranga.

A captação de água é feita principalmente pelo poço artesiano e costuma ser tratada com o hipoclorito distribuído pelos agentes de saúde. Recentemente (primeiro semestre de 2019), a bomba d´água parou de funcionar, deixando a comunidade dependente da água do rio e das chuvas por dois meses. Ressalta-se que muitos entrevistados relataram casos de diarreia, sobretudo em crianças, e atribuem esse fato à má qualidade da água que sofre influência, segundo eles, da UHE de Balbina.

As principais culturas agrícolas da comunidade são a banana e a mandioca. A comunidade possui uma casa de farinha comunitária (Figura 25) e costuma realizar mutirões para produção do alimento, os também chamados puxiruns e farinhadas. Os comunitários que não possuem roça costumam realizar a farinha de meia, ou seja, se utilizam da mandioca dos vizinhos e doam a sua mão de obra para fabricação, que, cabe ressaltar, é um trabalho extremamente cansativo e ocupa muitas horas do dia. Ao final, a farinha é dividida entre o dono da roça e aquele que a produziu.

Figura 25 - Casa de farinha da comunidade Ebenezer

Fonte: Santos, 2018.

Uma vez por mês, o barco da prefeitura de Itapiranga transporta os moradores da comunidade até Itapiranga, para que estes possam realizar o escoamento dos produtos agrícolas. A renda média mensal por família é de R$1.156,33 (um mil cento e cinquenta e seis reais e trinta e três centavos) (AMAZONAS, 2018). Entretanto, é fundamental destacar que algumas famílias concentram mais renda que outras, sobretudo aquelas envolvidas com o turismo e com maior produção agrícola. Dessa forma, há de se ponderar esse número enquanto representativo de todas as famílias.

A liderança comunitária costuma levar as demandas mais urgentes da comunidade, como educação e saúde, a um vereador da câmara de Itapiranga que fica responsável por repassar as solicitações à prefeita. “É que nem uma cidade. O prefeito é responsável da cidade. Então, na comunidade tem alguém que é responsável pela comunidade, que representa na cidade” (Líder da Comunidade Ebenezer, entrevista concedida em março de 2019).

A comunidade não possui associação juridicamente instituída. Entretanto existe uma ata de fundação, com regimento interno e demais disposições acerca do seu funcionamento. A diretoria da comunidade é formada por um presidente (líder), vice-presidente (vice-líder),

secretária e tesoureiro. Cada família possui uma carteirinha comunitária e paga o valor de R$10,00 por mês para manutenção de lâmpadas, óleo diesel, peças do motor de luz, dentre outros gastos. Segundo o líder da comunidade, senhor Manoel Monteiro, todo dinheiro aplicado na comunidade é decidido em reunião e registrado através de atas, tanto o que foi aprovado como o que não foi. Posteriormente, é apresentada uma prestação de contas à comunidade.

Há apenas uma reunião ordinária por ano, quando é realizada uma avaliação do ano anterior, apresentação de prestação de contas e planejamento para o próximo ano. Ademais, durante o ano são realizadas reuniões extraordinárias, de acordo com a necessidade da comunidade. As reuniões acontecem no centro comunitário (Figura 26), em formato de assembleia, possibilitando a participação democrática de todos os comunitários. Segundo o líder da comunidade, os moradores que frequentam as reuniões costumam ser bastante participativos.

Figura 26 – Centro Comunitário de Ebenezer

Fonte: Queiroz (2019).

Existe uma espécie de hierarquia que se constitui conforme a idade dos moradores. De modo que os mais velhos sempre são escolhidos para serem lideranças. A participação dos

jovens é praticamente inexistente, e há pouca manifestação destes nas assembleias. Dentre os cargos de liderança, há apenas uma mulher, que ocupa o cargo de secretária.

A principal festa da comunidade é o aniversário da igreja, que acontece no final do mês de agosto. Além disso, destacam-se outras formas de lazer como os torneios de futebol e as Olímpiadas da Floresta. O futebol acontece, geralmente, aos domingos e costuma reunir boa parte dos comunitários, envolvendo homens e mulheres. Moradores de comunidades vizinhas costumam participar dos jogos.

O turismo na comunidade é restrito às atividades de pesca esportiva. A comunidade possui duas pousadas comunitárias, uma em funcionamento e outra em fase de construção. A pousada Pedras do Uatumã (Figura 27) foi construída, segundo seu proprietário, com recursos de um patrocinador de fora da Reserva e está em funcionamento desde 2014. Anteriormente ao turismo, o proprietário trabalhava com roça e vislumbrou na pesca esportiva uma possibilidade de sustento da família com um trabalho menos exaustivo que o roçado. “A gente só trabalha durante a temporada, mas estamos com a ideia de fazer trilha terrestre, aí vai ter como receber o turista o ano todo [...] parece que a dona Cleide [Associação-mãe] está vendo isso” (PP1, entrevista concedida em março de 2019). A tendência do proprietário é expandir a atividade e, dessa forma, não só gerar mais lucros para a família, como também empregar mais comunitários.

Figura 27 - Pousada Pedras do Uatumã

A gestão da pousada é familiar e costuma envolver poucos moradores da comunidade, geralmente para os cargos de piloteiro e camareira. As cozinheiras costumam vir de Manaus, pois, segundo o proprietário, os turistas são exigentes e requerem uma comida mais elaborada. Segundo os dados do IDESAM (2018), a pousada conta em média com 6 piloteiros por temporada, pagando uma diária de R$80,00 a cada um. Já para o serviço de alimentação, são contratadas duas cozinheiras, com diária de R$100,00. É importante frisar que 10% do valor recebido pelos piloteiros deve ser direcionado à comunidade, conforme as regras da pesca esportiva. As cozinheiras, por serem de Manaus, não pagam os 10% para a comunidade. Os proprietários de pousada também são isentos de repassar os 10% para a comunidade, conforme será discutido adiante.

O proprietário da Pousada Pedras do Uatumã informou que costuma contratar muitos membros da comunidade. Entretanto, ao conversar com outros moradores da comunidade, evidencia-se contradições.

[...] ele só pega gente da comunidade pra ser piloteiro, isso porque é obrigado, né? Só pegou o barqueiro uma vez [...] pra fazer as compras de alimentos e bebidas pra pousada em Itacoatiara. Pagou o aluguel do barco e o combustível. É um dinheiro bom, ajuda. Ele podia pegar a gente mais vezes. Mas agora ele pega o pessoal de Manaus, parece que é mais barato (MST1, entrevista realizada em março de 2019).

Não há compra de insumos na comunidade. O proprietário costuma contratar donos de barco para se deslocar até a cidade de Itacoatiara ou Manaus. Segundo ele, mesmo com os gastos do deslocamento, “sai mais em conta do que comprar em Itapiranga”. O proprietário informou existir interesse em envolver a comunidade como fornecedora de frutas, legumes e verduras, mas não pode “contar com a sorte”, pois não há comprometimento com a produção e a certeza de que terá o total necessário para servir aos turistas.

A comercialização é feita por meio de agência de viagem em São Paulo. A pousada também conta com uma página em rede social. O proprietário afirma que é impossível vender os pacotes da pousada de forma independente, uma vez que não existe serviço de comunicação na RDS. Em pesquisa concedida ao IDESAM (2018), o proprietário afirmou que a logística e a ausência de serviços de comunicação são as principais dificuldades encontradas pelos donos de pousada.

O pacote oferecido pela pousada é completo e contempla o deslocamento do aeroporto até a pousada, alimentação, hospedagem e atividades de pesca. Uma van alugada faz o

transporte dos turistas até o porto de Madrubá, em Itapiranga. De lá uma lancha particular os leva até a pousada.

Na última temporada (2018) a pousada recebeu 24 turistas. O interesse dos turistas é, exclusivamente, a pesca. No entanto, o proprietário informa que houve casos em que os turistas pediram pra conhecer as comunidades e a produção de farinha “[...] mas muitos turistas não aceitam, preferem ficar quietos. Querem mesmo é pescar sem aperreio” (PP1, entrevista concedida em março de 2019).

Sobre a pousada ainda em processo de construção (Figura 28), o casal proprietário informou que pretende geri-la de forma familiar. De modo similar ao proprietário da Pedras do Uatumã, pretendem contratar os comunitários para prestarem os serviços de piloteiros e camareiras. Entretanto, por conta da exigência dos turistas, preferem não arriscar a contratar cozinheiras sem experiência das comunidades e trabalharão com uma pessoa de Manaus.

Figura 28 – Pousada em Construção na Comunidade Ebenezer (ainda sem nome)

A comercialização será feita por um membro da família que, segundo o casal, possui formação técnica e mora em Itapiranga, o que torna o acesso à internet facilitado. Há plantação de diversas árvores frutíferas em torno da pousada e a ideia é que boa parte dos insumos possa ser utilizada na refeição dos hóspedes.

O casal não possui financiamento e/ou auxílio para a construção da pousada, iniciada há cerca de quatro anos. Eles mesmos compram o material e constroem a pousada.

Eu até posso receber os turistas agora, mas eu não quero. Eu sei que ainda vai demorar pra terminar a obra, a gente junta o salário dela [a esposa- agente de saúde] de pouquinho, porque não tem de onde tirar. O importante é que é nosso, já me ofereceram ajuda pra depois vir querer mandar na minha pousada. Eu não aceito. Vai demorar, mas vai ser minha e do nosso jeito. Tudo certinho [...] (PP2, entrevista realizada em março de 2019).

A pousada está localizada a cerca de 1km da sede da Comunidade e, a fim de facilitar o deslocamento dos turistas até a pousada, uma vez que há interesse dos comunitários em desenvolver atividades na comunidade, os proprietários construíram uma trilha para acesso direto via terrestre (Figura 29).

Figura 29 - Trilha localizada no terreno da pousada e que dá acesso à sede da comunidade

A ideia dos proprietários é finalizar a Pousada até 2021 e tentar operar na temporada de 2022, com oferta de atividades que devem acontecer também fora da temporada de pesca esportiva, como as trilhas terrestres nas plantações em torno da propriedade.

Documentos relacionados