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A partir da metodologia de análise dos conflitos socioambientais proposta por Litle (2006), apresentada no início deste capítulo, o objetivo desta seção consiste em apresentar um mapeamento inicial dos conflitos existentes na RDSU.

Não se utilizará neste estudo a etnografia dos conflitos em sua forma pura proposta por Little (2004; 2006), sobretudo porque a análise dos conflitos perpassa, mas não é o objetivo da pesquisa. No entanto, alguns procedimentos serão levados em consideração para análise dos principais conflitos externalizados na RDSU, principalmente a identificação dos atores sociais e seus níveis de articulação, apresentados na Figura 19. Ressalta-se que os conflitos decorrentes do turismo serão analisados com maior acuidade na seção 5.2 e, portanto, não constam pormenorizados no quadro síntese a seguir.

Figura 19 - Quadro síntese dos principais conflitos socioambientais da RDS

Conflito Status Agência

natural

Atores sociais envolvidos

Dinâmica do Conflito Nível de articulação Processo de criação da

Reserva

Externalizado Base de recursos comuns terrestre e fluvial

DEMUC/SEMA As 20 comunidades que foram incluídas na RDS

Houve resistência por parte dos comunitários que não acreditava que a instituição de uma RDS pudesse trazer benefícios para as comunidades. Na concepção dos moradores, a ideia de criar uma Reserva era um meio de o governo tomar suas terras. Desse conflito derivou-se outro em relação à organização e divisão das comunidades por polos. O que até hoje não é entendido por muitos comunitários, inclusive lideranças com assento no Conselho Gestor.

Estadual

Exploração madeireira pela Precious Wood (Mil Madeireira) Externalizado Recurso Madeireiro Vias fluviais Mil Madeireiras DEMUC/SEMA PGE ITEAM Associação-mãe

Sobreposição de terras da RDSU com as da Mil Madeireira. Comunitários afirmam que a Mil explora madeira nas terras da RDS.

Estadual

Exploração e transporte de calcário pela Itautinga

Externalizado Recursos minerais Vias fluviais Itautinga DEMUC/SEMA Associação Mãe

Empresa Itautinga explora calcário em uma região limítrofe. Além de utilizar as vias fluviais para escoamento do mineral, pretende fazer a abertura de uma estrada para facilitar o escoamento do calcário.

Abertura das comportas pelas UHE de Balbina

Externalizado Recursos hídricos Ictiofauna Eletronorte DEMUC/SEMA Associação Mãe

Desde a abertura das comportas da UHE de Balbina pela Eletronorte, houve impactos significativos na ictiofauna e na qualidade da água. Nacional Distribuição de energia elétrica Externalizado Recursos Hídricos Eletronorte DEMUC/SEMA Associação Mãe

A abertura da UHE de Balbina e a passagem do linhão do Tucuruí pela RDS trouxe expectativas de abastecimento de energia elétrica aos moradores. Nacional Atuação de instituições governamentais e não governamentais em processos de “proteção da biodiversidade e implantação do desenvolvimento sustentável” Latente DEMUC/SEMA ICMBio IDESAM Associação mãe

O DEMUC/SEMA, em parceria com o ICMBio, possui uma proposta para implantação de um mosaico de unidades de conservação no qual a RDS fará parte, há discordância dos comunitários pois acreditam que terão suas atividades ainda mais cerceadas;

O IDESAM está com um projeto para a construção de uma miniusina de óleos, parte dos comunitários discorda da forma como o projeto está sendo planejado.

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Turismo Externalizado Ictiofauna, DEMUC/ SEMA Associação Mãe Proprietários de Pousada Proprietários de Barco-hotel Turistas

Desde a década de 1980, o rio Uatumã recebe visitas de centenas de turistas todos os anos. Diversas agências de turismo, tanto da cidade de Manaus quanto de outros estados, passaram a explorar a área para a atividade de pesca esportiva. Os moradores da RDS foram mantidos marginalizados nesse processo por mais de uma década. As críticas à atividade eram por conta da não inclusão dos comunitários enquanto prestadores de serviço, e a forma predatória com a qual a atividade era realizada. Em 2004, com a

Agentes Ambientais IDESAM, FAZ e IPAAM Comunidade no Geral

implantação da RDS, os moradores demandaram um ordenamento da atividade na qual pudessem ser protagonistas. Nesse interim, pescadores e agências que não respeitam as regras impostas suscitaram conflitos com os moradores da RDS e com o DEMUC/SEMA. Além disso, há discordância entre os próprios membros sobre a maneira como o turismo deveria ser desenvolvido e também destes com o Órgão gestor.

Iniciando a análise a partir da discussão acerca do processo de criação da Reserva, ressalta-se que este desencadeou uma série de contradições. As falas dos moradores e de alguns representantes de instituições evidenciam as controvérsias presentes no discurso da SEMA.

De acordo com Amazonas (2018):

A missão da criação da RDS do Uatumã foi lapidada junto aos moradores e instituições envolvidas com a Reserva, juntamente com as oficinas e diagnósticos de campo realizados ao longo do tempo”. À medida que os atores diretos compreendem a importância e as funções da RDS, a missão vai sendo moldada e consolidada. Os antigos ‘anseios’ dos comunitários foram convertidos em demanda de gestão e finalizados nos programas juntos aos parceiros expressos nos Programas de Gestão da Reserva (IDESAM, 2007, grifo nosso).

Em relação aos excertos destacados em negrito, há que se fazer algumas ponderações. Primeiramente, a realidade encontrada durante o trabalho de campo (envolvendo entrevistas com moradores e representantes de instituições, análises de atas e de relatórios de campo de funcionários da SEMA) é a de que uma quantidade ínfima, considerando o total de moradores, participou efetivamente das reuniões e oficinas de sensibilização e comunicação acerca da criação da RDS. Diante disso, propõe-se uma relativização sobre a afirmativa institucional de que a missão foi “criada e lapidada junto aos moradores”. Sobre o segundo trecho em destaque, salienta-se que a realidade em campo mostrou um cenário crítico no que se refere ao entendimento do que é o objetivo de uma RDS por parte dos moradores. Se não se sabe o que é, de que forma poderá ser “moldada e consolidada” a missão da RDS?

Segundo o representante de uma instituição não governamental que atua na RDS:

Eu não acompanhei o processo de criação e implementação da RDS, mas trabalho com pessoas que acompanharam. Os relatos que ouço é de que, inicialmente, o processo se deu de cima pra baixo […] há muitas críticas, também, sobre os antigos gestores da RDS. Inúmeros casos de desentendimento entre eles e os comunitários. Denúncias, inclusive, de crimes por parte dos antigos gestores (representante de Instituição não governamental, entrevistado em março de 2019, grifo meu).

A fala do entrevistado evidencia um lado oculto nos discursos oficiais, que costumeiramente relatam um processo que se iniciou por demanda dos comunitários, alcançado por meio de planejamento participativo, visando o empoderamento, inclusão e protagonismo

das comunidades. As palavras “demanda dos comunitários, empoderamento, inclusão dos comunitários, planejamento participativo e protagonismo” são frequentemente percebidas nas falas e nos textos elaborados pelas instituições que atuam na RDS, sejam elas governamentais ou não, do mesmo modo que foi identificado por estudos realizados em outras unidades de conservação (IRVING; RABINOVICI, 2015).

Em relação ao processo de gestão isso não se diferencia. O que se nota é um esforço dessas instituições em demonstrar um processo que dá voz e que escuta os moradores, incluindo-os no processo de gestão, que a própria instituição gestora, a SEMA, intitula como “gestão participativa”. Em suma, diante das observações feitas durante a participação na reunião do Conselho Gestor da RDSU, em março de 2019, das análises documentais nos relatórios de campo da SEMA e do IDESAM83 e atas do Conselho Gestor84, o que se percebe é um esforço pra atingir as metas de planejamento do DEMUC/SEMA85, com reuniões propositalmente aceleradas86, falas assertivas e em tom imperativo dos representantes de instituições para que, silenciosamente, induzam a aprovação de todos em relação a determinadas pautas.

Outro conflito presente nas relações entre Órgão gestor e comunidades é o fato de o DEMUC/SEMA não esclarecer a todos os comunitários o motivo da organização das comunidades em Polos e também as regras de uso da RDS.

Pra falar a verdade, eu nem sei quantas comunidades têm no Polo 2, acho que são 5, não? A gente nunca entendeu direito isso. O pessoal da Reserva até veio e explicou pra alguns, mas tem muita coisa que a gente não entendeu e ainda não entende […] Eu queria até saber sobre as regras da pesca comercial desse ano, porque já começou [temporada de pesca comercial] e ninguém veio falar nada ainda, nem avisaram a gente da reunião […] Se a senhora pudesse me dizer como que está a regra do turismo, também, eu agradecia. Tem subido muita lancha [barco-hotel] pro Polo 2 e eu não sei

83 Qualquer atividade realizada pelos técnicos da SEMA em campo, deve ser registrada por meio de Relatórios de Campo. Nos relatórios constam os objetivos da ida ao campo, breve descrição das atividades, registros fotográficos e nome da equipe participante.

84 Conforme descrito no Capítulo 3, foram analisadas 08 atas de reuniões do Conselho Gestor, 09 relatórios do de campo da equipe técnica do DEMUC/SEMA, incluindo 02 relatórios de avaliação da temporada de pesca e 1 relatório de estágio do IDESAM.

85 Os servidores da SEMA vão a campo com o intuito de cumprir uma série de atividades previamente acordadas. Estas atividades devem constar em seus relatórios de campo, justificando a ida para a UC e o alcance dos objetivos propostos. Como o orçamento é pouco, dificilmente terá um novo recurso para realizar atividades que já deviam ter sido realizadas. Por isso a ânsia em cumprir todas as metas.

86 O planejamento das reuniões do Conselho prevê, geralmente, dois dias. Haja vista a quantidade de pautas e de membros que devem ser “ouvidos”. Entretanto, o que se percebeu foi uma reunião acelerada para que pudesse ser reduzida de dois para um dia. E, dessa forma, os conselheiros pudessem retornar para Manaus ou continuar suas atividades na RDS ou em outras UCs. A dinâmica de planejamento participativo iniciada por eles evidenciou essa tendência, ressaltando a celeridade no processo e a desconsideração de muitas opiniões dos comunitários.

se é permitido, nós, aqui, na comunidade, não sabemos (Líder da Comunidade Ebenezer, entrevista concedida em março de 2019).

Observa-se que, até os dias de hoje, 15 anos após a criação da RDS, 10 anos após a publicação do Plano de Gestão e 9 anos após a publicação do Plano de Uso Público, muitos moradores da RDSU não tiveram acesso ou não compreenderam as regras de uso vigentes. De que forma um “uso sustentável” pode ser feito, se os moradores desconhecem as regras? Na fala de um líder comunitário, é destacada a falha de comunicação do DEMUC/SEMA para com os comunitários, conflito que, segundo os moradores entrevistados, perdura desde a criação da Reserva. A falha na comunicação ultrapassa o compartilhamento das regras de uso e atinge as reuniões do Conselho Gestor, fundamentais para a promoção de uma gestão participativa e compartilhada, como evidenciado a seguir.

A gente fica sabendo das reuniões por outros comunitários, porque os organizadores nunca avisam. Acontece que na reunião do Conselho os comunitários não têm voz, só participam ouvindo. Apenas os conselheiros e os coordenadores [FAS, IDESAM, IPAAM, SEMA] que falam. Acho que a maioria dos comunitários não entende o que é explicado na reunião e não tem coragem de perguntar. Sem contar que os coordenadores [conselheiros membros de instituições] só querem falar e não querem interagir (MST3, entrevista realizada em março de 2019).

O Conselho Gestor é a principal arena de ação para mediação de conflitos e via para conhecimento das necessidades das comunidades. Se não possibilita a participação paritária e efetiva dos comunitários, de que forma possibilitará discussões deliberativas e horizontais?

No que concerne à questão fundiária na RDS, enfatiza-se que é também permeada por conflitos, assim como em diversas Unidades de Conservação do Amazonas e do Brasil, sendo o principal deles o que envolve os moradores e o DEMUC/SEMA contra a empresa madeireira Precious Wood Amazon, conhecida localmente pelo nome fantasia Mil Madeireiras. A empresa está presente no Amazonas desde 1996 e detém uma área de 473 mil hectares localizada na cidade de Itacoatiara, que abrange o município de Itapiranga. Apesar de detentora de diversos certificados e selos de manejo sustentável, há muitas controvérsias na forma como a empresa realiza a derrubada da madeira.

Há um processo em curso na Procuradoria Geral do Amazonas PGE/AM contra a Mil Madeireiras, que visa obter um parecer jurídico em relação às áreas particulares da empresa sobrepostas às áreas de algumas comunidades da RDSU. Nas reuniões do Conselho Gestor há

a presença de um representante da empresa, que pouco participa ou demonstra interesse, manifestando-se apenas quando alguma das atividades ameaça adentrar o “terreno da Mil”. O Plano de Gestão e o Plano de Uso Público da RDS informam apenas sobre o processo judiciário em curso (AMAZONAS, 2009; AMAZONAS, 2018). O questionamento dos comunitários é recorrente e as falas são evidenciadas pela indignação destes com os proprietários da empresa e o descaso das autoridades locais87.

A proibição é só pra gente. Dia e noite é barulho de máquina da Mil derrubando tudo. Eles vieram uma vez, tentaram conversar, mas nunca dá em nada […] Dizem que vão ajudar a comunidade, mas nunca ajudam. Madeira pro meu sustento eu não posso tirar, muita gente podia ta fazendo beneficiamento de madeira em Itapiranga, mas essas regras da Reserva não deixam. Que regra é essa que só funciona pro trabalhador pobre? Eles tão roubando a nossa madeira pra enriquecer e ninguém faz nada. E não é pouca não, é muita! (MCT2, entrevista realizada em maio de 2017).

O principal argumento dos comunitários em relação à Mil é o fato de sentirem-se cerceados de suas antigas atividades de manejo madeireiro enquanto uma empresa explora livremente os recursos presentes em suas comunidades. Além disso, após a criação da RDS os moradores passaram a ter de cumprir uma série de regras como exigência para permanecerem em suas casas, diferentemente do que foi aplicado à madeireira, que não só descumpre as regras, segundo as falas dos moradores, mas também pratica a derrubada de madeira de maneira ilegal.

O fornecimento de energia para as comunidades da RDS é fonte de outro conflito, dessa vez envolvendo os moradores da Reserva e a empresa Eletrobrás. Os comunitários confessam não entender o motivo da não distribuição de energia, se as torres passam sobre suas cabeças, além de sofrerem os impactos da implantação da Usina Hidroelétrica (UHE) até os dias atuais. Becker (2012) atenta para o fato de que a construção dos megaprojetos das usinas na Amazônia se apresenta como

O auge do paradoxo entre a abundância de água e a inacessibilidade social: a água é utilizada especialmente para a produção de energia a ser transportada para outras regiões do país (e para a irrigação nas áreas do agronegócio), enquanto a população não tem acesso à água potável! (BECKER, 2012, p. 786)

87 A empresa foi contatada via telefone e e-mail, mas até o período de escrita deste capítulo, maio de 2019, não se obteve resposta.

A grande contradição é evidenciada ao destacar que as águas do Rio Uatumã servem de geradoras de energia para diversas cidades, incluindo a capital Manaus, enquanto as comunidades da RDS têm de recorrer a geradores de energia. É possível perceber, ainda, que há uma tradição no que concerne à exploração dos recursos hídricos pelo setor energético, deixando de lado a possibilidade de usos múltiplos do recurso aquático. A água é destinada para a produção exclusiva de energia, enquanto poderia fornecer água potável e/ou de qualidade para manutenção da ictiofauna, do uso doméstico e do lazer dos moradores.

Segundo Lobo (2017, p. 07) “a construção da UHE Balbina ocorreu entre os anos de 1983-1987, sem estudos e relatórios de impactos ambientais (EIA-RIMA) prévios à sua implementação”. Ainda segundo o autor, a eficiência energética da UHE é baixa quando comparada à capacidade planejada, uma vez que o previsto era 250 megawatts (MW) e atua com apensa 122,2 MW. O reservatório a montante da barragem inundou grandes áreas de terra firme, “[…] a vegetação inundada permanece decompondo na represa em condições anóxicas e ácidas, contribuindo para formação de grande quantidade de gases de efeito estufa” (LOBO, 2017, p. 07). Essas populações de árvores mortas, também conhecidas como paliteiros, são encontradas em toda a represa (ASSAHIRA, 2014) e podem ser visualizadas na Figura 20. Ademais, o regime hídrico do rio Uatumã foi alterado pela abertura das comportas ocasionando inundações recorrentes.

Figura 20 - Áreas alagadas com árvores mortas/paliteiros no Rio Uatumã à jusante da UHE de Balbina

Fonte: Assahira (2014).

Conforme Assahira (2014) a construção de hidrelétricas causa dois grandes impactos diretos. Acima das barragens: o represamento de água que inunda grandes áreas de terra firme para construção de reservatórios. E abaixo das barragens: que modifica e passa a regular o pulso

de inundação conforme a demanda por energia. O autor destaca ainda que os impactos causados pelas barragens e reservatórios das UHES se estendem muito além das áreas de entorno e permanecem décadas após a implantação da barragem.

Para Fearnside (2015)

Os moradores ao longo do rio a jusante de Balbina não só perderam a sua fonte principal de proteína: eles também descobriram que a água de Uatumã não pode ser bebida e que causa coceira intensa e lesões na pele quando usada para banho [...] A mortandade de peixes foi observada abaixo da barragem até a foz do rio Jatapú (145 km a jusante) e os peixes desapareceram do rio (possivelmente fugiram da água fétida de Balbina) num trecho adicional até a cidade de São Sebastião do Uatumã (mais que 200 km abaixo de Balbina). [..] O governo estadual do Amazonas fez, em caráter emergencial, uma doação de pescado para alimentar a população da cidade (FEARNSIDE, 2015, p. 120-121)

Os “tempos difíceis” são retratados em diversas falas de moradores. Alguns lembram da grande quantidade de peixes que morreu em decorrência da alteração da água. Relatam que não podiam mais tirar água para beber e nem tomar banho. A água e o alimento, antes tão abundantes, tiveram de ser providenciados e trazidos de fora da RDS.

A hidrelétrica de Balbina até hoje é lembrada em reuniões do conselho deliberativo e reuniões das comunidades pelo impacto que causou no rio Uatumã. As comunidades reclamam de doenças como diarreia e culpam a empresa pela água contaminada proveniente do lago represado. Lembram-se da morte de peixes quando represaram o rio Uatumã, e relatam que os poços que foram construídos pela empresa nenhum prestaram [sic] ... Nesse período foram distribuídas para a população ribeirinha, salgadeiras solares, para que se fizesse a conservação do pescado retido no leito seco do rio. O abastecimento de água potável era realizado por caminhões pipa (OLIVEIRA, 2015, p. 61).

Além da alteração na qualidade de água, que refletiu diretamente na saúde dos moradores da RDS e no equilíbrio da população de peixes, Oliveira (2015) destaca a destruição de habitats e tabuleiros de quelônios causada pelo represamento do rio Uatumã. Como medida a essa questão, a UHE criou praias artificiais e o Projeto Quelônios do Uatumã88, que funciona na RDS há cerca de 20 anos.

88 Projeto de Proteção e Monitoramento de Quelônios do Uatumã, idealizado pela Eletrobras Amazonas Energia, que conta com o apoio do Programa de Monitoramento da Biodiversidade e Recursos Naturais (PROBUC) do ICMBio e da Associação-mãe do Uatumã.

Outra tensão causadora de debates enérgicos entre moradores e órgão gestor da RDSU é a presença de uma empresa exploradora de calcário no rio Jatapu, a Nassau Itautinga. Não só a exploração, como também o fluxo de balsas para armazenamento do minério na parte de baixo da Reserva, próximo a São Sebastião do Uatumã, tem causado incômodo nos moradores. A mina de Jatapu é licenciada legalmente para exploração pela Nassau Itautinga há cerca de três décadas: “De acordo com o governo estadual, o local tem potencial para tornar o Amazonas autossuficiente na produção para o consumo interno e convertê-lo em um dos principais polos de comercialização para o mercado brasileiro” (G1 AM, 2013)89. Da mina de Jatapu é extraído apenas o calcário para a fabricação de cimento, mas a intenção é fazer com que a jazida atinja as faixas de exploração de outros minérios, que se aplicam à produção agrícola. O maior entrave, segundo o Governo do Estado, é o escoamento do produto. Nesse sentido, a fim de otimizar a logística, haverá um investimento de 50 milhões para a construção de uma estrada com 102 km de extensão, que ligará a mina de Jatapu até à BR 174. É importante destacar os principais impactos socioambientais oriundos da exploração de calcário: contaminação do lençol freático, erosão, destruição das paisagens, depredação de fauna e flora, retirada de mata nativa, emissão de dióxido de carbono, poluição sonora, dentre outras90 (CASADO; ALBARNAZ; ECHAGUE, LISBOA, 2017).

Por conta do elevado risco de degradação das empresas mencionadas (Mil Madeireiras,

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