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Comunidades Tradicionais: A categoria social, surge no campo da antropologia social e da etnologia, em sua maioria formados na Inglaterra, que realizaram pesquisas de campo na África,

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5.1 A construção do Saber dos povos tradicionais86:

88 Comunidades Tradicionais: A categoria social, surge no campo da antropologia social e da etnologia, em sua maioria formados na Inglaterra, que realizaram pesquisas de campo na África,

trabalhavam com populações tradicionais (Malinowski (1922) e Sahlins (1976) Geertz (1978), mostraram a importância dos estudos destas populações, do conhecimento tradicional, seus modos de vida, etc. Discípulos de seus discípulos, autores brasileiros que estudaram na Inglaterra, contribuíram fortemente para o estabelecimento do conceito, a partir de uma perspectiva de mudanças sociais sociedade tradicionais – sociedades contemporâneas - e, introduz no campo da política pública brasileira, o conceito de populações tradicionais. Assim não dá para minimizar a contribuição original de Almeida, 1994; Carneiro da Cunha & Almeida (1999).

171 Essas formas naturais de se construir conhecimento, ou seja, se educar, conscientizar-se acerca do próprio ser inserido dentro de um contexto local, refletir e agir em respeito mútuo com o meio ambiente e em reconhecimento e identificação com outros é um fator pouco encontrado na contemporaneidade. Paulo Petersen (2015) contribui:

“Entre outros pontos comuns, tais povos e comunidades enfrentam os novos desafios colocados pela modernização, ativando suas memórias coletivas para definir estratégias inovadoras em defesa de seus meios e modos de vida”.

As comunidades tradicionais ou camponesas, para Almeida (1999) estão baseadas em grupos familiares e de vizinhança, que utilizam de técnicas extensivas de produção, com articulação parcial aos mercados de terra e de trabalho. Para ele, a dimensão econômica é importante nestas comunidades para agregar valores monetários as suas atividades de forma a ordenar a relação entre os valores externos e internos da comunidade. Somada a esta definição, Abreu (2005), aponta que as populações tradicionais são o embrião de uma nova camada social, portadora de valores próprios e podem executar atividades de produção agrícola e de comercialização de produtos.

Para Toledo (2001), as comunidades tradicionais podem ser categorizadas “[...] como agricultores, pastores, caçadores, extrativistas, pescadores e ou artesãos [...]”. Já Abreu (2005:45), nos diz que, além destes indivíduos descritos por Toledo,

“ […] Vários grupos sociais passam a ocupar ou a povoar essa categoria social – grupos indígenas, seringueiros, ribeirinhos, pescadores, coletores de babaçu, tribos quilombolas, agricultores familiares sustentáveis. Nesse sentido, esses grupos sociais tornam-se populações tradicionais pela adesão a um contrato ou pacto social que orienta, regulamenta e controla os comportamentos e atitudes dessas populações diante do ambiente natural”

Manuela Carneiro aponta que “ o termo “populações tradicionais” é propositalmente abrangente, mas isso não pode ser percebido como confusão conceitual, pois:

“Populações tradicionais são grupos que conquistaram ou estão lutando para conquistar (prática e simbolicamente) uma identidade pública conservacionista que inclui algumas das seguintes características: uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de

instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e elaborados “ (ABREU, 2005:46)

Na década de 1990, cientistas sociais brasileiros debatem a noção ou conceito de populações tradicionais, denominação que é uma das modalidades da categoria heterogênea denominada produtores familiares (Almeida, 1994; Abreu, 2005). Discussão que se amplia para pensar a compatibilidade de uso das unidades de conservação pelas populações tradicionais, que tem como pano de fundo os objetivos das populações com relação aos territórios, ou seja, o que elas pretendem obter deles.

Um dos autores que influenciou também esse debate foi Antônio Carlos Diegues (1998) que define cultura e sociedade tradicional traçando as seguintes características:

“1. Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis, a partir dos quais se constrói um modo de vida;

2. Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se refletem na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transmitido de geração em geração por via oral;

3. Noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente;

4. Moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados;

5. Importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação com o mercado; 6. Reduzida acumulação de capital;

7. Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou Compadrio, para o exercício das atividades sociais, econômicas e culturais;

8. Tecnologia utilizada relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há reduzido divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final; 9. Fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos;

10. Auto identificação ou identificação pelos outros de pertencer a uma cultura distinta. ”

As características apresentadas acima estão organizadas segundo diferentes critérios – técnicos, econômicos, sociais, culturais e políticos – e apontam, em primeiro lugar, para um tipo ideal de sociedade tradicional. Pode-se dizer que predomina o ângulo culturalista, dado que os critérios fundamentais de definição das populações

173 tradicionais, presentes na recente legislação acerca do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, são os modos de vida transmitidos por via oral através das gerações sucessivas, bem como a noção de identidade relacionada a uma cultura própria. Essa noção de cultura, desempenhando o papel de agregador do grupo e imprimindo-lhe especificidade, no uso dos recursos naturais, difere daquela utilizada por Almeida (1999) e por Carneiro da Cunha & Almeida (1999), para quem as tradições culturais possam ser reafirmadas e reconstruídas, e não seguidas cegamente (Abreu, 2005).

Toledo (2011) afirma que existem 600 milhões de pessoas pertencentes a esta categoria social e que eles são responsáveis por 80% a 90% da diversidade cultural mundial e, por consequência, são também responsáveis pela conservação biológica.

Levando em consideração está abordagem geral do que seriam comunidades tradicionais e de como elas, enquanto categoria social, são importantíssimas para a conservação dos recursos naturais, diversas vertentes passaram a compreender essas definições e gerar explicações diversas sobre as comunidades tradicionais e suas ações, tais como a biologia da conservação, a antropologia das culturas contemporâneas, a etnobiologia e a etnoecologia.

A etnoecologia, conhecida como “ciência pós-normal”, surge para estudar a integração do homem com a natureza e “ [...] permite reconhecer o valor do complexo crença-conhecimento-prática dos povos e comunidades tradicionais na conservação da biodiversidade”. (TOLEDO, 2001), visualizando as comunidades tradicionais como as detentoras de uma sabedoria tradicional que serviu de fio condutor para a utilização da natureza dentro do processo sócio histórico da humanidade.

Essa interrelação proposta no estudo etnoecológico nos permite aproximar a ideia de construção de saber a partir do respeito à cultura e visão de mundo, ou seja, a cosmovisão de determinada população, sendo praticada e aplicada na vida cotidiana de forma a gerar um saber verdadeiro, que seja praticado pelo povo de forma a respeitar e cuidar do meio ambiente. A teoria:

“Se propõe a estudar a integração do complexo kosmos- corpus- práxis (k-c-p) dentro dos processos de teorização, representação e produção nas diversas escalas espaço-temporais (...) Isso, com

propósito de criar uma diretriz de proposta de desenvolvimento que valorize os conhecimentos sociais gerados por estas comunidades de forma a utilizar os recursos naturais de forma consciente, servindo como uma forma de revalorizar conhecimentos e com isso quebrar paradigmas já impostos. ” (TOLEDO; BERRERA-BASSOLS, 2009).

As interações que povos indígenas têm com o cosmos e a atração/invocação dessas forças através das crenças religiosas e das práticas tradicionais de agricultura e festejos, por exemplo, são exemplos de como essas comunidades estão integradas à uma compreensão de estar no mundo mais ampla do que do sujeito moderno. A noção de pertencimento que essas populações têm, ultrapassa a noção de estar em determinado território e meio ambiente. Essas populações interagem em sua localidade de forma a atrair a partir de suas crenças coletivas as forças da natureza na realização das práticas cotidianas.

“ Dessa maneira, esse conhecimento é geralmente restrito ao ambiente imediato de vida e é uma construção intelectual resultante de um processo de acumulação de experiências em um tempo histórico e um espaço social. Essas três características desse conhecimento tradicional (sendo local, diacrônico e coletivo) são complementadas com uma quarta característica, a holística89.” (TOLEDO 2001)

Construir um conhecimento que inter-relacione as ciências acadêmicas com os saberes tradicionais é de extrema importância. Para isso são necessários métodos de se construir esse saber, onde se proporcione espaços de valorização dos saberes tradicionais e ancestrais contidos no conjunto das populações. Como o saber tradicional é um saber coletivo, comunitário, pertencente a todo o povo que compartilha daquela cultura, é necessário proporcionar espaços dialógicos de troca de saberes, onde os sujeitos oriundos dessas comunidades se coloquem, como processo de resgatar a memória viva de sua localidade.

Espaços de articulação de experiências diversas ou encontros regionais de estímulo e revalorização das culturas tradicionais vêm surgindo pelo Brasil como forma de unir os conhecimentos oriundos desses povos aos saberes produzidos

89 Em se tratando de um estudo sobre educação, vale relembrar a reflexão de ´holismo´ do capítulo 2, referente a noção ampliada que se propõe nas interpelações da parte com a parte, parte com o todo, do todo com as partes e entre as partes.

175 academicamente. O que é importante ressaltar é a necessária valorização que deve ser feita desses saberes, de forma a conectá-los ao todo maior, além de seus territórios e culturas. Assim, o saber local se torna importante para o global e ao revalorizá-lo no interior das comunidades, as populações compreendem a importância de assegurar as práticas tradicionais.

Essa importância abre uma via entre o local e o global, pois o fluxo de saberes pode contribuir para que a comunidade se relacione em fluxos harmoniosos com os territórios exteriores, sendo a dimensão econômica o pilar chave para se estruturar as noções de valor existentes nestas relações. Quando as comunidades se mantêm isoladas e fechadas, os valores se baseiam nos recursos naturais existentes em determinado ambiente. Ao abrir portas para elos com o exterior, os valores não devem ser trocados pelas moedas globais, por exemplo, mas intercambiados de forma a garantir a segurança das populações tradicionais. Os fluxos entre o exterior e o interior das comunidades tradicionais são um perigo quando não bem elaborados, por isso é necessário potencializar as culturas, valorizá-las de forma que o povo tradicional se sinta fortalecido para trocar com o exterior.

O que se observa é que atualmente o resgate e revalorização das práticas culturais por si não servem para fortalecer e dar continuidade a essas formas de vida, pois o processo globalizador atingiu essas comunidades de forma desordenada, desarmonizando formas de vida. Por isso é necessário utilizar a ciência a favor desses conhecimentos, construindo um saber que auxilie, por exemplo, na renovação de práticas de manejo que se adequem às novas leis, ou propondo processos diversos de economia sustentável em processo contínuo de valorização das formas de organização social dessas comunidades.

5.2- Sujeitos Agroecológicos em Comunidades Tradicionais da Costa

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