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Comunidades Virtuais: A Audiência Universal

Os estudos sobre as Comunidades Virtuais (CV) são bastante variados e incluem aspectos relativos a sua emergência e também às formas de relacionamento entre seus usuários, como vemos nos trabalhos de Primo (1997), Fonseca e Couto (2007, online) e Recuero (2007a). Referem-se, ainda, ao auxílio no processo de aprendizagem à distância,

como apontado em Matuzawa (2001), à escrita colaborativa, discutida por Recuero e Primo (2007, online), ao aprendizado colaborativo durante a formação tecnológica, exposto por Pallazo et al (2007, online), além dos trabalhos que buscam definir, conceituar e descrever o funcionamento das comunidades virtuais. Estes últimos tratam, de modo geral, sobre um ou vários aspectos relacionados às CV, tal é o caso dos trabalhos de Rheingold (2007, online), Lèvy (2003), Recuero (2007b, 2007c), Hermana (2007, online), D’Avila Filho (2004). Constitui-se, como vemos pela diversidade dos temas abordados, em um campo multi e pluridisciplinar.

Diante dessa diversidade de abordagens, precisamos identificar alguns pontos em comum, capazes de caracterizar uma comunidade como sendo virtual. Precisamos, também, relacionar tais comunidades à situação retórica a qual estamos discutindo: a Internet. Isso implica tratarmos as CV como uma audiência, a mediadora da mudança social afetada pelo e através do discurso, de uma ação social, de uma forma de autoria. Comunidades virtuais, do modo como a estamos assumindo, são aquelas que se formam a partir dos sites de redes sociais, tais como o Youtube, o Facebook, a Wikipédia, o Overmundo, o Digg, entre outros.

Nesse sentido, partiremos de algumas posições teóricas representativas no estudo das relações humanas no ciberespaço, tais como a de Rheingold (2007, online), por ser ele um dos primeiros autores a tratar exaustivamente sobre o assunto, incluindo descrições do funcionamento de várias CV; a de Lèvy (2003), por considerar que as CV são um dos princípios fundadores do movimento da cibercultura; e a posição de Castells (2003), que aborda o assunto de modo bastante complexo, como um processo histórico que resulta em uma nova forma de sociabilidade: o individualismo em rede.

Com base nas considerações desses autores, argumentaremos que essas comunidades caracterizam-se como sendo, essencialmente, discursivas. E, assim o fazendo, nos apoiaremos nas considerações de J. Swales (2002) para sustentar o entendimento que temos sobre a centralidade das CV na construção da autoria como uma prática discursiva multitarefa, multimodal, intertextual e interdiscursiva.

Como dissemos, um dos autores a primeiro usar efetivamente o termo comunidades virtuais foi Howard Rheingold. Em sua obra The Virtual Community: Homesteading on the

Electronic Frontier (2007, online), o autor narra suas experiências no ciberespaço, descreve o

surgimento das CV, identifica os sujeitos envolvidos no processo de criação e estabelecimento de algumas CV, e também mostra o funcionamento de certas CV, especificamente o da

comunidade Whole Earth’Lectronic Link (WELL).

As experiências de Rheingold se iniciam em 1985 ao participar da WELL, um sistema de conferências que permitia às pessoas trocarem mensagens pessoais e e-mail, apenas. Em sua incursão por essa comunidade, descrita na obra citada, Rheingold propõe que entendamos as CV como sendo

agregados sociais que surgem da Rede, quando uma quantidade suficiente de pessoas leva adiante discussões públicas durante um tempo suficiente e com suficiente sentimento humano com o objetivo de formar redes de relações pessoais no ciberespaço38(2007, online).

Notemos que ele exclui de sua definição um aspecto relevantíssimo para uma completa noção de comunidade: uma base territorial comum aos agregados sociais. Ou seja, ele não inclui aquilo que é um “dos sustentáculos da ideia de comunidade desenvolvida pela sociologia clássica.” (RECUERO, 2007b). Ao mesmo tempo em que resolve um aspecto, ele problematiza outro. Se qualquer grupo de usuários pode ser uma comunidade virtual, não haveria, necessariamente, a exigência de sites de redes sociais39 para a formação de uma

comunidade virtual. Uma discussão sobre esse aspecto nos revela a necessidade de haver um local comum aos usuários onde as discussões públicas possam se realizar. Basta lembrarmos que se não fossem as constantes interações entre os usuários das primeiras BBS ou da rede

Usenet (locais no ciberespaço), muito do que hoje está disponível na Internet em termos de

tecnologia computacional e conteúdo não existiria. Sem estes locais comuns aos usuários, a Internet estaria reduzida a um amontoado de páginas hipertextuais indexadas, cabendo aos usuários localizar individualmente aquilo que lhes interessasse.

Uma observação pertinente aqui é o fato de que, se a Internet não possuísse esses “ciberlugares”, a acessibilidade ilimitada existente na rede poderia ser mais inexistente do que de fato o é. Veja-se, por exemplo, o estudo de Melo (2004), no qual a autora aponta que a navegação dos usuários da Internet é limitada em dois aspectos: a sua formação discursiva e a formação discursiva de quem desenvolveu determinado site. Para a autora, “o hipertexto

38 Original: Virtual communities are social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal relationships in cyberspace.

39 Como não havíamos ainda definido o que é um site de redes sociais, apresentamos nossa definição: Um site de redes sociais consiste em um espaço virtual onde as pessoas interagem de diversas maneiras: publicando fotos e comentando fotos de outros, inserindo comentários sobre algum tema em discussão, criando, desenvolvendo e/ou fortalecendo laços de amizades, estabelecendo contatos profissionais, trocando arquivos digitais de diferentes formatos, entre outras formas de interação online. Fóruns eletrônicos, sites de relacionamentos, enciclopédias online, sites de jornalismo participativo são exemplos desses espaços virtuais.

Internetiano pode ser tão restritivo […] que os leitores considerem que têm apenas algumas poucas escolhas a mais de navegação.” (MELO, 2004, p. 143) É claro que ela está se referindo ao hipertexto e à possibilidade de navegação (i)limitada na rede, mas lembremos que as CV só existem por estarem apoiadas na tecnologia do hipertexto. Mesmo havendo as CV, a participação na rede é ainda, de certo modo, limitada. E se não existissem comunidades sobre cavalos, carros e livros, o acesso às informações seria bem mais difícil, bem mais limitado do que atualmente o é.

Assim, Rheingold peca ao desconsiderar o aspecto de pertencimento a uma base territorial comum aos agregados em sua definição de comunidade virtual. Esta é uma condição sine qua non para a existência e funcionamento das CV, ainda que esta base territorial não seja medida em metros quadrados ou regiões geograficamente identificadas, mas em um espaço virtual público e comum.

Partindo da necessidade de haver uma base territorial em comum, Jones (1997, online) discute vários pontos que merecem ser considerados quando tratamos de CV. Para isso, ele articula perspectivas teóricas advindas da sociologia clássica com o tema dos agrupamentos humanos no ciberespaço, as CV, distinguindo comunidade virtual como lugar de comunidade virtual como ação. Para esse autor, o lugar é o suporte sob o qual se realizam as discussões públicas, e estas, por sua vez, caracterizam a ação. É o que acontece no IRC (Internet Relay

Chat), nos sites wiki, nas salas de bate-papo, por exemplo. É uma relação de associação, pois

sem um suporte específico existe somente a comunicação mediada por computador (CMC), mas não as CV. A existência de um ciberlugar é condição essencial para a existência das comunidades virtuais. E, por conseguinte, para a existência de uma prática discursiva, uma ação retórica que vise à mudança de uma dada realidade.

Considerando tal premissa, podemos afirmar que sem a existência das CV a autoria na Internet, sendo uma prática discursiva multitarefa, não seria possível. Para pertencer a uma comunidade virtual, é necessário o domínio da tecnologia sobre a qual essa comunidade funciona no ciberespaço. Dessa forma, a autoria na Internet realiza-se através da multitarefa e da multimodalidade no que se refere à prática discursiva no interior das CV. Mesmo que a multimodalidade esteja presente no nível mais elementar – um hiperlink em um dado gênero – ela existe e está diretamente ligada à multitarefa, visto que a inserção do hiperlink é tarefa do membro da comunidade que publica algum tipo de conteúdo ou de outros que nessa produção ajam como coautores. Além disso, devemos lembrar que o retórico deve adequar os seus

argumentos à audiência. Nesse sentido, é quase imperativo organizar o discurso multimodalmente.

Nesse sentido, a proposta de Jones (1997, online) deve ser somada à definição de comunidade virtual de Rheingold (2007, online) no que se refere à base territorial comum, já que as CV só existem a partir de um lugar simbólico no ciberespaço. É neste lugar em comum que se desenvolvem as “discussões públicas com sentimentos, por um período de tempo significativo”, como proposto por Rheingold (2007, online). Essa é a prática discursiva, a gênese da ação social. É nesse local que os interesses convergem e a interação no ciberespaço acontece. E, para que essa interação entre os participantes ocorra nas CV, Jones (1997, online) lista quatro princípios fundamentais, resumidos da seguinte maneira:

1. um nível mínimo de interatividade;

2. uma variedade de comunicadores (interlocutores); 3. espaço público comum e

4. um nível mínimo de associação.40

O nível mínimo de interatividade diz respeito à forma como as mensagens dos participantes relacionam-se umas com as outras, formando uma cadeia de mensagens correlacionadas e, por conseguinte, construindo eventos comunicativos entre os membros de uma dada comunidade. Na verdade, temos muito mais do que isso. Observamos aqui os fenômenos da intertextualidade e da interdiscursividade como formas da autoria na Internet (obviamente não excluímos tais fenômenos da autoria fora da Internet. Aqui destacamos sua saliência). A cada mensagem postada em um site de rede social, existe a possibilidade de retomada do tema para um comentário, réplica, discordância, por parte dos outros usuários. É um diálogo que finda quando a possibilidade de continuação do assunto se esgota (se é que isso é possível!). Esta é a função central da audiência, constituinte de uma situação retórica qualquer: mediar a mudança no mundo social por meio do discurso ou, posta de outra maneira: responder discursivamente para modificar o mundo social. Vemos aqui um caso de autoria múltipla (ou coautoria), pois ao mesmo tempo em que um usuário participa da comunidade através da publicação de algum conteúdo multimodal, ele abre a possibilidade para outros membros interferirem sobre tal conteúdo41.

Em relação à variedade de comunicadores, este é um princípio diretamente ligado ao

40 Trad. Adaptada: 1. Minimum Level of Interactivity; 2. Variety of Communicators; 3. Common-Public-Space 4. A Minimum Level of Sustained Membership.

41 Ao nos referirmos aos conteúdos publicados, estamos considerando texto, imagem ou vídeo, embora nosso foco seja sobre o texto escrito.

primeiro. Como as CV só podem ocorrer a partir de agrupamentos humanos que interagem sob um suporte específico no ciberespaço, a interação online entre apenas dois participantes estaria reduzida, neste caso, à comunicação pessoal. Isto é, uma CV não pode se constituir de apenas dois interlocutores, mas de um grupo de sujeitos que constantemente interajam entre si. De outro modo, o papel do autor seria exercido por dois indivíduos (uma autoria em par), sem haver espaço para uma audiência que funcione como mediadora de mudanças sociais por meio do discurso.

Note-se aqui uma distinção importante: havendo apenas dois participantes, ambos irão exercer a função de retóricos e, ao mesmo tempo, de audiência. Entretanto, em relação à autoria, não teríamos um grupo social que elevasse o indivíduo à condição de autor. Aconteceria uma alternância de vozes entre os interlocutores. É importante lembrarmos que, historicamente, o papel do autor na sociedade exige um público leitor. Não acreditamos que existam autores sem haver leitores ou, de modo mais amplo, não haveria autoria sem haver um público, uma audiência à qual o discurso se destina.

No que se refere ao espaço público comum, é relevante observarmos que este não seria um princípio absolutamente necessário para a ocorrência da interatividade no ciberespaço, mas sim para a existência das CV. O próprio Jones (1997, online) aponta que “sem a noção de um espaço público comum, a noção de comunidade virtual perde seu valor por se tornar indistinguível de muitas outras formas de CMC”42. De fato, o que distingue um grupo de

discussão interagindo, exclusivamente, via listas de e-mail de um grupo interagindo em um fórum eletrônico é o espaço público em que tais discussões acontecem. As listas são endereços eletrônicos apenas, elas não existem como um lugar, apenas como um gênero discursivo. Já os fóruns são ciberlugares; eles existem virtualmente, seus membros se reúnem ali para discutirem seus assuntos, para realizarem gêneros discursivos.

Por fim, o nível mínimo da associação é capaz de apontar certas relações e hierarquias existentes (ou possíveis de existir) entre os membros. Esse nível, na verdade, implica estabilidade; não é um tipo de associação à comunidade que requeira apenas o registro do usuário – como nos sites de jornalismo participativo. Essa associação requer participação efetiva, constante, significativa para a manutenção da própria comunidade. Quanto mais participativo o usuário dentro de uma CV, mais apto ele se tornará na manipulação da tecnologia (suporte), no domínio dos gêneros digitais existentes, na orientação de outros

42 Original: “…without the notion of common-public-space the notion of virtual community loses its value by becoming indistinguishable from many other forms of CMC.”

membros menos experientes (interação), no engajamento de discussões mais calorosas (prática discursiva). E mais, mesmo que não haja uma orientação dos membros mais experientes em relação aos novatos, todo o conteúdo publicado pelos participantes dos sites de jornalismo participativo servem para construir o seu ethos discursivo. Isso ocorre porque há um hiperlink no nome do autor que direciona os leitores às publicações desse indivíduo. O que ele produz contribui (ou não) para sua credibilidade dentro da CV.

Na realidade, esse nível mínimo de associação identifica certos usuários como sendo novatos, intermediários, administradores, moderadores, enfim, qualquer que seja a função que possa ser exercida em um site de rede social. Nesses casos, não é apenas a associação, mas a participação do usuário que lhe determina o exercício da autoria como uma prática discursiva multitarefa, multimodal, intertextual e interdiscursiva. A partir de uma prática interativa com outros, por meio da produção de gêneros digitais que atendam às necessidades de certa comunidade virtual, os usuários passam a gozar do status de autor. Quanto mais relevantes e confiáveis forem suas contribuições para a comunidade (fitting response), mais respeito esses usuários gozarão entre os outros membros. Trata-se de uma relação de confiança entre os membros menos experientes ou com menos contribuições à comunidade e os membros mais antigos, com maior domínio e mais contribuições no processo de manutenção da comunidade. Nesse sentido, podemos apontar que a participação dos usuários nas atividades de produção discursiva (produção de gêneros digitais) de uma CV e a relação de confiança estabelecida por meio dessas produções são fatores que determinam a existência da autoria na Internet.

Uma outra discussão bastante interessante sobre as CV é a proposta por Lèvy (2003). Embora ele não trate especificamente de comunidades virtuais em seus trabalhos, a sua perspectiva teórica sobre o tema merece atenção, já que ele concebe as CV como o segundo princípio da cibercultura (os outros dois são a interconexão e a inteligência coletiva), o qual

é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns [...], sobre processos abertos de colaboração (LÈVY, 2003, p. 130).

Ou seja, uma CV está fundada, essencialmente, sobre o pilar da cooperação mútua a partir de interesses particulares. Essa cooperação, na verdade, é ação mediadora da audiência sobre o discurso com o objetivo de alcançar uma certa mudança social. De fato, a sua definição de CV não inclui referência, também, a uma base territorial em comum, pois uma

CV, para o autor, é

construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais (LÈVY, 2003, p. 130).

Novamente, enfrentamos o mesmo problema discutido anteriormente em relação à definição de Rheingold. Curioso é notar que Lèvy, mesmo não incluindo a questão de um espaço territorial em comum para a existência de uma CV, afirma adiante que os seus membros “dispõem agora de um lugar familiar de encontro e troca” (LÈVY, 2003, p. 130). Ora, qual é, de fato, este lugar? O ciberespaço como um todo, isto é, toda a Internet? Ou apenas os ciberlugares, os sites de redes sociais, como propostos por Jones (1997)? A resposta a essas questões já havia sido respondida por ele ao afirmar que “o mundo virtual (o ciberespaço) é apenas um suporte para processos cognitivos, sociais, e afetivos que ocorrem entre indivíduos bem reais.” (LÈVY, 1998, p. 100). Esses suportes, para ele, “são dispositivos que contribuem para a produção de uma inteligência coletiva ou de uma imaginação coletiva.” (LÈVY, 2003, p. 110).

Em sua discussão a respeito dos suportes, ele não afirma que estes devam ser sites de redes sociais ou aplicativos que funcionem em ambientes online (jogos, por exemplo). De fato, ele apenas sugere características que estruturem a forma como a inteligência coletiva deva ser explorada/aproveitada a partir da arquitetura desses suportes. Não nos interessa discutir quais são essas características, já que o próprio autor, ao tratar das CV, dedica-se muito mais à discussão do aproveitamento da inteligência coletiva, do que às formas de organização dessa inteligência no interior das CV, isto é, da sua organização propriamente dita. O estudioso afirma que uma comunidade virtual “é uma inteligência coletiva em potencial” (LÈVY, 2003, p. 133).

A questão central no pensamento de Lèvy sobre as CV não é exatamente como tais agrupamentos humanos estão organizados ou como é o seu funcionamento, mas sobre o programa da cibercultura. Para ele, interconexão, comunidade virtual e inteligência coletiva são processos inacabados que não encerram nem totalizam o programa da cibercultura. Estes seriam, no dizer de Bitzer (1968, p. 14), “imperfeições a serem modificadas por meio do discurso.”43 Este, por sua vez, é um programa sem objetivo nem conteúdo definidos, cujo

princípio é um “movimento contínuo de interconexão rumo a uma comunicação interativa de

todos com todos” (LÈVY, 2003, p. 133). O que o estudioso francês propõe é que entendamos a cibercultura como um universal não totalizante ou, em suas palavras: “quanto mais universal [extenso, interconectado, interativo], menos totalizável” (LÈVY, 2003, p. 120). Isso quer dizer que quanto mais interconectadas e interativas forem as ações dos indivíduos no ciberespaço menos redutíveis a um único sentido tais ações serão.

Do ponto de vista discursivo, tal proposição é bastante rica. Se pensarmos que a autoria nas CV acontece através da produção discursiva, porque parecem ser respostas adequadas (fitting responses) de situações retóricas, não mais teremos o autor clássico como sendo o único centro das verdades. Ou seja, a autoria na Internet (e por que não no meio não virtual também?) não está limitada a um centro de significações, mas a vários centros de significados. Ela é universal porque não é totalizável. Nesse sentido, as CV desempenham um papel relevante para a ocorrência da autoria pelo fato de destituírem o autor empírico do seu papel de detentor do sentido de uma obra, tal como postulava Barthes (2004b), discutido por nós no capítulo anterior. Creio que aqui tenhamos aquilo que Kunh (2000) apontava em relação à mudança de paradigmas na história e desenvolvimento da Ciência. Estamos diante de um paradigma relativamente novo, no qual a imagem do autor empírico não é o centro de significados porque, entre outras coisas, esse centro não é mais único, mas múltiplo.

A crítica pertinente ao pensamento de Lèvy é que ele observa a inteligência coletiva, a cibercultura e todos os elementos relacionados com um certo deslumbre. Sua visão do ciberespaço chega, em alguns momentos, a utopia. Ao nosso ver, o teórico parece negligenciar fatores como conflitos de interesse, relações de poder, limitações educacionais, econômicas e culturais presentes no ciberespaço. A nossa leitura sobre os seus trabalhos nos permitem apontar que sua visão de ciberespaço é construída a partir de uma leitura absolutamente nova dos espaços de interação humanas. O ciberespaço, para ele, se constrói a partir de uma perfeição que não pode ser identificada no mundo real. A inteligência coletiva é um projeto no qual os seres humanos já vivenciaram o Apocalipse bíblico e estão experimentando novos céus e novas terras. Cremos que há vários aspectos que merecem ser revistos na obra deste