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Foucault: o Autor como Instaurador de Discursividade

1.3 O Autor em Barthes, Foucault e Bakhtin

1.3.2 Foucault: o Autor como Instaurador de Discursividade

Em 1969, um ano após a publicação do ensaio de Barthes, o historiador e filósofo M. Foucault reabre a discussão iniciada pelo semiólogo francês. Com o texto O que é um autor?, Foucault defende que um autor é apenas uma das várias posições ocupadas pelos sujeitos. Na verdade, uma função, dentre as várias funções possíveis que realiza um sujeito sócio- historicamente situado. É interessante observar que Foucault não parte de um questionamento que busca identificar uma identidade, mas sim de como se constitui uma categoria: o título de seu trabalho indaga o que é um autor? ao invés de identificar quem é esse autor?.

O interesse de Foucault é investigar as condições de funcionamento de práticas discursivas no seio da sociedade e, para tanto, já explicita logo no início do seu texto, como mencionamos anteriormente, que uma teoria da obra não existe13. Uma teoria que possa

revelar, através da escrita, como certos discursos se realizam e funcionam em um determinado meio social. Para o filósofo francês, a escrita é entendida como uma ausência, isto é, ela dispensa uma referência ao outro, ao sujeito identificável, ao autor empírico. Tal identificação de um sujeito carregado de referências subjetivas (para compreensão de uma obra) foi o papel desempenhado pela crítica do séc. XIX, isto é, a crítica buscava na identidade do autor a justificativa para o sentido de uma obra. Percebemos, assim, uma aproximação entre o ensaio de Barthes A morte do autor e o referido ensaio/conferência de Foucault no tocante à concepção de escrita como ausência – ausência da pessoa, do ser empírico.

Contudo, como argumentamos anteriormente, Barthes (2004b) encerra a possibilidade de qualquer identificação do nome do autor como forma de atribuição de significados a um texto. Foucault (1998) considera que o nome do autor, a sua identidade, não é apenas um

13 É bem verdade que, posteriormente, Foucault retoma essa questão em seu 'Arqueologia do saber', afirmando que uma obra pressupõe a existência de um foco de consciência cujos enunciados seriam a forma mais visível de expressão. Ver Maingueneau (2010) a esse respeito.

nome próprio (que deva ser assassinado, segundo Barthes), mas é um nome que “[...] tem outras funções que não apenas as indicadoras” (1998, p. 42), ou mesmo as identificadoras. O nome próprio e o nome do autor nem são isomórficos nem funcionam do mesmo modo, mas possuem uma certa ligação situada entre a descrição e a designação. Para Foucault, o nome do autor nomeia, designa, caracteriza, refere, interfere e condiciona uma rede de significados sócio-históricos e estéticos, bem como assegura uma função classificativa. Para ele

o nome do autor serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso. [...] um discurso flutuante e passageiro, imediatamente consumível, mas que se trata de um discurso que deve ser recebido de certa maneira e que deve, numa determinada cultura, receber um certo estatuto (FOUCAULT, 1998, p. 45).

É exatamente nesse ponto que suas considerações sobre autor/autoria começam a tomar uma forma mais consistente. Para o historiador francês, os discursos que são recebidos de uma certa maneira, em uma determinada cultura só o são recebidos assim porque o sujeito que produz esses discursos está desempenhando uma função específica: a função-autor. O nome do autor manifesta a instauração de uma discursividade por meio dessa função. E por essa razão, alguns discursos são recebidos de uma certa maneira em uma certa cultura, enquanto outros não o são. Novamente se põe em evidência a questão do ethos discursivo para a produção e recepção de um dado discurso.

Exercer essa função-autor é um dos procedimentos sob o qual uma dada prática discursiva é socialmente controlada e restringida. As restrições permitem identificar o que pode ser dito, quando pode ser dito e por quem pode ser dito, propiciando um efeito de atribuição de autoria (FAIRCLOUGH, [2001] 2008).

Nesse sentido, podemos afirmar que há práticas discursivas providas e desprovidas da função-autor, do efeito de atribuição de autoria. E isso nos é bem evidente ao observarmos o modo de funcionamento de certas práticas discursivas na Internet. Nem todos os discursos circulantes que resultam dessas práticas nos sites diggs ou nos sites de jornalismo participativo recebem o mesmo estatuto. O conjunto de traços caraterísticos desses sites de redes sociais irá determinar o modo de funcionamento e circulação de certos gêneros em detrimento de outros e, consequentemente, a atribuição do efeito de autoria. Mas não somente na Internet. Lembremos dos gêneros primários propostos por Bakhtin (2003). Uma lista de material escolar não constitui uma prática discursiva possível de se atribuir uma autoria, por exemplo. A questão é perceber quais condições de produção e quais formas dessas condições

de produção permite o sujeito aparecer no discurso e exercer uma dada função social.

No centro dessas regras culturais, que condicionam e propiciam a existência do discurso, está o indivíduo produtor desses discursos, desses gêneros. Ele está desempenhando uma, dentre tantas outras funções que o sujeito realiza. Neste caso em particular, os sujeitos desempenham uma função específica, permitindo-lhes que os seus discursos sejam recebidos de uma certa maneira nos sites de redes sociais. Isto lhes permite serem identificados como autores de um certo texto, de um certo gênero, pois esta função é “característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior da sociedade” (FOUCAULT, 1998, p. 46) ou, no caso de nosso trabalho, no interior dos sites de redes sociais. Ocorre nesse caso a atribuição do efeito de autoria.

Foucault identifica quatro características de um discurso portador da função-autor: 1. Objetos de apropriação.

2. Não se exerce de forma universal e constante sobre todos os discursos.

3. Não se forma espontaneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. 4. Todos os discursos providos da função-autor comportam um pluraridade de 'eus'.

Em relação à primeira característica, o autor pode apropriar-se do objeto construído por ele, ou seja, do seu discurso. Tal apropriação começa a existir a partir do momento em que se estabelecem regras sobre direitos do autor (sécs. XVIII e XIX). De acordo com Foucault, “os textos, os livros, os discursos começaram efetivamente a ter autores [...] na medida em que o autor se tornou passível de ser punido, isto é, na medida em que os discursos se tornaram transgressores.” (FOUCAULT, 1998, p. 47). Esse posicionamento aponta para o fato de que, na cultura ocidental, o discurso não era um objeto, mas um ato permitido ou proibido. Escrever era, essencialmente, isto: uma ação permitida ou proibida.

Em relação à segunda característica, notamos que os gêneros literários, na Idade Média, eram recebidos sem que houvesse necessidade do nome do autor. Do mesmo modo que os textos de divulgação científica, na mesma época, eram recebidos de maneira a se considerar o seu valor de verdade, não importando quem os assinou, não importando a identificação do autor empírico. Porém, no Renascimento, o anonimato não era mais suportável, pois os gêneros literários careciam de um autor. Eles precisavam possuir um discurso dotado da função-autor. Chartier (1999, p. 31) ilustra bem essa questão, pois

[…] da Idade Média à época moderna, frequentemente se definiu a obra pelo contrário da originalidade. Seja porque era inspirada por Deus: o escritor não era senão o escriba de uma Palavra que vinha de outro lugar. Seja porque era inscrita

numa tradição, e não tinha valor a não ser o de desenvolver, comentar, glosar aquilo que já estava ali. Antes dos séculos XVII e XVIII, há um momento original durante o qual, em torno de figuras como Christine de Pisan, na França, Dante, Petrarca, Boccácio, na Itália, alguns autores viram-se dotados de atributos que até então eram reservados aos autores clássicos da tradição antiga ou aos Padres da Igreja.

A partir dessas duas características apontadas por Foucault, podemos estabelecer uma relação com os artigos científicos: nas ciências exatas e naturais, em alguns casos, importa mais saber a veracidade da teoria e dos métodos de investigação do que propriamente descobrir o seu autor, tal é o caso dos artigos científicos dos laboratórios da indústria química e farmacêutica, por exemplo. O nome do autor ou o autor empírico serve para que se atribua uma maior credibilidade sobre o objeto de investigação científica (um novo composto, um novo método de análise). Mas a atribuição do nome do autor serve também para sua punição. Óbvio, não a punição de um herege, transgressor dos discursos políticos e religiosos de uma dada época, mas uma punição decorrente de uma prática não ética no fazer científico (Cf. Seção 1.2 deste capítulo). Entenda-se que a transgressão apontada por Foucault referia-se ao fato de que o discurso não era, em sua origem, um bem ou produto. Ele era essencialmente um ato. E como ato, encontrava-se no campo bipolar do permitido e do proibido, tanto religiosa quanto politicamente. A partir do momento em que se instauram as leis de propriedade intelectual, esse ato foi incorporado à escrita de modo que o autor compensava o

status alcançado praticando a transgressão. Ou seja, o que era da ordem dos objetos de

apropriação (o ato discursivo transgressor), passa a ser visto, com a lei dos direitos autorais, como um ato passível de punição penal (FOUCAULT, 1998, p. 47-48).

Já a terceira característica, para Foucault, diz respeito ao autor como “uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas se manifesta, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos fragmentos, etc.” (FOUCAULT, 1998, p. 53- 54). Sendo um foco de expressão manifestado através de formas mais ou menos acabadas, Foucault destaca que a função-autor não pode refletir a imagem do autor-criador, isto é, do autor-Deus (Cf. Barthes, 2004b). Essa instância criadora é apenas uma projeção dos traços característicos aproximativos que imputamos, com certa pertinência, ao indivíduo autor. Tal projeção é capaz de criar na figura de um indivíduo uma certa coerência discursiva, refletida no estilo próprio da escrita desse indivíduo. Ou, de acordo com Brandão (2004, p. 84), “o princípio do autor é o elemento que centraliza, que ordena, que dá unidade ao discurso, excluindo os possíveis elementos desviantes pelo ‘jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade do eu’”.

Na verdade, essa terceira característica da função-autor, essa coerência discursiva que põe em xeque a relação entre o autor e a obra, é discutida por São Jerônimo (citado por FOUCAULT, 1998), em um processo próximo à exegese cristã no desejo de provar o valor de um texto através da sua obra. De modo resumido (pois confundem-se, até certo ponto, com as quatro caraterísticas da função-autor), esses critérios podem ser listados como:

a. o autor é definido como um certo nível constante de valor;

b. o autor é definido como um certo campo de coerência conceitual; c. o autor é entendido como uma unidade estilística, e

d. o autor é encarado como momento histórico definido e ponto de encontro de um certo número de acontecimentos.

O filósofo francês discute os quatro critérios apresentados por São Jerônimo para apontar que eles “definem as quatro modalidades segundo as quais a crítica moderna põe em acção a função-autor” (FOUCAULT, 1998, p. 54). Porém, é exatamente ao confrontar esses critérios que Foucault considera a quarta e última característica da função-autor. E não sem razão, pois ele próprio afirma que o “texto traz sempre consigo um certo número de signos que reenviam para o autor” aspectos capazes de identificar “o locutor real e para as coordenadas espácio-temporais do discurso” (FOUCAULT, 1998, p. 54). Assim, a quarta característica da função-autor, a pluralidade de ‘eus’, nos indica que o ‘eu’ que fala em um conto não é o mesmo ‘eu’ que escreve o conto. Semelhantemente, o ‘eu’ que escreve um trabalho acadêmico não é o mesmo que afirma ‘eu concluo’, ‘eu suponho’ ao longo do texto.

Esse jogo enunciativo dos vários ‘eus’ aponta para duas direções: no primeiro caso, o ‘eu’ indica que um indivíduo singular, sem nenhuma equivalência, em um lugar e em um tempo determinados, realizou um determinado trabalho de composição/produção textual. O locutor realizou uma enunciação. Já no segundo caso, o ‘eu’ indica uma posição ocupada por qualquer indivíduo que aceite assumir o mesmo sistema de signos e símbolos, o mesmo conjunto de relações ocupado por um outro indivíduo singular. Nesse caso, o autor constrói o seu discurso. Contudo, o próprio teórico de As Palavras e as Coisas admite que esses ‘eus’ não são capazes de assegurar a função-autor, visto que ela “desempenha um papel de tal ordem que dá lugar à dispersão” simultânea dos ‘eus’” (FOUCAULT, 1998, p. 56).

A partir da identificação dessas quatro características, Foucault (1998) resume ao mesmo tempo em que define a função-autor afirmando que ela

[…] está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra, determina, articula o universo dos discursos; não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre

todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização; não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas através de uma série de operações específicas e complexas; não reenvia pura e simplesmente para um individuo real, podendo dar lugar a vários ‘eus’ em simultâneo, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos podem ocupar (FOULCAUT, 1998, p. 56).

Como o próprio Foucault atesta, através da identificação das características da função- autor, ele limita suas considerações aos autores de um livro ou obra aos quais se pode atribuir uma produção, isto é, aos autores legitimados (em sua maioria, autores literários ou de textos religiosos). Tal limitação justifica-se porque ele reconhece que existem outros tipos de autores, aqueles aos quais ele denomina de “fundadores de discursividade” (FOUCAULT, 1998, p. 58).

Esses fundadores de discursividade diferem dos autores literários porque eles possibilitaram e viabilizaram a regra de formação de outros discursos, “[e]les estabeleceram uma possibilidade indefinida de discursos” (FOUCAULT, 1998, p. 58). Estes instauradores de discursividade “não só tornaram possível um certo número de analogias como também tornaram possível um certo número de diferenças” (FOUCAULT, 1998, p. 59-60).

Para sustentar sua noção de instauração de discursividade, M. Foucault introduz a noção de retorno às origens. Uma noção que se opõe às noções de redescoberta e

reatualização. A noção de redescoberta implica uma nova leitura sobre um certo discurso que

pode ou não ocasionar uma nova teoria, um novo discurso. Já a noção de reatualização implica uma reinscrição de um discurso científico em um outro campo ou domínio como forma de aplicação ou mesmo como forma de atualização. Assim, a noção de retorno às

origens surge como uma necessidade de um esquecimento ilusório sobre o dito para inserção

de um novo dito. É esse novo dito que instaura a discursividade. As indicações no próprio texto permitem a localização dos signos que remetem ao autor que instaurou essa discursividade. A exemplo do pensamento barthesiano, Foucault também pensa no texto como sendo “feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo” (BARTHES, 2004b, p. 64).14 Note-se, aqui, que esse esquecimento

ilusório engloba os esquecimentos de nº 1 e 2 de M. Pêcheux (PÊCHEUX, 1975). Ao produzir

um novo dito, o sujeito esquece-se de que ele não é a origem do seu discurso ao mesmo tempo

14 É interessante relacionarmos as posições de Barthes e Foucault com o fenômeno da intertextualidade, destacando que a introdução do termo por Kristeva a partir da obra de Bakhtin ocorreu um pouco antes da publicação dos dois ensaios aqui discutidos. Ver Fiorin (2006, p. 162) para uma discussão mais aprofundada sobre o surgimento do termo intertextualidade.

em que, sendo novo o discurso (dito) e pelo fato de o sujeito ter retornado às origens para produzi-lo, ele retoma esse já-dito para dizê-lo de uma nova maneira, parafraseando-o.

Todavia, essa fundação ou instauração de discursividade nos coloca uma questão discutível relativa à autoria, em especial, à autoria na Internet. Como é evidente, os autores nos quais Foucault se baseia para tecer suas considerações teóricas são aqueles já legitimados pela crítica ou aqueles que, necessariamente, estão inseridos em algum tipo de atividade científica (ou que permitiram a instauração de uma cientificidade). Segundo o filósofo francês, ele limitou-se “ao autor entendido como autor de um texto, de um livro ou de uma obra a que se pode legitimamente atribuir a produção” (FOUCAULT, 1998, p. 57). Nesse sentido, como, então, considerar a possibilidade de instauração de uma discursividade a partir das práticas discursivas de um indivíduo que não é nem legitimado (no que se refere a um tipo de produção literária) tampouco está envolvido em pesquisas científicas, que não faça parte do mundo acadêmico (faculdades, universidades, centros de pesquisa, etc.), que não seja um cientista ou instaurador de uma cientificidade a priori? Parece-nos que, apenas quando existe a possibilidade de uma releitura ou aplicação de uma teoria, é possível identificar um determinado discurso – e o seu produtor – como fundador de uma discursividade. Esta não é a realidade que observamos nos sites de redes sociais presentes na Internet aos quais estamos nos referindo. As práticas discursivas que resultam na atribuição da autoria são bastante diferentes quando consideramos a autoria no ambiente online e mesmo em ambientes offline.

De fato, assumir o autor como um instaurador de discursividade, do modo como entende Foucault, não permite viabilizar a atribuição da autoria na Internet. Nenhum indivíduo pode se apropriar e tomar como sua a produção individual e exclusiva de um verbete da enciclopédia online Wikipédia, ou de qualquer outro site que funcione na Internet utilizando a mesma tecnologia. Ele não pode apropriar-se do seu discurso como objeto e, voluntariamente, atestar que ele é o único e exclusivo criador dele. Ele até poderá instaurar uma discursividade, mas não se apropriando do discurso criado como um objeto. Afinal, a discursividade foi instaurada, mas em um nível diferente. Não foi o autor empírico, mas o texto em si. Neste caso, já não importa “quem fala”, importa o discurso. Num outro caso, importam todos aqueles que falam, já que foram estes a realizar (ou desenvolver dialogicamente) o discurso. E isso já é uma propriedade inalienável de toda prática discursiva que, por natureza, caracteriza-se como intertextual, interdiscursiva, dialógica.

permite que sejam criadas obras derivadas, mas, necessariamente, essas obras não precisam ser dotadas de um caráter científico. Houve a instauração de uma discursividade que permitiu que outras obras fossem derivadas de uma obra inicial. Houve um retorno às origens mas que, obrigatoriamente, ocorreu a partir de uma necessidade de um esquecimento ilusório sobre o dito para inserção de um novo dito (esquecimento nº 2, apresentado acima). Nesse sentido, as noções de redescoberta e reatualização são partes complementares desse retorno. Poderíamos dizer que, atualmente e a partir das considerações de Lessig (2008, 2004b), esse esquecimento seria uma forma de Remixagem, que discutiremos no Cap. 3.

Devemos, obviamente, considerar que a função-autor é uma das funções possíveis da função sujeito e que, estando inserido em um momento social, cultural e historicamente definidos, esse mesmo sujeito instaura uma espécie de discursividade. Nesse sentido, é justo confirmar a definição de autor que Brandão (2004) identifica nos trabalhos de Foucault (1998, 2007) e de Orlandi e Guimarães (1986). Para ela, o autor é

a função social que esse eu assume enquanto produtor da linguagem. O autor é, dentre as dimensões enunciativas do sujeito, a que está mais determinada pela exterioridade (contexto sócio-histórico) e mais afetada pelas exigências de coerência, não contradição, responsabilidade (BRANDÃO, 2004, p. 84-85).

Entretanto, para nós a discursividade não implica uma prática discursiva que revele uma cientificidade a ser retomada para, só então, realizar-se a função-autor. Ao contrário, a função-autor realiza-se no instante mesmo em que existe uma prática discursiva que possa ser retomada por outros sujeitos de modo a redescobri-la e reatualizá-la. Essas ações permitirão que os sentidos dos textos não sejam apenas descobertos ou atribuídos pelo leitor, como propõe Barthes (2004b), mas sejam também reconhecidos como uma prática discursiva cujo sentido pode ser apreendido através da compreensão do sujeito produtor do discurso, isto é, da sua função como sujeito, do próprio discurso e também do sujeito que lê, que interpreta esse ato de autoria. É nessa necessidade do outro como parte constitutiva do efeito de autoria que discutimos a contribuição de M. Bakhtin sobre a noção de autor/autoria a seguir. Antes,