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Jean-François Sirinelli

* Tradução de Luiz Alberto Monjardim.

O assunto que me compete examinar aqui coincide bem com os dois temas que constituem o cerne desta coletânea: as culturas políticas e a memória. De fato, os intelectuais são, por seu ofício, os detentores do sentido das palavras: eles as forjam e as transmitem, e por isso mesmo se encontram nos dois lugares-chave da expressão cultural: a formulação e a transmissão. Seu papel na gênese e na circulação tanto das culturas políticas quanto de certos processos de memó- ria constitui, pois, uma realidade histórica inegável. Por outro lado, realmente parece difícil tratar aqui, dentro dos limites impostos, do conjunto dessa rea- lidade. Para dar conta de pelo menos um de seus aspectos, escolhi um ângulo de enfoque particularmente significativo: a crise que recentemente atingiu os intelectuais franceses. De fato, há no centro dessa crise um profundo abalo das culturas políticas. Ao escolher esse ângulo, deixo um pouco de lado um dos temas centrais desta coletânea, isto é, a memória, mas posso me deter em outro, anunciado em seu título: a historiografia. Para tanto, pretendo refletir aqui sobre a crise dos intelectuais franceses insistindo em dois aspectos diferentes, porém intrinsecamente ligados. Por um lado, qual a natureza dessa crise ocorrida no último quartel do século XX? Por outro, até mesmo em virtude dessa proximi-

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dade cronológica, quais as implicações historiográficas e epistemológicas dessa tendência da história do tempo presente?

Crise Crise ideológica ideológica e e crise crise identitáriaidentitária

É inegável a ligação entre os intelectuais e as culturas políticas. Num dado momento, sempre existem num determinado meio intelectual campos de forças ideológicas que determinam fenômenos de polarização e induzem a grandes magnetizações ideológicas e os fenômenos de atração daí decorrentes. Esses campos de forças contribuem, pois, para traçar os caminhos possíveis, naquele momento, para o engajamento dos intelectuais. Além dos fatores pessoais que tornam cada um deles mais ou menos sensível à atração exercida por esses campos de forças, e independentemente da via das correlações sociológicas tão caras aos seguidores da escola bourdieusiana que aí veem a chave para a expli- cação desses engajamentos, o fato é que estes se determinam em função das contingências de uma época e das respostas ideológicas que se apresentam a eles. Assim, os grandes embates dos intelectuais ao longo do século XX simul- taneamente refletiram e nutriram as grandes tendências ideológicas que foram se perpetuando e, ao mesmo tempo, se modificando ao longo de todo aquele século. Já no século XIX, a grande interrogação que percorreu o país inteiro — sobre qual regime político deveria ser adotado após o abalo sísmico de 1789 — até a consolidação da Terceira República contribuiu para que surgissem sis- temas de pensamento bastante coerentes e antagônicos, que se tornaram pola- ridades ideológicas em torno das quais se organizaram as grandes correntes de engajamento. Do mesmo modo, no entreguerras, e mais precisamente durante os anos 1930, foram as questões dos fascismos e do comunismo que contri- buíram para estruturar os debates e os posicionamentos com relação às lutas antifascista, à esquerda, e anticomunista, à direita. Após a II Guerra Mundial e a derrota dos fascismos, o centro de gravidade ideológico dos debates modificou- se novamente, ganhando uma configuração marcada pela atração ideológica do comunismo e a influência do Partido Comunista Francês. Foi somente na segunda metade dos anos 1950 que essa forte polarização começou a perder in- tensidade, seja diretamente, com os dois abalos do ano de 1956 — o relatório de Kruchov e depois os acontecimentos na Hungria —, seja indiretamente, com o reposicionamento dos intelectuais de esquerda em relação à luta anticolonislista, instigados pela guerra da Argélia.

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Esses intelectuais de esquerda continuaram predominando até a segunda metade dos anos 1970. Foi então que sobreveio para esses intelectuais franceses uma crise profunda, cujo momento de maior intensidade foi essa segunda meta- de da década de 1970. De fato, foram três grandes choques sucessivos que deram tamanha intensidade a essa crise. O primeiro foi o “efeito Soljenítsin”, a partir de 1974. Pode-se denominar assim a repercussão multiforme que tiveram então na França o livro Arquipélago Gulag e o processo de questionamento ideológico do marxismo por ele desencadeado, não mais somente à direita, onde há muito já existia a corrente antimarxista, mas também agora à esquerda. A forma mais

palpável desse questionamento foi o desenvolvimento de uma reflexão antitota- litarista, o que se deu ainda mais rapidamente porque nesse meio-tempo haviam ocorrido outros abalos.

De fato, um segundo choque havia abalado os intelectuais de esquerda após a morte de Mao Tsé-Tung. Na China, essa morte provocou rapidamente uma reavaliação que, sem atingir diretamente a imagem do Grande Timoneiro, veio a desgastar a imagem do país no exterior. Até então essa imagem era bas- tante positiva entre muitos intelectuais franceses, e o choque causado por tal desgaste enfraqueceu ainda mais a posição das grandes ideologias globalizantes para as quais Pequim, depois de Moscou, representara um dos epicentros de sua concretização política. E foi também da Ásia que veio, logo em seguida, o terceiro abalo a atingir a intelectualidade de esquerda. Esta, com efeito, por ocasião da queda de Phnom Penh e, depois, de Saigon na primavera de 1975, havia proclamado que o “imperialismo americano” fora vencido e que as lutas pela libertação nacional tinham tido assim um justo desfecho. Tal era, em todo caso, a análise comumente feita pela esquerda em meados daquela década. Logo, porém, veio a época dosboat people , refugiados que deixavam por mar o Vietnã comunista em circunstâncias não raro dramáticas, enfrentando todos os riscos para chegarem ao seu destino, caso sobrevivessem, em deploráveis condições físicas e de saúde. A constatação da dura situação desses refugiados, que eram muitos, suscitou questionamentos ideológicos entre os intelectuais que julgaram ver despontar no Vietnã, em 1975, uma era de liberdade e justiça. Isso estimulou também um sentimento de urgência humanitária que por vezes se tornou o substituto ou a saída de emergência para os grandes engajamentos ideológicos que agora pareciam inúteis. E a perplexidade de muitos intelectuais franceses em breve aumentou ainda mais com a descoberta da tragédia cambojana: entre

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1975 e 1978, cerca de um quarto da população cambojana foi exterminada pelo Khmer Vermelho em nome da construção de um mundo novo.

Após esses choques sucessivos, que foram como os três golpes anuncian- do o ato da crise, o final daquela década representou, para muitos intelectuais franceses, uma série de “anos órfãos”.1 De fato, esses intelectuais estavam viúvos

das grandes causas políticas que os haviam mobilizado nas décadas precedentes e, mais recentemente, dos grandes modelos políticos que tinham entusiasmado muitos deles, bem como de ideologias, como o marxismo-leninismo e suas diversas variantes, que haviam sustentado essas causas e inspirado tais modelos. Naquele momento, na virada de duas décadas e, portanto, cerca de 10 anos antes da reação em cadeia que acarretou a implosão dos regimes comunistas na Europa central e depois na Rússia, desencadeou-se na França uma crise multi- forme, intelectual e política, levando a uma clara modificação da configuração ideológica que prevalecera por várias décadas entre os meios intelectuais de esquerda. Os sintomas dessa crise eram muitos e convergentes: recuo do mar- xismo; corrosão dos modelos revolucionários substitutivos que, como Cuba ou a China, haviam sucedido à União Soviética quando a imagem desta começara a desgastar-se; e reavaliação do fenômeno totalitarista.

Essa crise política dos intelectuais contribuiu, ao longo da década seguinte, para a erosão de sua imagem e de sua influência no seio da sociedade francesa. E tal erosão foi tanto mais visível porque a essa espécie de depressão ideológica dos intelectuais de esquerda — até então estatisticamente dominantes na França e cuja crise só poderia mesmo ter grandes consequências — veio somar-se, ao longo dos anos 1980, uma crise identitária ainda maior porquanto dizia respei- to à categoria como um todo. Tal crise é especialmente evidente numa obra publicada em 1987 e que imediatamente teve grande repercussão: A derrota do pensamento, de Alain Finkielkraut. Nela o autor constata um “mal-estar na cultu- ra”, devido principalmente ao alargamento do campo “pretensamente cultural”. Tal relativismo cultural certamente já vinha manifestando-se há algum tempo, mas agora seus efeitos eram ainda mais perceptíveis porque os intelectuais sen- tiam diretamente suas consequências sobre o seu status e a sua influência: esse relativismo cultural e a concomitante escalada de uma cultura midiática que progressivamente introduzia novos formadores de opinião diluíam os contor- nos do movimento cultural até então essencialmente constituído de homens

1Lês années orphelines, 1968-78 (Os anos órfãos) é o título de um livro de Jean-Claude Guillebaud, pu-

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e mulheres provindos da esfera do impresso. A seu ver, o “vale-tudo cultural” acarretava um fenômeno de diluição da cultura e de seus atores, com o espectro cultural incluindo agora desde as chamadas artes maiores até o videoclipe, pas- sando pelos quadrinhos, a publicidade e orock. Assim, o diagnóstico interno era de um risco de perda de identidade.

A esse sentimento de perda se somava a profunda crise ideológica já men- cionada, bem refletida no outro livro-sintoma daquele ano de 1987. De fato, em seuElogio dos intelectuais, Bernard-Henri Lévy acrescentava a essa constatação de um relativismo cultural e do surgimento de novos formadores de opinião trazidos pela mídia o seu diagnóstico de uma grave distorção ideológica: além de ultrapassados pela mídia, os intelectuais corriam então o risco de perder a sua condição de arautos das grandes controvérsias nacionais. Assim, de acordo com o diagnóstico formulado internamente, a crise era também ideológica.

Além disso, no cruzamento dessas duas crises, o prognóstico vital estava lançado: no mesmo livro, Bernard-Henri Lévy dizia estar realmente preocupado com a espécie dos intelectuais, que corria o risco de haver desaparecido “no final do século XX”. O risco era, pois, uma espécie de desastre ecológico amea- çando uma espécie cujo ecossistema estaria desestabilizado dentro de alguns anos. Assim, o diagnóstico e o prognóstico misturavam-se numa sombria cons- tatação que colocava o historiador diante de duas questões essenciais, porém de natureza diversa. No plano da abordagem histórica dos intelectuais franceses, caberia falar de uma crise com relação a eles a partir dos anos 1970/80? E, em caso afirmativo, seria a amplitude dessa crise tão grande que se possa falar, na França em fins do século XX, de desaparecimento dos intelectuais?

Crise Crise ou ou mutação?mutação?

Se a crise é inegável e, portanto, o historiador pode com razão utilizar esse termo para caracterizar a situação dos intelectuais nesse momento, é necessário ao mesmo tempo especificar e relativizar. Especificar é mostrar que essa crise foi tão profunda que ganhou a aparência de uma reação em cadeia. Relativizar é, como veremos, constatar que essa reação em cadeia não representa no entanto um desastre ecológico.

De fato, após os grandes abalos ideológicos e identitários ocorridos mais ou menos à mesma época, os intelectuais à antiga foram perdendo progressiva- mente suas prerrogativas, depois de sofrerem uma dupla erosão. Erosão de sua

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influência, acima de tudo: tomar por princípio que esses intelectuais eram, em essência, clarividentes e portanto capazes de prescrever e orientar era algo que não mais passava pela cabeça de ninguém, a começar pelos próprios interessados. Erosão de sua credibilidade, de modo mais geral: como se haviam enganado, por vezes, com relação a fatos que diziam respeito ao destino de povos inteiros, eles não podiam se apresentar como os sacerdotes da razão.

De resto, vários indícios refletiam naquele momento essa espécie de defla- ção dos intelectuais no seio da sociedade francesa. Assim, em novembro/dezem- bro de 1986, durante as grandes manifestações contra uma proposta de aumento das taxas de matrícula nas universidades, uma pesquisa feita entre os estudantes sobre as personalidades culturais de sua preferência registrou como nomes mais citados os de três cantores (Daniel Balavoine, Renaud e Jean-Jacques Gold- man) e um cômico (Coluche). Três décadas antes, em 1957, quando o jornal

L’Express, numa pesquisa sobre a “nouvelle vague”, interrogara os jovens sobre suas figuras culturais de referência, os nomes que encabeçavam a lista eram os de Jean-Paul Sartre, André Gide e François Mauriac. Na França dos anos 1980, prestes a passar do reino da escrita para o da imagem e do som, os homens cujas palavras tinham mais apelo para os jovens não eram necessariamente os homens de ideias admirados como tais.

O colapso das grandes ideologias globalizantes — e não mais apenas a sua crise — e a consequente extinção de seu papel estruturante, bem como a ausência, cada vez mais patente, da confrontação intelectual binária contri- buindo, como no passado, para polarizar o debate cívico foram provavelmente fatores decisivos para que homens e mulheres provindos da esfera da imagem e do som fossem alçados à condição de formadores de opinião. Foi o que se viu também por ocasião da eleição presidencial de 1988. Uma comparação entre esta e a eleição anterior é bastante esclarecedora no que diz respeito ao papel dos intelectuais. Sobretudo se examinarmos mais particularmente a plataforma eleitoral do principal candidato de esquerda, François Mitterrand. Se em 1981 o apoio dos intelectuais tivera aí um papel considerável, sete anos mais tarde esse apoio, mesmo sem deixar de existir, já não era mais um elemento central dessa plataforma, mesmo em sua vertente cultural. Nesta destacaram-se sobretudo os posicionamentos do ator Gérard Depardieu e do cantor Renaud. Ora, no passa- do, já tínhamos visto homens e mulheres de cultura se manifestarem com maior densidade intelectual, maior teor ideológico e maior capacidade de explicitar e enriquecer o debate cívico!

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Portanto, houve uma crise, inegavelmente. Mas, teria a espécie dos inte- lectuais desaparecido num tipo de desastre ecológico? O processo, na verdade, foi singularmente mais complexo. Certamente, como vimos, em 1987, em seu

Elogio dos intelectuais, Bernard-Henri Lévy mostrara-se temeroso de tal desastre ecológico: os intelectuais corriam o risco de terem desaparecido “no final do século XX”. Mais prosaicamente, alguns anos antes, em 1983, o escritor Max Gallo, lamentando o silêncio dos intelectuais de esquerda, havia perguntado: “onde estão os Gide, os Malraux, os Alain, os Langevin de hoje?”. Treze anos mais tarde, em todo caso, parte da resposta parece ter sido dada pela atualidade comemorativa: “os Malraux ingressam no Panteão”. De fato, em 1996, a liturgia republicana acolheu entre seus grandes homens o autor de A esperança, asso- ciando-o simbolicamente a outros escritores já homenageados e propondo uma genealogia implícita dos intelectuais engajados: os grandes ancestrais, Voltaire, Rousseau e Hugo, Zola, o pai fundador do ciclo dreyfusiano, e Malraux, o ar- quétipo do intelectual engajado, companheiro de jornada do PCF no tempo do antifascismo dos anos 1930 e também aliado do general De Gaulle após a guer- ra. Seria assim o complemento trazido a esse círculo de escritores desaparecidos o reflexo de um ciclo que se encerrava quase um século após ter se iniciado com o caso Dreyfus? E essa beatificação laica de Malraux não seria na verdade o anúncio do fim de certo tipo de engajamento dos homens de letras na vida cívica? Da ágora ao Panteão, estaria assim fechado o ciclo?

A espécie, na verdade, não havia desaparecido: as convulsões e as tragédias na ex-Iugoslávia ao longo dos anos 1990 deram ensejo a engajamentos, enquan- to no plano interno os movimentos sociais de novembro/dezembro de 1995 serviram igualmente de motivo para manifestações. Porém, mesmo assim reati- vada, a figura do intelectual engajado conservou da crise ideológica e identitária das décadas anteriores uma aparência crepuscular, com contornos mais vagos e repercussão indistinta. Contornos mais vagos? Esse fenômeno de desrealização foi particularmente perceptível em fevereiro de 1997, por ocasião da acirrada polêmica em torno dos comprovantes de hospedagem previstos pela “Lei De- bré”. Se foram, de fato, os jovens cineastas que tomaram as primeiras iniciativas de oposição ao projeto, também foram eles a quem a imprensa e os observado- res repetidamente chamaram de intelectuais. Além disso, mais que a imprensa, foram o rádio e sobretudo a televisão os agentes da repercussão-amplificação da contestação. A identidade cultural dos primeiros atores e os veículos que con- feriram densidade ao movimento eram reveladores das lentas porém profundas

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mutações socioculturais em curso nessa França de fim de século. Apenas três meses depois que a República, através de Malraux, havia homenageado — mas também, de certo modo, embalsamado — os heróis de um ciclo iniciado com o caso Dreyfus, a mídia batizava de intelectuais homens e mulheres provindos de novos veículos culturais, arautos, portanto, da imagem e do som numa so- ciedade cada vez mais por eles impregnada. Assim, foi um verdadeiro efeito de abismo que então se produziu: foi a esfera da comunicação que qualificou de intelectuais os atores da cena cívica provindos daquela esfera. A “videoesfera” (Régis Debray) passava a concorrer com o impresso nos domínios onde os ato- res prediletos tinham sido por muito tempo os intelectuais clássicos, cujas raízes mergulhavam no adubo cultural da palavra escrita.

A influência destes últimos tornou-se então menos distinta, com seus po- sicionamentos tendo doravante de competir na ágora com outros discursos pú- blicos tornados mais audíveis e proferidos por atores doravante mais visíveis que esses intelectuais clássicos. A tal ponto, aliás, que, a partir do momento em que a sociedade reteve a seu respeito a denominação de intelectual, forçoso é cons- tatar que eles se constituíramde facto em intelectuais do terceiro tipo, surgidos, como já vimos, por volta de 1986, após os intelectuais da linha dreyfusiana e aqueles de rupturas revolucionárias, duas categorias cuja função social e cujas formas de expressão eram sustentadas sobretudo pelo impresso. Assim como na globalização socioeconômica, a França havia ingressado na “videoesfera” cultu- ral e, também nesse domínio, agora nada mais seria como antes.

Fazer Fazer a a história história do do tempo tempo presente presente dos dos intelectuaisintelectuais

Se até aqui examinamos em linhas gerais esse processo complexo de cri- se-mutação, seria necessário um estudo mais aprofundado para analisar detida- mente todos os seus aspectos. Mas esse estudo implica necessariamente duas dificuldades principais para o historiador no tocante a dois registros diferentes, o historiográfico e o epistemológico. De fato, por um lado, compete-lhe explicar essa mutação ou, em outras palavras, fazer a história do tempo presente do meio intelectual. Por outro, tal mutação complica bastante a sua tarefa porque, como é seu próprio objeto de estudo que muda de natureza, ele tem de realizar um verdadeiro trabalho de acomodação, no sentido óptico do termo, para manter o objeto em seu campo de investigação. São esses dois pontos que pretendemos abordar aqui, chegando assim à vertente historiográfica do tema em questão.

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Fazer a história do tempo presente dos intelectuais acarreta dificuldades específicas. Se quisermos, por exemplo, identificar as tendências mais impor- tantes no campo ideológico, campo obviamente essencial para a história dos intelectuais, teremos dificuldade para percebê-las se não pudermos colocá-las em perspectiva, tomando para tanto certa distância. Caso contrário o historia-