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Cultura Política Memória e Historiografia- Cecilia Azevedo

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Academic year: 2021

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Texto

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Organizadores

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TEXTOS DE: Ana Maria Mauad • Andréa Telo da Corte • Antônio Carlos Jucá de Sampaio • Cecília Azevedo • Denis Rolland • Denise Rollemberg • Eliane Cantarino O’Dwyer • Hebe Mattos • Ismênia de Lima Martins • Jean-François Sirinelli • João Fragoso • João Pacheco de Oliveira • Jorge Ferreira • Juan Suriano • Maria Fernanda Baptista Bicalho • María Inés Mudrovcic • Maria Regina Celestino de Almeida • Marta Zambrano • Norberto Ferreras • Paulo Knauss • Philippe Joutard • Pierre Laborie • Rachel Soihet • Samantha Viz

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Copyright © 2009 Cecília Azevedo, Denise Rollemberg, Maria Fernanda Baptista Bicalho, Paulo Knauss e Samantha Viz Quadrat

Todos os direitos reservados à Editora FGV. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei no 9.610/98).

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que vigora no Brasil desde setembro de 2008.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

1a edição — 2009

PreParação d e originais : Luiz Alberto Monjardim

revisão : Fatima Caroni e Luciana Figueiredo

diagramação : FA Editoração

CA PA: André Castro

EDITORA FGV

Rua Jornalista Orlando Dantas, 37 22231-010 | Rio de Janeiro, RJ | Brasil

Tels.: 0800-021-7777 | 21-3799-4427 Fax: 21-3799-4430

E-mail: editora@fgv.br | pedidoseditora@fgv.br www.fgv.br/editora

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen / FGV

Cultura política, memória e historiografia / Orgs. Cecília Azevedo.. . [et al.]. — Rio de Janeiro : Editora FGV , 2009.

544 p.

Resultado do Seminário Internacional Culturas Políticas, Memória e Historiografia, realizado em 2008, na Universidade Federal Fluminense.

ISBN: 978-85-225-1117-4

1. Cultura política. 2. Historiografia. I. Aze vedo, Cecília. II. Fundação Getulio Vargas.

(6)

À nossa colega Maria de Fátima Silva Gouvêa,

porque a conservamos na memória

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Sumário

Sumário

11

11 Apresentação

Apresentação

15

15 Introdução

Introdução

PPARTEARTE

I Cultura, política e identidade

I Cultura, política e identidade

29

29

1. Culturas políticas e historiografia |Serge Berstein

47

47

2. Os intelectuais do final do século XX: abordagens históricas e configurações historiográficas | Jean-François Sirinelli

59

59

3. Memória e identidade nacional: o exemplo dos Estados Unidos e da França | Philippe Joutard

79

79

4. Memória e opinião |Pierre Laborie P

PARTEARTE II Memória e historiograa II Memória e historiograa

101

101

5. Por que Clio retornou a Mnemosine? | María Inés Mudrovcic

117

117

6. Imigração, cidade e memória | Ismênia de Lima Martins e Andréa Telo da Corte

133

133

7. Memória e historiografia no Oitocentos: a escravidão como história do tempo presente |Hebe Mattos

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PPARTEARTE

III Culturas políticas e

III Culturas políticas e lutas sociais

lutas sociais

155

155

8. Cultura e política anarquista em Buenos Aires no começo do século XX | Juan Suriano

173

173

9. Entre o comício e a mensagem: o presidente Goulart, as esquerdas e a crise política de março de 1964 | Jorge Ferreira

189

189

10. Mulheres em luta contra a violência: forjando uma cultura políticafeminista |Rachel Soihet

P

PARTEARTE

IV Identidade e política

IV Identidade e política

211

211

11. Cultura política indígena e política indigenista: reflexões sobre etnicidade e classificações étnicas de índios e mestiços

(Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX) |Maria Regina Celestino de Almeida

229

229

12. As mortes do indígena no Império do Brasil: o indianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos |

João Pacheco de Oliveira

269

269

13. Terras de quilombo: identidade étnica e os caminhos do reconhecimento |Eliane Cantarino O’Dwyer

287

287

14. Entre a reivindicação e a exotização: mobilidade étnica, agentes estatais e políticas multiculturais na Colômbia |Marta Zambrano

PPARTEARTE

V Culturas políticas no Antigo Regime

V Culturas políticas no Antigo Regime

315

315

15. A reforma monetária, o rapto de noivas e o escravo cabra José Batista: notas sobre hierarquias sociais costumeiras na

monarquia pluricontinental lusa (séculos XVII e XVIII) | João Fragoso

343

343

16. Do bem comum dos povos e de Sua Majestade: a criação da Mesa do Bem Comum do Comércio do Rio de Janeiro (1753) | Antônio Carlos Jucá de Sampaio

357

357

17. Cultura política, governo e jurisdição no Antigo Regime e na América portuguesa: uma releitura do ofício de vice-rei do Estado do Brasil |Maria Fernanda Baptista Bicalho

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PPARTEARTE

VI Cultura e memória no tempo

VI Cultura e memória no tempo presente

presente

377

377

18. Ditadura, intelectuais e sociedade:O Bem-Amado de Dias Gomes |Denise Rollemberg

399

399

19. “Para Tata, com carinho!”: a boa memória do pinochetismo | Samantha Viz Quadrat

419

419

20. 1968 do Rio a Paris, história e memória: registros de sentidoe amnésias locais da história comparada |Denis Rolland

PPARTEARTE

VII Culturas políticas e lugares de memória

VII Culturas políticas e lugares de memória

445

445

21. Cultura política e lugares de memória | Ulpiano T. Bezerra de Meneses

465

465

22. Culturas políticas e lugares de memória: batalhas identitárias nos EUA |Cecília Azevedo

493

493

23. A fotógrafa, a cantora e as imagens da boa vizinhança | Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel

515

515

24. A memória mutante do peronismo: arte e ideias na Argentina contemporânea |Norberto Ferreras

537

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Apresentação

Apresentação

O projeto Pronex Culturas Políticas e Usos do Passado — Memória, Historio-grafia e Ensino da História reúne um conjunto de grupos, núcleos de pesquisa e professores brasileiros, quase todos sediados no Rio de Janeiro, atuantes em várias universidades (UFF, UFRJ, Uerj, UFRRJ, PUC, Ucam, Unicamp, Iuperj), tendo como objetivo estabelecer intercâmbios e trabalhos de diversas naturezas numa perspectiva interdisciplinar e interinstitucional.

O projeto, desde 2007, tem sido apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), no âmbito do Programa Nacional de Núcleos de Excelência (Pronex). A partir de então, te-mos desenvolvido atividades de pesquisa; apoiado a participação de professores e pós-graduandos em encontros nacionais e internacionais; realizado oficinas e cursos de extensão; promovido concursos e premiações para as melhores teses e dissertações produzidas sob orientação dos professores participantes do projeto; financiado publicações e adquirido equipamentos necessários à melhoria da infraestrutura de que dispomos para o trabalho acadêmico.

Faltaria acrescentar, para que o enunciado dos propósitos fosse completo, um de nossos principais objetivos: estabelecer e desenvolver intercâmbios com pesquisadores nacionais e estrangeiros. Nessa perspectiva, organizamos dois se-minários em 2008, voltados respectivamente para o estudo e o debate doEnsino

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❚ Cultura política, memória e historiograa

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da História, de âmbito nacional, em junho, e deCulturas Políticas, Memória e Historiografia, de caráter internacional, em agosto. No ano de 2009 realizamos um terceiro seminário, também internacional, dedicado aos projetos de Moder-nidades Alternativas aos modelos liberais (séculos XIX e XX). Os textos então debatidos serão publicados até o fim do primeiro semestre de 2010.

Tanto os encontros realizados em 2008 quanto o que se realizou em 2009 foram pensados e organizados como plataformas para um trabalho conjunto e a longo prazo, como bases seguras de um diálogo — necessariamente plural, na boa tradição acadêmica — que desejamos se estenda e se construa no tempo, enriquecendo as referências e as possibilidades da produção (em pesquisa, do-cência e extensão) de todos(as) que deles têm participado e participarão.

O presente livro apresenta os textos (conferências e comunicações) ela-borados e debatidos no segundo seminário: Culturas Políticas, Memória e His-toriografia, realizado entre 26 e 29 de agosto de 2008 no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Área de História, Niterói, Rio de Janeiro.

Do seminário constaram três conferências e seis mesas-redondas, reunindo 24 pesquisadores — 15 brasileiros e nove de outros países (França, Argentina e Colômbia) —, que em quatro dias de intensos debates produziram, estamos seguros, contribuições que enriquecerão a reflexão sobre os temas considerados. A todos, nosso reconhecimento e nossa gratidão.

Não poderíamos concluir a apresentação sem formular outros merecidos agradecimentos. No plano institucional, ao CNPq e à Faperj. Ao Consulado-Geral da França no Rio de Janeiro, na pessoa de Jean-Claude Reith, adido cul-tural. Na UFF, ao ICHF e ao Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), pelo incentivo e apoio; ao Núcleo de Tecnologia e Informação (NTI)/Comis-são de Desenvolvimento de Novas Tecnologias e ao Canal Universitário de Niterói, da Pró-Reitoria de Extensão, que viabilizaram filmagens e transmissão dos debates pelo canal universitário e pela internet, ampliando o alcance do evento, acessado por usuários do Brasil e do exterior. Inauguramos esse sistema no ICHF graças aos esforços de Augusto Fernandes Carneiro, José Luiz Sanz de Oliveira e Thiago Ribeiro, dos órgãos citados, e de Gilciano Menezes, que con-tinua a trabalhar para colocar à disposição de todos os interessados uma edição do evento em vídeo.

Entre os(as) professores(as) do projeto, além de todos os que participaram do seminário, cabe ressaltar de maneira enfática o trabalho excelente da

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comis-Apresentação ❚ 1313

são de organização do evento, constituída pelos(as) professores(as) Cecília Aze-vedo (coordenadora), Denise Rollemberg, Samantha Viz Quadrat, Paulo Knauss e Maria Fernanda Baptista Bicalho, responsáveis também pela organização deste volume. E a fidalguia da professora Ismênia Martins, generosa, como sempre, na recepção aos convidados(as). Devemos igualmente um especial agradecimento à doutoranda Janaina Martins Cordeiro, sem cujo senso de organização, decisivo, o seminário não teria alcançado os objetivos a que se propôs. Cabe ainda men-cionar o apoio dos seguintes graduandos em história da UFF: Bianca Jagger, Bianca Rihan, Breno Bresot, Daiana Andrade, Denise Vieira Demétrio, Elizabe-th Castelano, Emilly Feitosa, Erika Cardoso, Giordano Bruno dos Reis Santos, Juliana Conceição, Marcela Fogagnoli, Marco Mazzillo, Mariana Bruce,

Natá-lia Scheiner, Paula Rollo, Renata Santos, Silvana Santamarina e Suane Felippe Soares. Gentis, eficientes, indispensáveis. Nos dias do seminário, a contribuição de todos(as) eles(as) garantiu o bom andamento do encontro.

O seminário internacionalCulturas Políticas, Memória e Historiografia foi um êxito. Cabe agora a todos nós, integrantes do projeto, manter e aprofundar o diálogo construído: que ele seja permanente, para se tornar fecundo.

Daniel Aarão Reis

Coordenador do projeto Pronex Culturas Políticas e Usos do Passado — Memória, Historiografia e Ensino da História.

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Introdução

Introdução

Este livro é resultado do seminário Culturas Políticas, Memória e Historiografia, que reuniu em torno do tema geral contribuições de colegas brasileiros e es-trangeirosNosso seminário teve o privilégio de contar com conferências de histo-.

riadores com trabalhos consagrados internacionalmente: Jean-François Sirinelli, Philippe Joutard e Pierre Laborie. Seus textos integram a primeira parte desta coletânea, juntamente com o de Serge Berstein que, convidado, não pôde estar entre nós, por motivo de força maior. Entretanto,autorizou a publicação do texto que seria apresentado como conferência, sob o título “Culturas políti-cas e historiografia”,temática tão cara à historiografia francesa como à nossa. Ampliam-se então as possibilidades de leitura do pesquisador brasileiro, com a tradução, pela primeira vez no Brasil, desse celebrado historiador contempo-râneo. Aqui, como em suas obras, os conceitos de cultura política e memória evidenciam-se como instrumentos preciosos na pesquisa histórica.Sob a ótica de Berstein, o conceito de cultura política tem sido uma refe-rência de pesquisadores ligados a núcleos e laboratórios da Área de História da UFF, assim como de outros pesquisadores integrantes do projetoCulturas Políti-cas e Usos do Passado — Memória, Historiografia e Ensino da História, apoiado pelo programa Pronex (CNPq/Faperj). Pensado na interseção da história política com a história cultural, enriquecendo-se de uma e outra, revela-se essencial para

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❚ Cultura política, memória e historiograa

16 16

a compreensão dos comportamentos políticos individuais e coletivos, uma vez que respondem a umsistema complexo de representações pleno de normas e valores, como desenvolve o autor em seu artigo.

“Os intelectuais do final do século XX: abordagens históricas e configu-rações historiográficas”, de Jean-François Sirinelli, propõe o debate sobre a crise política e ideológica dos intelectuais franceses, desde os anos 1970. O autor pro-blematiza a transformação do intelectual — e da própria sociedade: onde antes se instalara o pensador, chamado a posicionar-se acerca dos grandes temas, agora são os personagens da mídia que surgem comolíderes de opinião, muito longe do universo do filósofo celebrado em décadas passadas. Atualíssimas, as reflexões de Sirinelli nos levam do pessimismo que previra o desaparecimento do intelectual francês juntamente com o fim do século XX ao realismo de umamutação sinali-zada no novo século, fechando um ciclo inaugurado com o Caso Dreyfus.

Em seu texto, Philippe Joutard tece os estreitos laços entre memória e identidade nacional, num esforço comparativo entre as realidades diferentes: os EUA e a França. Ambos os países, cada um à sua maneira, criaram essa relação ao elaborar seusromances nacionais, narrativas sobre seus passados, algo imaginá-rio e real ao mesmo tempo, a convencer e empolgar seus povos. Analisa como a cidade de Washington materializa no espaço físico os símbolos de uma nação a construir. Se os EUA desprezaram em sua formação a história como passado, ao contrário dos franceses, que a cultivaram, os norte-americanos escreveram seu presente como história, concretizando-a na capital como memória do futuro.

Ainda assinalando as contribuições que certamente esta publicação dará, vale chamar atenção para o texto de Pierre Laborie — “Memória e opi-nião” —, autor até então inédito em português. Laborie tem importantes tra-balhos sobre a história do tempo presente da França, explorando memória e opinião como formas de representações coletivas. Particularmente em relação à opinião, a abordagem do historiador é inusual: não associa o conceito a son-dagens por institutos de opinião e imprensa, o que amplia significativamente as possibilidades do uso das fontes; aceita o desafio de desenvolver uma abordagem teórica e metodológica no campo da história de um conceito que, em princí-pio, lhe é estranho. O resultado nada tem a ver com os estudos que acabam por se revelar comoopinião da opinião. No texto aqui publicado, reflete de maneira inédita sobre as articulações entre os dois conceitos — memória e opinião —, abrindo perspectivas inovadoras e valiosas.

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Introdução ❚ 1717

A segunda parte do livro — “Memória e historiografia” — enfatiza como o presente informa as representações do passado, estabelecendo uma conexão entre história do tempo presente e historiografia. Assim, María Inés Mudrovcic com o texto “Por que Clio retornou a Mnemosine?”, numa abordagem teórica pontuada por exemplos contemporâneos, propõe uma definição da história do tempo presente marcada pelo questionamento das relações entre história e me-mória. A autora considera que a história do tempo presente é a historiografia que tem por objeto os acontecimentos e fenômenos sociais que constituem as memórias das gerações que compartilham o mesmo presente histórico. Isso significa que a história do tempo presente põe abaixo o pressuposto da sepa-ração entre sujeito e objeto como condição da construção do conhecimento. Contudo, a autora observa também que as histórias do tempo presente geram políticas que envolvem o “dever de memória”, como demanda de justiça, de-manda jurídica e dede-manda moral. Decorrem, portanto, da aproximação entre ruptura histórica e ruptura política.

A atualidade do processo histórico estimula as reflexões de Ismênia de Lima Martins e Andréa Telo da Corte no texto “Imigração, cidade e memó-ria”. O tema ganha sentido diante do fato de que não há como deixar de reconhecer que o Brasil deixou de ser somente um país de recepção de imi-grantes para assumir também sua face emig rantista nas últimas décadas. Desse modo, o presente provoca a pesquisa histórica. Ao tratar a questão da terri-torialização de diferentes grupos de imigrantes que se inscrevem no espaço urbano, tomando por base o estudo de caso da comunidade de portugueses na cidade de Niterói, o artigo demonstra que a cidade não é um cenár io do esta-belecimento de grupos étnicos, mas se define como agente disciplinador, por estabelecer limites para obrigar os grupos étnicos a negociarem sua inserção social, mas também desagregador, ao estimular conflitos entre diferentes gru-pos. A pesquisa sobre a i migração demonstra que múltiplas memórias povoam as cidades, sobrepondo diferentes representações do passado que se projetam sobre a história do tempo presente.

O texto de Hebe Mattos — “Memória e historiografia no Oitocentos: a escravidão como história do tempo presente” —, por sua vez, trata da abor-dagem da escravidão na historiografia brasileira, tomando como exemplo duas obras clássicas:História geral do Brasil (1854-57), de Francisco Adolfo de Varnha-gen; eCapítulos de história colonial (1907), de Capistrano de Abreu. Sua análise mostra como cada autor tratou a questão da escravidão no contexto de sua

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❚ Cultura política, memória e historiograa

18 18

época. Varnhagen procurou encontrar na história elementos para legitimar a escravidão no Brasil do século XIX, enquanto Capistrano de Abreu, que pro-duziu num contexto abolicionista e pós-abolicionista, terminou encontrando no passado os elementos do mito das três raças como base da formação do povo brasileiro. O que se destaca, portanto, do argumento geral do texto é que a es-cravidão assumiu uma dimensão política que não se restringiu à historiografia, e que a questão histórica se localizava assim na história do tempo presente. O estudo ressalta como memória e história dialogam na produção do discurso his-toriográfico; assim, procura tratar historicamente um fenômeno disputado pela historiografia com a memória coletiva e o testemunho individual.

“Culturas políticas e lutas sociais”, a terceira parte do livro, reúne três es-tudos que nos dão acesso a programas e linguagens concebidos e empregados pelos movimentos sociais e políticos estudados, permitindo visualizar cultu-ras políticas em seu processo de construção e desconstrução. Juan Suriano, em “Cultura e política anarquista em Buenos Aires no começo do século XX”, analisa a ascensão e o declínio da influência das ideias anarquistas no movimen-to operário argentino. Para o aumovimen-tor, o anarquismo foi a principal referência na organização e mobilização dos trabalhadores desde a virada do século XIX até as primeiras décadas do século XX. No caso argentino, para Suriano, a perda de influência dessas ideias, que tanto marcaram a cultura operária, se deve às mudanças no próprio mundo do trabalho e nas formas de organização social, bem como na ação do Estado, que a partir de 1912, com a ampliação do sistema político, modificou as relações com a sociedade daquele país.

Em “Entre o comício e a mensagem: o presidente Goulart, as esquerdas e a crise política de março de 1964”, Jorge Ferreira analisa detidamente o processo de radicalização política que teve lugar no Brasil em 1964. O autor configura as pautas e estratégias dos diferentes campos e atores políticos que se enfrenta-vam naquele momento: as esquerdas, representadas pela Frente de Mobilização Popular, liderada por Brizola, e a direita, integrada por políticos, empresários, religiosos e militares conservadores. Mas, ao contrário de muitas narrativas que apresentam esse quadro de radicalização como um dado, e o golpe de 1964 como desfecho inelutável, Jorge Ferreira traça um panorama muito mais com-plexo, onde alternativas se colocavam. O texto traz à tona, por exemplo, a ten-dência anterior de Jango de manter a coligação PSD-PTB e a tentativa de San Thiago Dantas de construir uma coalizão de centro-esquerda. O autor analisa o conteúdo e a repercussão de acontecimentos-chave — o comício de 13 de

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Introdução ❚ 1919

março e a posterior mensagem de Jango ao Congresso propondo reformas na constituição — como a culminação de um processo ao longo do qual as deci-sões foram tomadas, inclusive pelo próprio Jango, em função da mobilização e pressão dos diversos atores.

Rachel Soihet, no texto “Mulheres em luta contra a violência: forjando uma cultura política feminista”, recupera os percalços do movimento feminista no enfrentamento da temática da violência contra a mulher desde fins da década de 1970, no Brasil. Em um primeiro momento, a ausência de questões ligadas à sexualidade e à violência doméstica em associações e encontros feministas surpreendeu ex-exiladas que viveram ou acompanharam esses movimentos nos EUA e na Europa ocidental e regressavam ao país com a anistia. Voltadas para problemas ligados, sobretudo, ao mundo do trabalho e dirigindo-se às mulhe-res pobmulhe-res, as associações e as militantes acreditavam serem essas as questões da luta feminista num país como o Brasil. Por um lado, porque mantinham-se presas a referências de uma cultura política da qual muitas eram herdeiras: o fim da opressão à mulher viria com a revolução. Por outro, como bem demonstra Soihet, porque compartilhavam com a sociedade brasileira da época a ideia da separação nítida entre o “público” e o “privado”. Por meio de farta documen-tação, acompanha os debates sobre o assunto entre as militantes, bem como na esfera pública, com a criação de órgãos de defesa da mulher. Esses embates — e a realidade das histórias de agressões que as mulheres começaram a denunciar publicamente — acabaram por evidenciar a impossibilidade da separação entre público e privado. Na experiência estudada, o trajeto percorrido pelas militantes feministas e suas associações foi essencial na modelação, como diz Soihet, de uma cultura política feminista.

Tratando da questão da etnicidade, os quatro trabalhos que compõem a quarta parte do livro relacionam identidade e política ao avaliar e cruzar as clas-sificações atribuídas aos indígenas pelo poder público e por representantes das artes e da cultura acadêmica e as classificações reivindicadas pelos próprios indí-genas no Brasil e na Colômbia. Os textos permitem compreender a construção de imaginários e culturas políticas como produto, mas também como causa das tensões entre diferentes atores sociais.

Em “Cultura política indígena e política indigenista: reflexões sobre etnici-dade e classificações étnicas de índios e mestiços (Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX)”, Maria Regina Celestino de Almeida analisa as políticas indigenistas da Coroa portuguesa e do Império brasileiro. Demonstra como tais políticas,

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❚ Cultura política, memória e historiograa

20 20

que visavam à extinção das aldeias coloniais, justificadas pelo estado de mestiça-gem dos índios, esbarraram, no Rio de Janeiro de meados do século XVIII ao século XIX, em ações políticas indígenas que, fundamentadas nos direitos étni-cos garantidos pela legislação colonial, reafirmavam a identidade indígena dos aldeados. Tais embates refletiam as contradições entre as classificações étnicas, vistas pela autora como construções históricas relacionadas às disputas políticas e sociais pelas terras das aldeias.Partindo de uma densa discussão a respeito dos dispositivos de constru-ção simbólica da naconstru-ção, no capítulo “As mortes do indígena no Império do Brasil: o indianismo, a formação da nacionalidade e seus esquecimentos”, João Pacheco de Oliveira ressalta sua face sombria, de apagamento de diferenças, de esquecimento de atores sociais e processos históricos dissonantes em relação à identidade nacional que se pretende difundir e naturalizar. O caso analisado é o das representações dos índios na poesia e no romance indianistas e na pintura acadêmica no século XIX. Procurando avaliar seus efeitos políticos e sociais e historicizar esse imaginário que a arte é capaz de captar com maior sutileza, o autor constata que a onipresença do tema da morte — nas suas mais distin-tas configurações — anuncia a extinção como destino inelutável do índio. Da “morte gloriosa” à “morte vegetal”, o índio, mesmo no registro positivo da tra-dição romântica, é sempre associado a um passado perdido. Prevalece a ideia de passividade, que justificaria sua derrota ou assimilação. A força desse imaginário, construído sobre o esquecimento, explicaria, segundo o autor, a dificuldade de uma aproximação dos índios do presente que os reconheça como sujeitos e os reincorpore à história.

Eliane Cantarino O’Dwyer, no texto “Terras de quilombo: identidade ét-nica e os caminhos do reconhecimento”, desafia as construções teóricas que insistem em associar identidades étnicas a sinais culturais discerníveis empi-ricamente e a uma suposta srcem e continuidade históricas. Na contramão dessa corrente, a autora se ampara na ideia de que a etnicidade é fruto de uma elaboração simbólica interna do grupo que a reivindica e elege os traços pelos quais pretende ser reconhecido. A partir daí, questiona paralelos entre quilom-bolas no Brasil e na América Latina e examina o caso das comunidades negras rurais remanescentes de quilombo de Oriximiná, no Pará, para demonstrar que suas formas de identificação não são exclusivas e fixas justamente porque estão submetidas à dinâmica da interação social. A identidade de quilombola serve, desse modo, como gancho para reconhecimento e afirmação de direitos e tem,

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Introdução ❚ 2121

portanto, uma dimensão eminentemente política, assim como o envolvimento de antropólogos e historiadores em ações judiciais com vistas a sustentar medidas governamentais amparadas neste paradigma.

No capítulo intitulado “Entre a reivindicação e a exotização: mobilidade étnica, agentes estatais e políticas multiculturais na Colômbia”, Marta Zambra-no analisa, por meio do estudo de caso docabildo de Suba, Bogotá, os proces-sos de “reindigenização” como uma arena onde se revelam as tensões entre os direitos culturais e as crescentes desigualdades da sociedade colombiana. Além disso, aborda as contradições e disputas políticas entre diferentes estratos go-vernamentais colombianos, assim como as contradições presentes nos próprios movimentos multiculturais que retomam o caminho da “indianização” e que algumas vezes acabam por replicar a autoexotização.

Na quinta parte do livro, “Culturas políticas no Antigo Regime”, os auto-res contribuem para os debates historiográficos acerca da noção de absolutismo nas dinâmicas de poder das monarquias europeias. Resgatam a cultura política do Antigo Regime ibérico, assentada na tradição da segunda escolástica, de acordo com a qual a sociedade se organizava como um corpo cuja hierarquia entre os diferentes órgãos era vista como natural. Refletem sobre a relativa au-tonomia e capacidade de pressão e de negociação de indivíduos, grupos sociais e comunidades, como os senhorios, as corporações e as câmaras. Discutem como a representação corporativa norteou o processo de constituição dos impérios ultramarinos, marcando profundamente as sociedades ditas coloniais, sua admi-nistração, estratégias políticas, formas de organização econômica e, sobretudo, as alianças, disputas e negociações entre seus membros, e entre estes e o centro da monarquia.

João Fragoso, em “A reforma monetária, o rapto de noivas e o escravo cabra José Batista: notas sobre hierarquias sociais costumeiras na monarquia plu-ricontinental lusa (séculos XVII e XVIII)”, aprofunda o conceito demonarquia pluricontinental , sugerido por Nuno Gonçalo Monteiro, e argumenta ser ele mais apropriado do que a noção de monarquia compósita para caracterizar o Império português. Ao identificar o pacto de vassalagem e a relação de reciprocidade entre o rei e as elites locais americanas, analisa as hierarquias constitutivas do estatuto social e político da nobreza da terra no Rio de Janeiro seiscentista. Discute as formas de estratificação dos vassalos, derivadas do poder central, e mostra as estratégias de distinção ligadas aos poderes e aos costumes locais no ultramar, traduzidas em alianças políticas entre agentes provenientes da Europa,

(23)

❚ Cultura política, memória e historiograa

22 22

da África e da América, como o comando de escravos armados e o compadrio com pretos.

Antônio Carlos Jucá de Sampaio, no capítulo intitulado “Do bem co-mum dos povos e de Sua Majestade: a criação da Mesa do Bem Coco-mum do Comércio do Rio de Janeiro (1753)”, analisa a noção de bem comum e sua função primordial na cultura política do Antigo Regime e nas relações de reciprocidade entre os diversos grupos sociais, e entre estes e o rei, nos dois lados do Atlântico. Debruça-se sobre um período marcado por mudanças na dinâmica imperial e revela as for mas de representação política da comunidade mercantil no Rio de Janeiro, cidade que desde a década de 1730 havia se tor-nado a principal encruzilhada do império. Mostra o progressivo enfraquecimen-to do papel da câmara como guardiã do bem comum, o surgimento dos homens de negócios como gr upo social autônomo, as estratégias adotadas na defesa de seus interesses e sua importância fundamental para o serviço do monarca e a sobrevivência do império.

Encerrando a quinta parte, o texto de Maria Fernanda Baptista Bicalho — “Cultura política, governo e jurisdição no Antigo Regime e na América portuguesa: uma releitura do ofício de vice-rei do Estado do Brasil” — focaliza o ofício de vice-rei do Estado do Brasil, abordando a administração colonial a partir da cultura política do Antigo Regime ibérico. Ao dialogar, em uma visão comparativa, com estudos sobre o governo do Estado da Índia, reflete sobre as atribuições e prerrogativas desses oficiais régios nos diferentes quadrantes do império. Elege o governo e a correspondência entre o marquês de Angeja (1714-18) e o centro da monarquia, no intuito de compreender a atribuição de poderes e os limites de jurisdição dos vice-reis no Brasil. Contribui, assim, para a compreensão de um dos canais de comunicação política entre o centro e as periferias imperiais, bem como do papel desempenhado pelo Conselho Ultra-marino e a Secretaria de Estado em Portugal.

Na sexta parte do livro — “Cultura e memória no tempo presente” — apresentamos a discussão de casos relacionados às ditaduras e aos movimentos sociais na América Latina desde meados da década de 1960 até os dias atuais, recuperando as representações desses processos na historiografia e o sentido eminentemente político das batalhas pela memória.

Denise Rollemberg, no texto “Ditadura, intelectuais e sociedade:O Amado de Dias Gomes”, discute uma questão candente, muito própria da

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ou mesmo censura da história por seus guardiães, em geral personagens ou testemunhas desse passado recente. A autora trata do período da ditadura civil-militar brasileira, temática que vem sendo trabalhada desde os anos 1970 sob o signo da “resistência”, de maneira bastante similar à abordagem da França sob Vichy até determinado período. Em função disso, Rollemberg dialoga com a historiografia francesa, que tem tentado enxergar, para além da superfície plana de uma narrativa acrítica e apaziguadora, as “ambivalências” e “zonas cinzen-tas”, as tensões inerentes aos processos históricos e às vivências humanas. A autora problematiza a ideia da resistência ao discutir as relações entre ditadura, intelectuais e sociedade a partir de O Bem-Amado de Dias Gomes, importante dramaturgo que, durante o regime civil-militar, escreveu para a TV Globo essa e outras novelas de sucesso, provocando controvérsias no meio artístico de esquer-da. Por fim, questiona o entendimento das mudanças nas formas de expressão artística em meio aos processos de modernização tecnológica e massificação dos meios de comunicação durante a ditadura e a transição para a democracia pela chave simplificadora do paradoxo.

Samantha Viz Quadrat, em “‘Para Tata, com carinho!’: a boa memória do pinochetismo”, analisa a construção de uma memória favorável do período ditatorial chileno (1973-90) e do próprio ditador Augusto Pinochet. A autora analisa três aspectos diferentes, a saber: a construção da liderança de Augusto Pinochet após o golpe de 11 de setembro de 1973, a sua prisão em Londres, no ano de 1998, e a sua morte em 2006. Quadrat revela a presença de simpatizantes do pinochetismo em diferentes setores da sociedade chilena e questiona a visão de uma sociedade totalmente contrária aos anos ditatoriais.

O texto de Denis Rolland — “1968 do Rio a Paris, história e memória: registros de sentido e amnésias locais da história comparada” — focaliza o deba-te sobre as indeba-terpretações dos movimentos sociais de 1968, chamando a adeba-tenção para o lugar da experiência latino-americana na historiografia. O autor parte da constatação de que o caso mexicano é bastante enfatizado, eclipsando outros contextos latino-americanos relevantes, como o do Brasil. Há, portanto, um desequilíbrio na historiografia internacional que anda a par com a necessidade de afirmar a multiplicidade de tempos e espaços de 1968. A situação brasileira se insere num quadro de traços comuns do Ocidente naquele contexto: ambiente das tensões da Guerra Fria, crescimento econômico, manifestações estudantis e vitória da repressão e dos elementos da ordem. Mesmo assim, o caso particular do Brasil é pouco conhecido na Europa atual e se mantém excluído da

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grafia francesa sobre 1968. O autor salienta, ainda, que a análise de 1968 no mundo, especialmente fora da França, contribui para interrogar a sincronia dos fatos e das dinâmicas sociais, o que impõe um questionamento metodológico sobre as possibilidades de uma história comparada e uma história de transferên-cias culturais.

Por fim, na última parte, “Culturas políticas e lugares de memória”, quatro estudos procuram discutir a articulação desses conceitos, tendo em vista realida-des históricas específicas. O texto de Ulpiano T. Bezerra de Meneses abre esse segmento com uma discussão conceitual valiosíssima, partindo da constatação de que o que tem atraído recentemente a atenção dos estudiosos da memó-ria, especialmente os historiadores, não são seus mecanismos intrínsecos e seus conteúdos, mas sua expressão pragmática, reveladora de uma economia política da memória na contemporaneidade. O autor trabalha tanto com a ideia de memória cultural — tratando, entre outras coisas, de uma memória comunicati-va —, quanto com a noção de cultura da memória, que aponta para os mo-dos pelos quais as sociedades procuram garantir a inteligibilidade do passado, incluindo as formas de produção retrospectiva da memória. Os lugares de me-mória — que podem ser pensados simplesmente como vetores de comunica-ção — são analisados, no contexto presente, a partir de três casos: a memória protética, portátil, que se adquire no mercado, independentemente de qualquer experiência direta ou vivência geracional, e de cujo potencial político o autor desconfia; a memória virtual, cibernética, aberta e democrática em termos de acesso, mas incapaz de armazenamento, de sentido diacrônico e de concretude em termos de experiência; e os monumentos. A despeito do processo de des-territorialização, que prejudica as formas de simbolização do espaço, o surgi-mento de contra-monusurgi-mentos representaria a possibilidade de ressemantização e dessacralização, expressando sensibilidades reprimidas e revelando, nessa área, o peso cada vez menor do Estado em termos de ação disciplinadora ou pedagó-gica. Ao contrário de PierreNora, o autor conclui que a memória discernível nesses novos lugares não deve ser considerada vicária, merecendo, portanto, ser historicizada.

Retomando a discussão sobre os lugares de memória, Cecília Azevedo, com o texto também intitulado “Culturas políticas e lugares da memória”, pro-cura mostrar como alguns desses lugares foram criados e disputados por grupos diversos, num embate entre culturas políticas e históricas distintas nos EUA. Para tanto, demonstra que, ao longo da história norte-americana, o passado, os

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mitos de srcem e os símbolos nacionais foram apropriados de modo diverso nos rituais e celebrações públicas, na construção de monumentos e centros de memória, na identificação e culto de diferentes mártires ou heróis e no uso po-lítico diferenciado de determinados símbolos e ícones, como as bandeiras. Usos inusitados e muitas vezes questionados judicialmente, modificações no desenho da bandeira nacional, a adoção de bandeiras alternativas, tudo isso revela acir-radas batalhas culturais e políticas num país percebido geralmente como uma planície conservadora, onde o patriotismo seria apenas sinônimo de arrogância e intolerância.

Ana Maria Mauad e Tarsila Pimentel, no capítulo “A fotógrafa, a cantora e as imagens da boa vizinhança”, buscam compreender os elementos e a tra-dução visual do que chamam de cultura política da boa vizinhança. Mostram que, embora a estratégia política e comercial dos EUA, especialmente durante a II Guerra Mundial, exigisse a construção de uma cartografia cultural do conti-nente americano, certos agentes culturais norte-americanos encarregados desse empreendimento conseguiram fugir aos protocolos de representação estabeleci-dos pelas agências governamentais. Assim, analisam as imagens do Brasil produ-zidas pela fotógrafa Genevieve Naylor, demonstrando como, através de recursos artísticos diversos, foi possível a construção de uma visualidade alternativa, refle-xo de uma heterodoxia em termos da cultura política do período.

Em “A memória mutante do peronismo: arte e ideias na Argentina con-temporânea” Norberto Ferreras também envereda pela análise iconográfica para tratar do peronismo, compreendido não como partido ou movimento, mas como uma cultura política que abriga grupos políticos distintos que, no entanto, compartilham um folclore, uma simbologia, uma racionalidade e uma afetivi-dade próprias, uma ética e também uma estética. Mais do que na literatura, no cinema ou em outras mídias, essa cultura política teria encontrado nos espaços íntimos dos blogsda internet sua possibilidade de expressão, de reafirmação de um sentido político crítico e de atualização estética mais livre, associando figu-ras arquetípicas do peronismo dos anos 1940 e 1950 a referências contemporâ-neas de srcens diversas. Na obra do pintor Daniel Santoro, Ferreras vê também o diálogo entre a iconografia do peronismo clássico e outros elementos culturais e artísticos, buscando uma recriação da mística peronista e sua afirmação como lugar de memória do povo argentino.

Esse conjunto de artigos, além de contribuições substantivas para a com-preensão de processos históricos específicos, traduz o investimento na discussão

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de questões epistemológicas centrais para as ciências sociais e para a história em particular. Questões que nos obrigam a refletir não apenas sobre o nosso esta-tuto disciplinar, mas sobre os efeitos sociais e políticos dosusos que fazemos do passado. Relacionar cultura política, memória e historiografia torna-se, portan-to, quase indispensável para aqueles que prezam e pensam seu ofício pelo valor e sentido que possa ter para o presente. Esperamos que essa coletânea venha contribuir para o avanço e a aproximação ainda maior da história cultural e da história política em bases teóricas sólidas.

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PPARTEARTE

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Culturas políticas e historiograa

Culturas políticas e historiograa

** Serge Berstein

É no início dos anos 1990 que a noção de cultura política aparece pela primeira vez na historiografia francesa.1 Seu surgimento se inscreve na vasta corrente de

renovação dos objetos e métodos da história política promovida na França a par-tir do final dos anos 1960 por René Rémond e seus discípulos, especialmente na Universidade de Paris-X-Nanterre e no Instituto de Estudos Políticos de Paris.2

Tratava-se então de tirar a história política do impasse em que se achava boa par-te da produção histórica referenpar-te a esse campo da história, entre crônica factual erudita, nomenclatura de homens e organizações ou história militante autojus-tificativa, centrada principalmente nos movimentos extremistas de esquerda ou de direita, para substituí-la por uma história portadora de sentido em que o po-lítico constituísse um elemento indissociável da evolução das sociedades huma-nas tomadas em seu conjunto. O móvel principal dessa renovação consistia em aplicar à história política os enfoques e questionamentos das ciências humanas e sociais, da ciência política, e os novos horizontes abertos pela voga da história

* Tradução de Luiz Alberto Monjardim.

1 As primeiras publicações históricas sobre o tema são: Berstein (1992b) e Sirinelli (1992). O tema foi

desenvolvido posteriormente em várias obras, entre as quais podemos citar Berstein (1996 e 1999) e Berstein, Rioux e Sirinelli (1994).

2 Um primeiro balanço dos elementos dessa renovação foi feito pelos historiadores reunidos em torno

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cultural, em particular no campo das representações. Neste capítulo indagaremos primeiramente sobre a natureza e o conteúdo da noção de cultura política tal como concebida pelos historiadores franceses, para, em seguida, examinarmos sucessivamente suas características e suas funções historiográficas.

Quais as

Quais as razões do

razões do recurso

recurso à

à noção

noção de

de cultura política

cultura política ee

qual o seu conteúdo?

qual o seu conteúdo?

Como explicar os comportamentos políticos?

Se a descrição das forças e dos comportamentos políticos é prática larga-mente difundida na história, e desde os tempos mais recuados, o historiador cujo papel não se limita a descrever, mas cujo ofício consiste em compreender e explicar, esbarra desde sempre com o problema de buscar-lhes o significado no seio das sociedades nas quais se pode observá-los. O que faz com que um grupo de pessoas se sinta mais próximo de uma força política do que de outra, vote a favor ou contra determinado partido, aprove uma medida ou proteste contra ela, adote quase espontaneamente a mesma atitude diante de fatos passados ou presentes, considerando-os de modo positivo ou negativo?

Para isso existem certamente explicações tradicionais, mas o pesquisador, às voltas com suas fontes documentais e buscando nelas respostas para as ques-tões que ele se coloca, tem a impressão de que elas são válidas em parte, mas nunca dão conta inteiramente das realidades cuja existência ele constata. Nem a tese idealista da adesão racional a uma doutrina ou a umcorpus constituído que apresentasse conotação positiva, nem o determinismo sociológico do mar-xismo ou de seu avatares contemporâneos, nem as proposições dos sociólogos do comportamento ou dos psicanalistas que recorrem a noções como interesse, busca de segurança, senso do dever, dedicação cívica, fidelidade ao grupo, até mesmo o ódio ou a inveja, nada disso parece, ainda que somemos uns aos outros, fornecer uma explicação convincente para os comportamentos políticos. Sem dúvida, eles têm o seu papel, mas nada permite demonstrar que sejam a expli-cação unívoca de atos e comportamentos políticos que sempre parecem mais complexos que as explicações fornecidas e que sempre podem ser facilmente interpretados erroneamente.

Por outro lado, as abordagens empíricas dos fenômenos políticos mostram claramente que os atos e comportamentos de atores políticos como os cidadãos

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se explicam mais frequentemente em função de um complexo sistema de re-presentações, partilhado por um grupo suficientemente expressivo dentro da sociedade. Esse sistema de representações, a que os historiadores deram o nome de cultura política, é que lhes permite tornar mais inteligíveis os fatos que, não podendo ser esclarecidos por essa chave interpretativa, permanecem pouco compreensíveis. Como dar conta, por exemplo, da permanência de comporta-mentos eleitorais do século XIX e da primeira metade do século XX em certas regiões da França, fenômeno constatado pelos especialistas em sociologia eleito-ral, mas dificilmente explicável? Como explicar que a Alemanha, industrializada e com uma burguesia evoluída e culta, tenha mergulhado no nazismo, enquanto o Reino Unido, conhecendo igualmente tensões econômicas e sociais, perma-neceu fiel à democracia liberal? Por que o fascismo se estabeleceu na Itália e na Alemanha, mas permaneceu marginal na França, apesar das semelhanças estru-turais que se podem constatar entre esses países?

Para todos esses problemas, que são fundamentais na historiografia con-temporânea, as múltiplas chaves explicativas tradicionais permanecem ampla-mente insatisfatórias. Em que medida a cultura política permitiria uma aborda-gem mais fecunda?

Como denir a cultura política?

Os historiadores entendem por cultura política um grupo de representa-ções, portadoras de normas e valores, que constituem a identidade das grandes famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido polí-tico. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos problemas relativos ao poder, visão que é partilhada por um grupo importante da socieda-de num dado país e num dado momento socieda-de sua história.3 Jean-François Sirinelli

(1992) propôs considerá-la “uma espécie de código e (...) um conjunto de refe-rências, formalizados no seio de um partido ou mais largamente difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”.

A essa altura, cabe lembrar que a noção de cultura política conheceu seu momento de glória nos anos 1960, quando os politicólogos norte-americanos

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lhe conferiram uma acepção bem diferente. Para a chamada escola “desenvol-vimentista” tratava-se de encontrar uma regra de comparação entre sistemas políticos diferentes,4 mas considerados de valor desigual, com relação a critérios

de desenvolvimento estabelecendo como modelo da modernidade as normas e os valores das democracias liberais do Ocidente.5 Além disso, e no âmbito dessa

comparação de sistemas, os autores postulavam a existência de culturas políticas nacionais homogêneas, descrevendo-lhes as principais características.Tal abordagem suscitou entre os politicólogos uma série de críticas de variado alcance. Alguns contestavam uma teoria segundo a qual todas as socie-dades deveriam percorrer as etapas cumpridas pelos Estados ocidentais, mar-chando assim para o sistema político da democracia liberal, tida como modelo perfeito a ser seguido. Outros, por sua vez, questionavam a própria noção de cultura política, indagando sobre sua autonomia em relação à cultura global de uma sociedade, sobre a pertinência de se organizar numa teoria global aquilo que não passava talvez de uma justaposição de componentes pragmáticos, sobre a validade de considerar normas e valores como determinantes do ato político, e assim por diante.6 Poderíamos aí acrescentar a dúvida quanto à existência de

culturas políticas nacionais homogêneas produzidas por cada uma das civiliza-ções do globo.

Para os historiadores, a noção de cultura política tem acepção bem diversa. Por meio de seus estudos empíricos, eles constatam a existência, num dado mo-mento da história, de vários sistemas de representações coerentes, rivais entre si, que determinam a visão que os homens que deles participam têm da sociedade, de sua organização, do lugar que aí eles ocupam, dos problemas de transmissão do poder, sistemas que motivam e explicam seus comportamentos políticos. Existe, é claro, uma estreita relação entre esses sistemas e a cultura global de uma sociedade, seus comportamentos coletivos, suas normas e valores. A cultura po-lítica é, pois, um elemento integrante da cultura global de uma sociedade, ainda que reúna prioritariamente os elementos que pertencem à esfera do político. Assim, ela varia em função dos lugares, das épocas, dos tipos de civilização; é claro, por exemplo, que a religião faz parte dela, se levarmos em conta as cultu-ras políticas do Ocidente medieval ou do islã contemporâneo, mas ela não está

4 Almond, 1956. 5 Pye e Verba, 1969. 6 Badie, 1986a.

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presente como tal em várias culturas políticas do Ocidente contemporâneo, salvo em culturas minoritárias como o tradicionalismo.7 O mesmo se poderia

dizer de outros elementos que, conforme o caso, integram ou não as culturas políticas, como as estruturas de sociabilidade, as regras éticas, os modos da vida privada etc.

Mas o essencial reside no fato de que, num dado momento da história, uma cultura política constitui um todo homogêneo cujos elementos são inter-dependentes e cuja apreensão permite perceber o sentido dos acontecimentos em sua complexidade, graças à visão de mundo das pessoas que compartilham essa cultura. Sem pretender uma descrição exaustiva de seus elementos consti-tutivos, pode-se dizer que existe aí certo número de abordagens estreitamente imbricadas, de modo a formar um sistema coerente de visão de mundo.

O primeiro desses elementos é o substrato filosófico da cultura política que se encontra mais ou menos explicitamente formulado em cada uma de suas variantes. Nas sociedades antigas e medievais, esse substrato é religioso e traduz a presença da ordem divina nas sociedades humanas. Porém, mesmo nas socie-dades laicizadas da época contemporânea, o fundamento filosófico da cultura política conserva um caráter transcendente que faz com que uma cultura polí-tica sempre ultrapasse a mera condição de realidades prosaicas para se inscrever num projeto global. Esse fundamento filosófico pode ser uma doutrina expressa de maneira cabal e coerente, como é o caso do marxismo; pode consistir num conjunto de comportamentos e regras suscetíveis de múltiplas interpretações, mas baseados em princípios comuns, como é o caso do liberalismo; enfim, pode manifestar-se como uma série de reflexões inspiradas num princípio único, à semelhança da inspiração racionalista que fundou na França a cultura republi-cana a partir da filosofia das Luzes, do positivismo e do cientificismo. Enfim, cabe esclarecer que se as elites cultas se referem diretamente às obras fundadoras, na massa da sociedade essas mesmas ideias penetram sob forma de uma vulga-ta que exprime, a partir de posições concrevulga-tas, os princípios de cada uma das culturas políticas. Considerar que é de alguma forma natural que o operário deva lutar contra o patrão se refere claramente ao princípio marxista da luta de classes; sustentar que toda regulamentação proveniente do Estado é nociva e liberticida é uma maneira de exprimir o liberalismo; julgar que o ensino do

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tecismo é um vetor de propagação do obscurantismo e um obstáculo à difusão do progresso nas sociedades traduz a visão do racionalismo positivista, sem que aqueles que formulam tais julgamentos tenham necessariamente consciência de que são portadores das concepções globais da sociedade reclamadas por essas doutrinas.8

Juntamente com esses substratos filosóficos, uma cultura política compre-ende uma série de referências históricas ou, mais precisamente, de gravuras de Epinal9 instrumentalizadas de modo a se revestirem de caráter exemplar. Assim,

cada cultura política encontra no passado uma provisão quase inesgotável de dados-chave, textos seminais, fatos simbólicos e galerias de grandes personagens que são apresentados como modelos a seus fiéis. Pode até acontecer que culturas políticas opostas disputem um mesmo personagem histórico, proclamado pala-dino de valores contraditórios, como é o caso de Joana d’Arc, apresentada pelas culturas políticas republicanas e até comunista como exemplo de uma filha do povo que salva seu país apesar da traição dos grupos dirigentes e da passividade da monarquia, e considerada pelas culturas tradicionalistas a defensora dos valo-res cristãos da nação francesa.10 Portanto, basta buscar no passado valores

norma-tivos capazes de mobilizar energias e de transformá-las em armas para o presente. Assim, apesar dos julgamentos mais nuançados dos historiadores, uma operação alquímica faz dos primórdios da revolução francesa que pretende instalar na monarquia constitucional o berço da cultura republicana, transforma a Comuna de Paris em revolta proletária contra o Estado burguês para satisfazer a cultura marxista, transmuta as inegáveis violências dos exércitos da rebelião da Vandeia num “genocídio vandeano” para proveito das culturas tradicionalistas.11

Se as raízes filosóficas e as referências históricas desempenham papel im-portante nos fundamentos das culturas políticas, é evidente que estas se ins-crevem no presente e que as grades de leitura que elas propõem conduzem a aspirações concretas. Naturalmente, cada uma delas tem sua própria visão da or-ganização de um sistema político de acordo com seus princípios fundamentais.

8 Isso é particular mente notável na França do século XX e início do século XXI, cujas políticas sociais

não cessaram de traduzir em fatos as ideias do solidarismo expressas por diversos sociólogos, juristas e políticos de fins do século XIX, sem se fazer a menor referência explícita a essa doutrina.

9 Tipo de gravura popular francesa; em sentido figurado, a expressão designa uma visão enfática,

tradi-cional e ingênua que só mostra o lado bom das coisas. (N. do T.)

10 Krumeich, 1993.

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É evidente que, nessa perspectiva, um sistema institucional jamais é um simples agenciamento de poderes, mas traduz no plano da organização do Estado a visão global do mundo e da sociedade peculiar à cultura política em questão.12 O

libe-ralismo tem por ideal um regime representativo de tipo parlamentar governado pelas elites; o comunismo aspira a uma revolução que instauraria a ditadura do proletariado, prelúdio de uma sociedade sem classes; e o tradicionalismo visa ao estabelecimento de um regime que restabeleceria a ordem natural existente sob o Antigo R egime.

Não há cultura política coerente que não compreenda precisamente uma representação da sociedade ideal de acordo com sua imagem da sociedade e do lugar que nela ocupa o indivíduo. Entre essa cidade ideal e as realidades o fosso é evidente, e é para transpô-lo que se aplica a ação política empreendida pelos possuidores de uma determinada cultura política. Nesse sentido, ao ofe-recer uma grade de leitura do social esclarecida pelo conjunto dos dados que contribuem para sua definição, a cultura política fornece uma chave de inteli-gibilidade que permite conciliar o debate entre a visão marxista segundo a qual tudo o que é essencial numa sociedade se explica exclusivamente pelas causas materiais manifestadas nas relações econômicas e sociais e a reação exagerada daqueles para quem o econômico e o social nada contam nas motivações do político. O simples bom senso indica que a organização e o funcionamento das sociedades, na medida em que concernem à vida cotidiana dos homens, são um importante fator explicativo dos comportamentos políticos, ainda que outras considerações intervenham ao mesmo tempo. Não cabe insistir aqui no poder de atração que o futuro radioso prometido pelo comunismo exerceu sobre as gerações dos anos 1930-70, tampouco no interesse das elites por um liberalismo que vê a sociedade constituída por um conjunto de indivíduos empenhados numa disputa selvagem para vencer a luta pelo sucesso que os opõe uns aos ou-tros, tendo como único árbitro a implacável lei do mercado e como vencedores os mais talentosos (os “melhores”). Mas convém examinar mais detidamente as visões sociais por muito tempo ignoradas e ocultas que certamente explicam a força e a longevidade da cultura republicana na França.

Evidentemente, não se pode limitar a acepção de culturas políticas aos elementos fundamentais aqui apontados nessa breve exposição. No sistema de

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representações que define cada uma delas podem entrar, dependendo do lugar ou do momento, os fatores religiosos, a organização do ensino, as questões mili-tares, as regras morais, a criação estética etc., estando sua presença caracterizada por sua conformidade com os elementos já mencionados, de modo a manter a coerência do todo.

Enfim, não se pode desprezar a maneira pela qual se exprimem as cultu-ras políticas. Deve-se igualmente levar em conta o discurso de cada uma delas, onde as palavras, em geral codificadas, dizem mais que aquilo que significam correntemente, onde o não dito encobre ricos segundos planos, onde cada um compreende por meias palavras porque conhece as chaves de interpretação.13

Também é necessário levar em conta as redes de sociabilidade que explicam a coesão do grupo: a diversidade de sua natureza, a frequência de suas reuniões, os temas de seu interesse e as modalidades de seu funcionamento revelam o nível de engajamento que elas exigem. Não menos ricos em ensinamentos são os símbolos, que são a expressão resumida, porém eloquente, das culturas políticas subjacentes. O barrete frígio, símbolo republicano por excelência, a cruz de Lorena dos gaullistas, a foice e o martelo dos comunistas falam por si mesmos e significam, para quem os vê, um longo discurso em que se misturam as lem-branças, o imaginário, as emoções, a adesão ou a recusa.14 Enfim, deve-se dar

toda a atenção aos rituais, formas de adaptação das fontes sagradas do político à laicização de que ele é portador e que muito nos dizem a respeito do desejo de incluir, ao lado da razão ou do discurso, o sentimento e a psicologia coletiva nos processos de expressão das culturas políticas.15

Características

Características da

da cultura

cultura política

política

Um fenômeno plural

Se na sua abordagem comparativa os politicólogos norte-americanos che-garam à conclusão de que havia culturas políticas nacionais baseadas na exis-tência de uma língua comum ou majoritária, em práticas sociais similares e em modos de vida e valores compartilhados pelo grupo nacional como um todo, o

13 Prost, 1988. 14 Burrin, 1986. 15 Berstein, 1995.

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historiador, trabalhando com dados diferentes e em escalas mais reduzidas, não poderia conferir o mesmo significado à noção de cultura política.

Por experiência própria ele sabe que, em seu campo de pesquisa, num dado momento existem culturas políticas plurais, com raízes filosóficas ou históricas distintas, com concepções opostas de poder, considerando a so-ciedade e sua evolução de maneira antitética, invocando valores antagônicos. É possível apreendê-las através das tomadas de posição das grandes famílias políticas de que elas são a expressão, as quais não se resumem aos partidos, que são apenas a sua forma organizada para a conquista e o exercício do poder, mas geralmente consistem num conjunto de associações, grupos de intelectuais, periódicos, livros, comparáveis a forças políticas que assumem forma par tidária quando essa cultura política chega à maturidade, mas poden-do igualmente dar lugar a atitudes, tomadas de posição, ações induzidas por formas protopartidárias.16

Contudo, cumpre observar que, se num dado momento da história existe uma pluralidade de culturas partidárias, nem todas têm o mesmo estatuto ou a mesma audiência. Algumas são apenas remanescentes residuais que só interes-sam a grupos minoritários, enquanto outras estão em vias de emergir e tendem a perenizar-se. Além disso, é evidente que existem culturas políticas dominan-tes, porque suas concepções atendem diretamente às aspirações majoritárias da sociedade, porque elas parecem traduzir os anseios da maioria e porque elas oferecem respostas aparentemente pertinentes para os problemas do momento. Ademais, seu poder de atração é tal que elas chegam a influenciar culturas po-líticas vizinhas. E, por menos que o regime político se organize em torno delas, vemos surgir um modelo político no qual se estabelece uma correspondência entre o sistema institucional, a política adotada, as estruturas sociais, as normas e os valores, por um lado, e os anseios majoritários da sociedade, por outro, criando assim um verdadeiro ecossistema sociopolítico em torno da cultura política majoritária. Tal é o caso, por exemplo, na França de fins do século XIX e começos do século XX, da cultura republicana, que, após ter sido uma cultura de combate às instituições monárquicas e imperiais durante o século XIX, surge como cultura política dominante e quase consensual, moldando segundo seus

16 Fondation Nationale des Sciences Politiques; Ecole Française de Rome; Université de Bologne, 1997

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princípios o Estado e a sociedade, e influenciando culturas políticas de princí-pios no entanto antagônicos, como as culturas socialista ou democrata-cristã.17

Assim, as culturas políticas, longe de constituírem conjuntos fixos e imu-táveis, conhecem evoluções ligadas às constantes modificações da conjuntura histórica e às mutações da sociedade.

Um fenômeno evolutivo

O nascimento das culturas políticas não se deve ao acaso nem à contin-gência. Elas surgem em resposta aos problemas fundamentais enfrentados pela sociedade em que elas emergem e para os quais apresentam soluções globais. Assim é que as vemos surgir durante as grandes crises que afetam o grupo. Para tomar o exemplo francês, é claro que a grande crise de legitimidade em que se constitui essencialmente a Revolução Francesa faz surgirem ao mesmo tempo a cultura tradicionalista, que em sua acepção srcinal é antes de tudo cultura contrarrevolucionária, a cultura liberal, identificada à expressão majoritária do acontecimento, e a cultura democrática, que pretende superá-lo. O fenômeno industrial surgido em meados do século XIX dá nova forma à cultura política liberal, que a partir daí se afirma como defensora da iniciativa individual e do repúdio à regulamentação, enquanto a cultura política socialista nasce da vonta-de vonta-de organização da sociedavonta-de, sob formas aliás variáveis, até que o marxismo aí apareça em posição dominante em fins do século XIX. É o choque provocado pela humilhação nacional com a derrota para a Prússia em 1870/71 que faz surgir, num contragolpe, a cultura política nacionalista.

Ora, essas culturas se influenciam e entram por vezes em sincretismo umas com as outras. A cultura política republicana nasce em fins do século XIX da síntese entre as culturas liberal e democrática, último avatar das culturas políti-cas nascidas do legado revolucionário. O gaullismo surge logo após a II Guerra Mundial por osmose entre as culturas políticas nacionalista e republicana. Em outras palavras, uma cultura política surge em resposta a um problema da so-ciedade e vai-se tornando mais complexa ao longo de um processo por vezes muito lento que lhe permite transformar-se, adaptar-se à evolução da própria sociedade. Ela só se torna verdadeiramente operacional quando suscita a adesão

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Culturas políticas e historiograa ❚ 3939

de grupos importantes da sociedade, após ter progredido nas mentes que pouco a pouco se vão habituando ao seu discurso, às soluções por ela propostas, e que acabam por interiorizá-la. É então, somente então, que ela se torna um dos mó-veis do comportamento político.

O processo de difusão de uma cultura política na sociedade permanece um problema difícil de resolver. É provável que isso se dê através dos canais numerosos e difusos da socialização política. A família, o sistema de ensino, o serviço militar, os locais de trabalho e sociabilidade, os grupos ou associações e as mídias vão aos poucos incutindo temáticas, modelos, argumentações, criando assim um clima cultural que prepara para aceitar como natural a recepção de uma mensagem de conteúdo político. A força de uma cultura política está em difundir seu conteúdo por meios que, sem serem claramente políticos, condu-zem no entanto a uma impregnação política. Foi a eficácia desse processo que levou a “nova direita” francesa dos anos 1970 a tentar conquistar a área cultural por meio de uma ação qualificada de “metapolítica”, tida como estratégia mais indicada para uma reconquista política da sociedade francesa.18 É claro que essa

difusão de uma cultura política, em virtude dos canais por ela empregados, é um fenômeno de longa duração que opera globalmente numa escala geracional.

Assim como ela surge num dado momento da história, uma cultura po-lítica evolui ao longo da história. De fato, ela tem de se adaptar às mutações da sociedade, sem o que está condenada a entrar em decadência por inadequação às expectativas dos cidadãos.

Compete-lhe integrar permanentemente em suas análises os novos fatos que surgem, alterar suas grades de leitura em função das evoluções da conjuntura, adaptar seus princípios srcinais aos problemas do presente. Como, por exemplo, poderia a cultura republicana, que tinha por modelo social uma sociedade de pequenos pr oprietár ios donos de seus instrumentos de trabalho, manter-se aferrada a esse ideal numa sociedade onde se afir mam a grande empresa e a generalização do assalar iado? Do mesmo modo, a cul-tura socialista de fins do século XX teve de renunciar ao seu jacobinismo para aderir a uma concepção descentralizadora do Estado que era desejada pela sociedade francesa, mas que tradicionalmente era apanágio da direita tradicionalista e católica.

Referências

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