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O conceito de beneficiário efetivo como instrumento de combate à evasão e fraude fiscais

CAPÍTULO II – O CONCEITO DE BENEFICIÁRIO EFETIVO NO ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL

1 O conceito de beneficiário efetivo como instrumento de combate à evasão e fraude fiscais

O conceito de beneficiário efetivo encontra-se patente, a vários níveis, em diversas questões relacionadas com a tributação internacional. Considerado um conceito de extrema importância no que diz respeito às políticas fiscais, historicamente, o conceito de beneficiário efetivo surge, por exemplo, nas convenções para evitar a dupla tributação. Recentemente, a sua utilização tem proliferado em virtude de alguns desenvolvimentos, principalmente no que diz respeito à troca de informações e à legislação tendente ao combate ao branqueamento de capitais. Porém, conforme abordaremos neste nosso contributo, deve destacar-se que, neste último caso, o conceito de beneficiário efetivo corresponde à pessoa física que possui um ativo ou um rendimento, no sentido económico do termo, conceituação diferente da OCDE através da Convenção Modelo.

Do ponto de vista das convenções para evitar a dupla tributação, o conceito de beneficiário efetivo surge no articulado da Convenção Modelo da OCDE, mais concretamente nos artigos referentes aos juros, dividendos e royalties. Neste sentido, conhecer o beneficiário efetivo dos rendimentos constitui condição fundamental para a repartição dos poderes tributários, com vista à tributação dos respetivos rendimentos. Para as autoridades fiscais do Estado da fonte de obtenção dos rendimentos, a importância do esclarecimento do conceito de beneficiário efetivo reside em determinar se o local da concessão de benefícios se encontra de acordo com a operação realizada pelo contribuinte. Para os contribuintes, sobretudo as empresas multinacionais, o entendimento do conceito de beneficiário efetivo determinará se a alocação das atividades em diferentes jurisdições satisfaz um nível aceitável de planeamento fiscal internacional 53.

Ademais, e conforme também analisaremos, o conceito de beneficiário efetivo parece ainda ser insuficiente em alguns casos. O comentário à Convenção Modelo feito em 2014, respeitante ao parágrafo 12.5 da Convenção, em particular, é interessante e útil, pois reitera que um determinado beneficiário efetivo não beneficiará automaticamente das

53 NUGROHO, Adrianto Dwi. “Central Register as a Model Instrument to Unveil Beneficial

disposições do tratado, sendo que a cláusula do beneficiário efetivo é apenas uma das disposições antiabuso existentes, a par de muitas outras. Sendo parte do espetro, o conceito aqui em causa tem como alvo a utilização de “empresas de canal” – ou seja, empresas que são interpostas num determinado E. M., ainda que proprietárias formais, mas agem como meras fiduciárias ou administradoras em nome de outrem, possuindo poderes restritos sobre o destino do rendimento, mas, contudo, não lidando com outros aspetos relativos ao treaty shopping 54.

No que concerne ao treaty shopping, propriamente dito, este fenómeno foi identificado como um dos fatores-chave que contribuem para a erosão da base tributável, sendo que, no relatório de 2013 da OCDE, relativo ao combate à Erosão da Base Tributária e à Transferência de Lucros 55, esta organização destaca que a falta de harmonização/articulação entre as normas fiscais internamente consideradas nas diversas jurisdições, bem como o uso indevido de tratados em matéria fiscal, oferecem muitas oportunidades no sentido da erosão da base tributável. Ademais, verifica-se que o uso de “conduit companies” se trata de um método popular entre os grupos internacionais, com vista a reduzir a sua carga fiscal 56.

Ainda de notar que, nos últimos anos, o conceito de beneficiário efetivo deixou de ser utilizado exclusivamente no âmbito das convenções para evitar a dupla tributação e no tratamento do treaty shopping, sendo agora um instrumento auxiliar no sentido da obtenção de uma maior transparência das operações em matéria fiscal, especialmente num contexto de troca automática de informações. Com isso, o conceito de beneficiário efetivo evoluiu e integra, hoje, a legislação fiscal (e restantes instrumentos) de uma forma mais generalizada. Inclusivamente, e conforme analisaremos mais adiante, o conceito de beneficiário efetivo encontra-se também patente em legislação de cariz financeiro, razão pela qual este trabalho terá também em consideração o conceito de beneficiário efetivo, nomeadamente à luz da Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou financiamento do terrorismo, e que serve ainda para combater a evasão fiscal. A implementação deste instrumento levanta a questão de saber se existirá alguma interseção (ou seja, um ponto de

54 OCDE. Para. 12.5 OECD Model: Commentary on Article 10. 2014.

55 OCDE, Relatório sobre o Combate à Erosão da Base Tributária e à Transferência de Lucros.

Disponível em <https://www.oecd-ilibrary.org/taxation/combate-a-erosao-da-base-tributaria-e-a-transferencia- de-lucros-portuguese-version_9789264201248-pt>. Acesso fevereiro de 2018.

56 POIRET, Caroline. Beneficial Ownership: Concept, History and perspective. European taxation,

2016, 56.7: 274-283.Disponivel em:

https://online.ibfd.org/kbase/index.jsp#topic=doc&url=/collections/et/html/et_2016_07_int_1.html&hash=et_20 16_07_int_1 . Acesso março de 2018

contacto) entre os diversos regulamentos que dispõem sobre o conceito de beneficiário efetivo; e em que medida se premeia a troca de informação em matéria fiscal. Em última análise, estudaremos em que medida todos estes instrumentos podem auxiliar efetivamente no combate à fraude e à evasão fiscais, e como o legislador português se tem pronunciado face à nova realidade fiscal, especialmente no que concerne ao preenchimento do conceito de beneficiário efetivo.

2 A introdução do conceito de beneficiário efetivo no contexto internacional