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Iniciativas no âmbito da agenda de transparência: troca/recolha de informações acerca do beneficiário efetivo

CAPÍTULO II – O CONCEITO DE BENEFICIÁRIO EFETIVO NO ÂMBITO NACIONAL E INTERNACIONAL

4 O conceito de beneficiário efetivo e o tratamento de juros, dividendos e

5.3 Iniciativas no âmbito da agenda de transparência: troca/recolha de informações acerca do beneficiário efetivo

No contexto da (desejável) transparência entre jurisdições, verifica-se uma crescente consciencialização dos vários fóruns, órgãos, painéis e jurisdições envolvidas no desenvolvimento de respostas políticas para a questão dos fluxos financeiros ilícitos, existindo sinergias entre esses regimes e iniciativas que, se aproveitadas adequadamente, poderão multiplicar a eficácia de abordagens individuais atuais.

Ora, e muito embora o objetivo declarado das normas do GAFI sobre transparência seja prevenir o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, a implementação dessas normas vai também de encontro aos esforços para prevenir e detetar outras práticas, tais como crimes fiscais e corrupção, fraude e abuso fiscal, entre outras.

Comum a muitos desses regimes e padrões é o reconhecimento compartilhado de que a identificação dos beneficiários efetivos finais das contas e das empresas é crucial para detetar e prevenir fluxos financeiros ilegais, contribuindo ainda para outras áreas (fiscal e não só), quando realizadas de forma cooperante, entre os vários Estados 110. É neste sentido que a relevância da troca automática de informações começa a ser introduzida.

Mais concretamente, a questão da troca automática de informações sobre beneficiários efetivos foi levantada quando Reino Unido, Alemanha, França e Espanha, na sequência do escândalo dos “Panama papers” 111, anunciaram o lançamento de uma iniciativa-

109 A diretiva é ainda alvo de algumas outras críticas como a de que um critério quantitativo, pode

gerar alguns problemas na definição do beneficiário efetivo. Tal acontece, uma vez que, de acordo com uma abordagem quantitativa, a detenção de uma certa percentagem de ações ou direitos de voto de uma determinada entidade jurídica constitui motivo suficiente para que uma pessoa singular ser identificada como sua beneficiária efetiva.

110 OWENS, Jeffrey; MCDONELL, Rick. Creating Mechanisms to Get Good Access to Beneficial

Ownership Information in International Context.. 2nd High-Level Conference on High Net-Worth Individuals:

The Challenge They Pose for Tax Administrations, FIUs and Law Enforcement Agencies. 2018. Disponível em<https://ssrn.com/abstract=3161723 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3161723>. Acesso em junho de 2018.

111 Os panama papers são um conjunto de 11,5 milhões de documentos de autoria da sociedade de

advogados panamenha Mossack Fonseca que fornecem informações confidenciais detalhadas de mais de 214 000 empresas de paraísos fiscais offshore, incluindo as identidades dos acionistas e administradores. Com isso, englobaram informações entre a década de 1970 e o início 2016, que foram enviadas por uma fonte anónima para alguns jornais. Os documentos foram distribuídos e analisados por cerca de quatrocentos jornalistas em 107 órgãos de comunicação social em mais de oitenta países. As primeiras notícias sobre o caso, assim como 149 dos próprios documentos, foram publicadas em 3 de abril de 2016. Mais informações em «Panama Papers: The Power Players». International Consortium of Investigative Journalists. https://www.icij.org/investigations/panama- papers/the-power-players/. Consultado em 3 de abril de 2016.

piloto para a troca automática de informações (nos moldes do Commom reporting standard – CRS), solicitando, para o efeito, aos seus pares do G-20 que incentivassem a adoção de um novo padrão global, bem como o desenvolvimento de um sistema de registos de beneficiários efetivos112.

Nesta sequência, na reunião de 2016, os ministros das Finanças e Governantes dos Bancos Centrais dos países do G20, encarregaram o GAFI e o Fórum Global da OCDE de considerar formas de melhorar a implementação das normas internacionais sobre transparência, incluindo-se neste leque, as informações sobre beneficiários efetivos, que deverão ser trocadas ao nível internacional. De notar que, até ao final de 2017, 54 jurisdições haviam já assumido o compromisso de apoiar este novo sistema113.

Tal iniciativa contou com o apoio da OCDE, que declarou que a partir do momento em que a informação sobre a estrutura de propriedade seja recolhida, a cooperação internacional é particularmente importante devido às diferenças legislativas no que concerne ao Direito Societário e às tradições jurídicas entre Estados, já que tais diferenças complicarão a troca de informações a nível internacional. Neste sentido, a cooperação ao nível internacional, além de “facilitar o intercâmbio transfronteiriço de informações entre os reguladores”, pode ajudar na compreensão dos diferentes marcos legais pertencentes a diferentes jurisdições 114.

Acresce que uma das matérias que, até há bem pouco tempo levantava diversas questões, envolvia a questão sobre as informações recolhidas no âmbito da legislação/investigação do branqueamento de capitais, nomeadamente, se estas deveriam ser comunicadas às autoridades fiscais.

Neste seguimento, e no âmbito da União Europeia, a Diretiva que visa reforçar a cooperação administrativa entre os Estados foi alterada quatro vezes. Como mais relevante para o presente estudo, convém citar a Diretiva 2014/107/UE – que introduziu a troca automática de informações de contas financeiras – e a Diretiva (UE) 2016/2258 – que assegurou o acesso

112 Carta do primeiro ministro inglês para o G-20 disponível em:

https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/516868/G5_letter_DOC1404 16- 14042016124229.pdf> Acesso em junho de 2018.

113 Os países aderentes demais informações acerca do procedimento estão disponíveis em

https://www.oecd.org/tax/transparency/AEOI-commitments.pdf

114 OECD. Comunicado da OCDE para o G20, 2016. Disponível em: http://www.oecd.org/tax/oecd-

pelas autoridades fiscais às informações sobre os beneficiários efetivos recolhidas ao abrigo da legislação de combate ao branqueamento de capitais 115.

Ademais, e conforme se verá mais adiante neste trabalho, o regulamento sobre o branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo116, trouxe importantes impactos para a legislação interna portuguesa 117, uma vez que, através dela, foi instituído o regime geral do beneficiário efetivo no ordenamento jurídico português, que efetuou também alterações no âmbito do artigo 14º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).