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Nesta seção, pretende-se explanar acerca do conceito de contexto institucional. Para isso, utiliza-se da obra de Lejano (2012), na qual ele situa tal categoria ao trabalhar com o texto e contexto, em abordagem que envolve construtivismo e interpretações hermenêuticas acerca da linguagem.

Para seguir essa analogia, retoma-se a consideração de que a linguagem é uma construção social, da mesma forma que o pensamento. O significado da linguagem e do

pensamento, por conseguinte, envolve uma disputa de poder sociopolítico. Ou seja, é no campo da política que há a disputa de poder para a construção dos significados. Essa construção de significados, no caso em específico de uma política pública, recebe uma analogia envolvendo o texto e o contexto.

O texto envolve a simbologia, as mencionadas estruturas em que o significado se faz presente. “Às interpretações iniciais que o leitor tira do texto, introduzimos o embasamento do contexto. [...] se considerarmos aquela determinada parte de um texto como parte da situação como um todo, o contexto nos permite conectar essa parte ao todo” (LEJANO, 2012, p.123).

O movimento de interpretação pode se dar tanto do texto para o contexto, quanto o contrário também (ciclo hermenêutico). A linguagem (texto) pode receber intervenção em sua interpretação quando se passa a considerar o contexto para “[...] confirmá-la, modificá-la ou [...] conduzir a uma compreensão mais aprofundada”. Nesse processo, “há diferentes

stakeholders, com diversos graus de poder político, que competem para que cada um de seus

significados seja aceito” (LEJANO, 2012, p. 132). E essa tarefa de disputa de poder sobre o significado de um texto, considerando seu contexto, pode auxiliar na redução do espaço entre esses objetos de estudo: “a tarefa da crítica pode ser considerada vital ao nosso objetivo de eliminar a distância entre o texto e o contexto da política, ou entre conceito e a prática” (LEJANO, 2012, p.154).

Diante dessas considerações, chega-se ao fato de que a política é, neste caso, considerada um texto que é criado por pessoas com poder e autoridade para tomar decisão. Esse texto, que pode “[...] literalmente ser um texto, como um novo estatuto, é moldado em alguns lócus de decisão e, então, importado para diferentes situações e implementado. Neste processo lógico, o texto é criado distanciado do contexto de sua aplicação.” (LEJANO, 2012, p.193). O contexto, por sua vez, seria o conjunto de elementos sociais, econômicos e políticos, disputas envolvendo atores em determinados ambientes e situações, que podem (ou não) ser levadas em consideração na construção do texto. (LEJANO, 2012; SILVA et al, 2015).

É nesse fato que reside a crítica: a separação do texto e de seu contexto. Esta constatação, por conseguinte, justifica e faz com que esta dissertação traga os diferentes contextos nos quais o combate à corrupção foi sendo implementado, e com ele o conceito e instrumentos de transparência governamental (especificamente sobre o acesso à informação). E, por fim, como enfoque deste capítulo, traz também qual o contexto institucional em que a CGU se insere e se inseriu, ao se considerar os governos e a importância em forma de capacidade institucional que lhe foi conferida oficialmente de 2003 até atualmente.

Logo, o desafio é não separar o texto e contexto: “[...] as contingências do contexto importam. Em outras palavras, o que está faltando é um mecanismo pelo qual a consideração do contexto pode influenciar ou guiar a formulação do texto”. (LEJANO, 2012, p.193). Isso revela a necessidade de se considerar o fenômeno alvo da política pública como algo complexo, e, a título de exemplificação, a própria análise da corrupção em órgão governamental não seria completa “[...] sem considerar o alcance em que o modelo de escolha racional pode explicar padrões de comportamento” (LEJANO, 2012, p.212).34

Analisar a política pública (aqui podendo ser considerada a política de enfrentamento à corrupção por meio da transparência e acesso à informação como um todo – englobando todo aspecto normativo e institucional), portanto, é ir além dos resultados que ela produz. Devem- se aprofundar as questões que envolvem a construção da política (FARRANHA; SUGUIURA, 2017, p. 167).

Nesse sentido, o cenário interorganizacional, a rede de atores, ganham também importância, o que reforça a ideia de não dissociá-la do contexto institucional. Logo, “o contexto institucional é definido como o conjunto de regras formais e informais que influenciam no comportamento entre pessoas e organizações, assim como os modos de interpretar e aplicar essas regras na prática” (CALMON; COSTA; 2013, p. 11), destacando-se regras formais (leis, normas e estruturas organizacionais) bem como regras informais (tradição, cultura e valores)35. (CALMON; COSTA; 2013). Dessa maneira, apresentam-se os subsistemas de políticas que envolvem aspectos formais e informais:

[...] esses arranjos, compostos por instituições formais e informais, estabelecem as bases da divisão de trabalho, da especialização, da delegação e do monitoramento, assim como um conjunto de instrumentos e arenas que orientam a interação entre esses atores. Esse conjunto de instituições formais e informais, assim como a maneira como elas são interpretadas e aplicadas na prática, é denominado de estrutura de governança. (CALMON; COSTA; 2013; p.14-15)36.

34 Lejano (2012) apresenta mecanismos e métodos nos quais o (a) analista de políticas públicas pode se embasar para realizar sua atividade. Dentre as diversas metodologias e linhas teóricas (estruturalismo, racionalismo, experimentalismo, construtivismo e pós-construtivismo), ele confere destaque para o contexto, a complexidade da política. E isso pode ser observado no seguinte trecho, em que enfatiza a necessidade de observar a linguagem “nativa”: “Uma situação geralmente requer, para melhor compreensão da situação, o emprego de modos de descrição, e na realidade a linguagem real empregada por aqueles que se encontram no meio dos acontecimentos. [...] Temos que buscar modos de descrição partindo dos diretamente afetados pela política, se quisermos compreender algum elemento de sua experiência”. (LEJANO, 2012, p.212).

35 Observa-se, por sua vez, que o enfoque conferido por esta dissertação acerca da análise do contexto institucional reside nas regras formais. Todavia, as regras informais (cultura dos agentes ou atores, cultura existente na instituição), também merecem atenção, sendo possível agenda de pesquisa nessa temática.

36 Esse aspecto de governança será retomado no último capítulo como forma de interpretar os dados e realizar abordagem crítica frente aos resultados desta pesquisa.

Outro argumento que reforça essa necessidade de se considerar o contexto enquadra-se na linha de que as políticas estão inseridas (embeddeness) em uma determinada estrutura, que combina elementos dos setores público e privado e sociedade civil. (CALMON; COSTA; 2013).

Nesse ponto, ao retomar as representações de texto e contexto, se se considerar a CGU como texto, isso também possibilita aplicar a linha de raciocínio apresentada, envolvendo o aspecto de “texto” significar também uma “instituição”.37 Dessa maneira, diante de um problema, o encaixe institucional da proposta ou política ou instituição com o problema a ser resolvido (no caso, a corrupção e o aumento da transparência pública) deve ser considerado prioridade. A esse encaixe institucional de texto e contexto dá-se no nome de “coerência” (LEJANO, 2012, p. 227; SILVA et al, 2015).

Em relação a essa adequação ou coerência, faz-se observação de que a política ou a instituição (consideradas como texto), em uma visão construtivista, não seriam isomorfas ou iguais em qualquer realidade. Pelo contrário, elas se adaptariam a cada contexto, formando o chamado polimorfismo. “[...] se uma instituição foi capaz de adequar-se a um determinado contexto, ela deve então apresentar diferenças (talvez sutis) de outras instituições que se desenvolveram em um contexto diferente. [...] devemos encontrar alguma diversidade no desenho” (LEJANO, 2012, p. 229).

Com isso, em se considerando as Convenções Internacionais assinadas pelo Brasil sobre o tema da corrupção, OEA, OCDE, ONU, em especial esta última, houve um ponto comum de que era necessária uma instituição ou órgão responsável por representar o país nestes fóruns sobre corrupção (bem como internamente responsável por políticas de prevenção e políticas de transparência). Então, a CGU fora criada com esta finalidade. Ocorre que a política adotada em termos de posicionamento e formato institucionais no Brasil (modelo vinculado ao Poder Executivo Federal) – o que ensejou críticas acerca de sua autonomia institucional –, foi diferente dos formatos em países como no México38 (com modelo de agência, porém, independente, não diretamente vinculada ao Executivo).

Outro ponto a ser alvo do caminho analítico desta seção corresponde, no próprio Brasil, à capacidade institucional conferida a esta instituição em governos distintos. Sabendo que as instituições se desenvolvem ou têm desempenho diferente em contextos diferentes, o

37 “[…] os detalhes institucionais, os pontos mais sutis do projeto, que se encontram ultrapassando o formal, são os que fazem estas instituições eficientes ou não” (LEJANO, 2012, p.198).

38

INAI - Instituto Nacional de Transparencia, Acceso a la Informacion y Protección de Datos Personales. Trata-se de instituto abarcado pela legislação mexicana, e que se apresenta com autonomia e não subordinado a outra autoridade.

mesmo ocorre com as mudanças de governo (contexto) e a realidade político-econômico- orçamentária. Um governo nascido de ruptura democrática que está inserido em um contexto de investigações e operações judiciais sobre corrupção rebaixaria o posicionamento institucional de órgão de controle interno e de prevenção, reduzindo, ao menos, e a princípio, seu poder e status – hipótese esta que será objeto de verificação junto a servidores do próprio órgão.

Assim, retomando o aspecto das características de determinada instituição, faz-se a ressalva de que ela não pode ser nem algo etéreo, tampouco somente um edifício concreto. “As instituições devem ser mantidas por atores políticos que tenham os meios de sustentá-las” (LEJANO, 2012, p. 232). Conforme expõe a seguinte figura 5, a instituição pode ser vista em seu ambiente, o campo do qual recebe influência e com o qual interage também influenciando. A parte superior ilustra a construção social e o campo no qual a instituição se insere. Na parte inferior, trata-se do local e contexto em que são inseridas. Assim, a política ou instituição seria também um fenômeno ecológico, ou seja, considera como relevantes fatores externos à política, responsáveis também por sustentar tais modelos (LEJANO, 2012, p.246).

Fonte: LEJANO, 2012, p. 232.

E, sendo um fenômeno ecológico, elas são postas em ação por pessoas. Nesse ponto, ganha sentido o que Calmon e Costa (2013) retomam sobre March e Olsen (1998):

March e Olsen (1989) sustentam que a melhor forma para entender as instituições é através dos valores dos seus membros. Estes valores criados ou reinterpretados por cada instituição guiam os comportamentos dos membros e, portanto, o seu próprio comportamento. (CALMON; COSTA; 2013; p.25).

Além disso, papel importante se dá na consideração de outras instituições ou políticas que complementam ou conferem suporte, ou apoio, à que se está analisando. É o que se denomina por “suporte institucional”. “[...] ou seja, que instituições [...] dariam suporte ou ajudariam a manter a política proposta e que instituições se oporiam? O foco, então, está na compatibilidade da política proposta com a vida na localidade de origem tanto no sentido formal quanto no cotidiano de uma instituição” (LEJANO, 2012, p. 254).

Portanto, contexto e texto relacionados à política ou à instituição devem ser levados em consideração na elaboração e na implementação da política, o que refletirão como variáveis na análise do gestor público (coerência institucional).

Nesta seção, procurou-se evidenciar a necessidade de que o texto (política ou instituição), ainda que tenha um formato prévio, adapte-se ao contexto ou à realidade institucional, política e econômica em que se insere, ou, no sentido construtivista, que esse texto seja construído levando-se em consideração as particularidades locais. Esse fato envolve o contexto institucional, entendido como as regras formais e informais de uma determinada prática ou local, orçamento, comunidade social, recursos, elementos simbólicos, patrocínio e ambiente (ecologia institucional). Nesse sentido, o apoio ou o conflito com outras instituições (suporte institucional) que possam dar suporte à que está sendo analisada, também merece atenção para explicar configurações, arranjos, capacidades institucionais, alcances e possíveis resultados.

Ademais, a depender de mudanças do contexto, a sustentabilidade da política ou da instituição (ou das redes que se formam para implementar um programa) pode ser afetada. É o que se pretende demonstrar com o caso da CGU. “O grau de governança de uma rede depende da sua sustentabilidade. Ou seja, da capacidade de realizar ações continuas e de longa duração” (CALMON; COSTA; 2013; p.26).