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Uma vez exposto o tema da corrupção e seus diversos elementos, como então relacioná-lo com o tema do acesso à informação? Nesta seção, portanto, pretende-se explanar sobre esse direito de acesso, relacionando-o com categorias de transparência e de publicidade (como fundamentos democráticos) – entendidas como formas de prevenção da corrupção. A pergunta central que se busca responder é: onde encontrar o direito de acesso à informação? Para isso, primeiramente expõe-se o conceito de informação. Adota-se também a abordagem desse direito como um direito humano, e a perspectiva descritiva de como foi regulado em convenções internacionais: vinculado ao direito de liberdade de expressão.

Entende-se informação como produto de verdades regionalizadas presentes em discursos na esfera pública, que preservam os saberes de forma registrada, gerando uma memória social em documentos. Tais registros seguem determinados conjuntos de regras (também denominadas de regime informacional), que compreendem o universo jurídico ou

científico – englobando sujeitos, organizações autoridades informacionais e meios de informação. (LIMA et al, 2014). Além disso, consistem em modo de dar forma a algo, de comunicar algo a alguém, e que se expande com o processo de uso crescente de tecnologias nessa era digital. (ROSA, 2017). Assim, diante dos níveis de informação cada vez mais elevados possibilitados por tecnologias e meios digitais, configurou-se o que se denomina de “sociedade da informação” (MARSDEN, 2000; WEBSTER, 2014; ARANHA, 2011). Em razão disso, quando se relaciona com aspectos de governo e democracia, a disponibilidade de informação possibilitada pelos meios de comunicação e avanços tecnológicos, “[...] contribuíram, todos, para um contexto rico em informações, no qual os líderes, quer queiram, quer não, são mais que nunca forçados a vir a público para prestar contas mais detalhadas de seus atos” (GLYNN; KOBRIN; NAÍM, 2002, p.29). Além do mais, “[...] sigilo e a manipulação orwelliana da verdade – pedras angulares do regime autoritário e totalitário – tornaram-se cada vez mais difíceis de ser mantidos em um contexto pós-industrial de transparência crescente" (GLYNN; KOBRIN; NAÍM, 2002, p.29).

Assim, ganham destaque instituições que, em uma democracia e em um meio cada vez mais tecnológico, promovem a transparência de informações públicas, como forma de enfrentar o sigilo – que por vezes é onde residem atos corruptos. Como afirma Jeremy Bentham, essa publicidade poderia gerar um constrangimento, e, pelo medo da sanção, pode fazer com que indivíduos ajam de modo correto; ou ainda pode-se detectar algo que estaria ocorrendo fora da legalidade – o que revela os aspectos de prevenção e de controle. (BENTHAM, 2011). Nessa perspectiva, a publicidade em Bentham é a forma de se evitar abuso de poder pelas autoridades: por meio dela, vista com uma sanção social, espera-se um comportamento virtuoso em situações de “forte tentação”. Ademais, pode-se relacionar com a

accountability e com a responsabilização de autoridades, com a possibilidade de cidadãos

participarem em processos de deliberação sobre políticas públicas, interface entre os que tomam decisões políticas. (GOMES; AMORIM; ALMADA, 2015).

Esse debate sobre a necessidade de transparência como ferramenta democrática e que permite uma prevenção de atos corruptos permeia outras esferas de discussão acerca do nível de transparência e seus elementos de efetividade. Assim, para que haja transparência no poder público, é necessário que a informação daquilo que se produz, contrata, assina, decide, seja publicizada. No entanto, isso não basta: é necessário um olhar atento para a qualidade e para a extensão dessas informações. Vale dizer, ainda, que outra variável consiste nos destinatários dessas informações: a quem elas se dirigem e a quem é permitido o acesso. Essas tipologias foram consideradas por Gomes et al (2015) para tentar mensurar quão transparente é um

Estado (quanto maior a qualidade da informação e quanto mais pessoas têm acesso, mais transparente é o Estado analisado) – o que pode ser visto? Quando? Como? Por quem ou por quantas pessoas? – são perguntas que podem nortear essa medição.

Essa publicidade e transparência, traduzidas também em instituições e normas como forma característica da democracia merece atenção. Além disso,

[...] a tendência contemporânea para a transparência tem incluído reforço dos mecanismos que levam a mais abertura do Estado, donde a valorização do jornalismo e de outros recursos e atividades profissionais voltadas para a produção e distribuição de informação, o crescimento de audiências públicas e de iniciativas de dados abertos e o incremento considerável de organizações independentes voltadas para a distribuição de informação sobre governos, sistemas políticos, sistemas financeiros, etc. (GOMES; AMORIM, ALMADA, 2015 p.09).

Adota-se, portanto, perspectiva de que transparência tem seu papel democrático e que precisa de meios de comunicação para que essas informações sejam levadas ao efetivo conhecimento e entendimento a seus destinatários (O‟NEILL, 2006). Todavia, há de mencionar alguns contrapontos (que serão debatidos em capítulo oportuno): a) o papel do sigilo como um valor democrático; b) a vulnerabilidade exposta de quem adota postura de transparência; e c) a crise de confiança institucional a partir da exposição ou publicidade constante de escândalos (O‟NEILL, 2006; GOMES; AMORIM; ALMADA, 2015).

Diante disso, a informação – que envolve transparência, publicidade, comunicação, e a própria democracia – apresenta-se como um direito, inicialmente inserido no direito à comunicação, relacionando-se com a liberdade informacional, e esta com a liberdade de expressão (CINTRA, 2016). Tal prerrogativa, por sua vez, já era prevista em organismos internacionais e depois em tratados e convenções.

Em 1946, na primeira sessão da Assembleia Geral da ONU, foi reconhecida a expressão “liberdade de informação” por meio da Resolução n. 59: “A liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e [...] a pedra de toque de todas as liberdades a que se dedica a ONU” (ONU, 1946, s/p). (BATAGLIA; FARRANHA, 2017).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu art. 19, dispõe que: “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independente de fronteiras” (ONU, 1948, s/p). Esse mesmo direito também está presente na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no artigo 13, segundo o qual:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por

escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha (OEA, CIDH 1969).

Mendel (2009) expõe inclusive o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, aprovado em 1966, que também garante liberdade de expressão em seu art. 19:

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha (BRASIL, 1992).

Cita-se também a Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade de Expressão:

3. Toda pessoa tem o direito de acesso à informação sobre si e seus bens com presteza e sem ônus, independentemente de estar contida em bancos de dados ou cadastros públicos ou privados e, se necessário, de atualizá-la, corrigi-la ou emendá- la. 4. O acesso à informação mantida pelo Estado constitui um direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito. Esse princípio permite somente limitações excepcionais que precisam ser definidas previamente por lei na eventualidade de um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional das sociedades democráticas (CIDH, 2000).

Outros documentos da ONU abordam essa temática, o que ressalta sua relevância internacional.33

Ressalvam-se informações relativas à segurança nacional, ordem pública, saúde ou moral pública, ou reputação das pessoas, que são informações resguardadas. (art. 13, CIDH, 1969). Percebe-se, portanto, que se trata do direito de informar, de se informar e de ser informado, de tal importância que a informação é considerada uma condição sine qua non para o cidadão escolher representantes (MENDEL, 2009; LIMA et al, 2014).

Dessas convenções, portanto, evidencia-se a proteção de direitos humanos, nos quais se insere o direito de acesso à informação pública. Tendo isso por base, recomendam-se aos países signatários a adoção de legislações para o respeito a este direito, vinculado à liberdade de expressão, fundamento para democracia, e para fiscalização dos representantes do povo e controle da corrupção. (MENDEL, 2009).

Por meio dele, assimetrias informacionais podem ser reduzidas havendo canais institucionais que possibilitam o exercício desse direito. Nesse viés, a organização não

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Citam-se como os de: 1998 - o direito de liberdade de expressão inclui o direito de acesso à informação sob a posse do Estado; 2000 - importância desse direito para a democracia, a liberdade, a participação e o desenvolvimento; 2004, em Declaração Conjunta com outros responsáveis pelo mesmo tema em demais órgãos, em que se afirmou a inclusão desse direito como direito humano fundamental, “[...] que deve ser efetivado em nível nacional através de legislação abrangente [...] baseada no princípio da máxima divulgação, estabelecendo a presunção de que toda informação é acessível e está sujeita somente a um sistema estrito de exceções” (Declaração Conjunta apud MENDEL, 2009, p.9-10). (BATAGLIA; FARRANHA, 2017).

governamental Artigo 19 considera a informação como o oxigênio para a democracia, haja vista a necessidade de se estar bem informado(a) para tomar decisões; a necessidade de prestação de contas (responsividade ou accountability); o favorecimento à participação social e o controle social; a denúncia de violações contra direitos humanos (MENDEL, 2009). “Nesse mesmo regime, a informação e sua circulação se revelam importantes para „nivelar‟ o conhecimento de representante e representado, e para que este exerça a soberania que lhe é conferida constitucionalmente” (BATAGLIA; FARRANHA, 2017, p.227).