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O conceito de cultura afro-brasileira hoje: entre representações, dilemas e implicações

2 A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE: DILEMAS NA

2.3 O conceito de cultura afro-brasileira hoje: entre representações, dilemas e implicações

Entre várias lutas políticas, as diferentes ordens discursivas da ciência e do movimento social produziram definições de cultura afro-brasileira orientadas pelas e para as relações de poder em meio aos conflitos étnicos-raciais que estruturam e organizam a vida social no Brasil. Essas definições oscilam entre as análises complexas e as reducionistas forjando compreensões, nem sempre bem-sucedidas, quanto ao objeto que constroem e as difundem em seus textos que circulam socialmente de formas múltiplas. Conectando-se com alguns enunciados já existentes e excluindo outros, essas ordens discursivas produziram novos sentidos sobre a cultura afro, mas sempre formando aberturas para infinitas possibilidades de conexões, significações, orientações e práticas.

Entretanto, há em nossa sociedade uma seleção interpelada por relações de poder que delimita a produção enunciativa a partir dos nossos “arquivos discursivos”. Essa seleção elege os discursos que serão mais ou menos conservados e aqueles que serão mais rapidamente relegados à evasão de nossa memória (PIOVEZANI, 2014).

Isso importa para pensarmos analiticamente as continuidades discursivas como realidades bastante complexas, pois a mudança de formação discursiva não coincide, necessariamente, com mudança de todos os elementos e perspectivas políticas que constituem os discursos (FOUCAULT, 2012). Destarte, tanto as “repetições” quanto as “rupturas” nos discursos devem ser igualmente observadas e problematizadas.

Percebemos que as reflexões que primaram por aproximações entre Antropologia, História e Linguagem ressignificaram o conceito de cultura afro-brasileira na contemporaneidade, afastando-o da noção de folclore. Para tanto, foram fundamentais uma revisão crítica da literatura científica sobre a cultura negra e o embasamento em documentos históricos escritos em diferentes períodos do passado e em depoimentos orais contemporâneos para legitimar tais teses. Deste modo, o conceito de cultura afro-brasileira foi reconstruído e permanece justificado em perspectiva histórica.

Conforme a produção científica inicial, a origem dessa formação cultural permanece localizada no passado escravocrata: um momento de conflito e opressão no qual foi necessário

aos africanos escravizados e seus descendentes refazerem seus laços de solidariedade e reconstruírem suas subjetividades e imagens identitárias mediadas por instituições formadoras de novas coerências sociais. Essas instituições foram formadas de acordo com as diferentes necessidades materiais e simbólicas dos africanos: religiosas, artísticas, políticas, sociais e lhes deram condições para a produção e partilha de sentidos e práticas nas quais se articularam memórias culturais, expectativas e condições de possibilidade de criação cultural no Brasil.

Mesmo em diferentes ordens discursivas, os enunciados reforçam a tese de que tendo a sua origem na escravidão, a cultura afro-brasileira é uma prática de mediação de relações de poder. Observa-se que nessa lógica explicativa há uma relação dialógica entre as noções de cultura e de identidade negra em que ambas são, ao mesmo tempo, produtoras e efeitos uma da outra.

Como vimos, toda essa produção discursiva em torno do conceito de cultura afro- brasileira foi construída negando ideias como a de “democracia racial” e afirmando a permanência do racismo. Se houve, de um lado, um progresso teórico no trato conceitual da cultura pensando-a como prática de mediação política em contraposição a argumentos “folcloristas”, houve, por outro, a permanência de uma noção materialista de cultura como esfera diretamente influenciada pela estrutura econômica. Há também a permanência da perspectiva moderna de classificação de identidades sociais numa lógica racialmente binária entre “negros” e “brancos”. Nem as ciências, nem o movimento social abandonaram por completo a perspectiva racialista. Obviamente, noções como “raça” ou “etnia” e aspectos como fenótipos corpóreos e tradições culturais importam na definição de identidades culturais, mas não podemos esquecer que todo processo de definição é um esquadrinhamento idealizado de processos subjetivos cuja designação visa dominar aquilo sobre o que se fala. Esse binarismo racial (FRY, 2005), portanto, é um efeito de poder inscrito por diferentes ordens discursivas nos corpos e nas subjetividades contemporâneas para reorganizar um conjunto de representações étnicas vividas de forma móvel na história da sociedade brasileira.

Essa noção, contudo, foi paulatinamente substituída a partir dos anos 1990 sob a influência dos estudos culturais e de autores e perspectivas pós-estruturalistas que focam na centralidade das análises especificamente culturais em suas dinâmicas próprias e temporalmente abertas a transformações, como demonstraram as pesquisas mais recentes feitas por pesquisadoras e ativistas negras. Assim, a cultura é discursivamente projetada para o presente, justificando a atualidade cultural da população afrodescendente. Porém, as práticas discursivas da ciência e do movimento negro não possuem a mesma consistência, força, alcance e duração, nem produzem os mesmos efeitos em seus interlocutores (PIOVEZANI, 2014).

A ideia de cultura afro-brasileira não sepulta definitivamente a noção de democracia racial. Na verdade, a realiza e a projeta enquanto um desejo que deverá ser vivido em uma perspectiva “multicultural”, em que as identidades sociais aparentemente sólidas convivam, mas sem se misturar (SILVA, 2013). Foi dentro dessa lógica ambígua, ainda separatista, quase essencialista, por se embasar mais em fenótipos do que na própria história, que predominou a construção do conceito de cultura afro-brasileira como um saber, mesmo que se tenha defendido o caráter dinâmico e social.

Essas noções foram construídas discursivamente a partir de dados materiais e experiências reais que se encontraram, tensionaram e dialogaram a fim de fabricar armas e estratégias para uma luta social que se quis reconhecer para promover a emancipação da população negra61. Esses discursos foram subjetivados de diferentes maneiras por pessoas que carregam marcas corpóreas como pele escura e cabelo crespo a fim de que possam compartilhar um pertencimento, embasado em suas experiências de exclusão e de resistência de modo a construir uma determinada consciência, uma agenda e uma mobilização política.

Deste modo, entendemos que a produção conceitual não é um mero exercício analítico da ciência, tampouco um resgate essencialista do movimento social negro. Ela é uma tática que compõe as estratégias de produção de subjetivação de uma negritude brasileira politicamente direcionada e mobilizada. O conceito criou esteio a uma noção de identidade que produz uma coerência “negra” basilar a uma identidade social que não é tão sólida quanto se pensa (CERTEAU, 1995; SOUZA, 2005), embora sua produção seja politicamente necessária e legítima à população negra. Essa identidade cultural rege relações disciplinares e técnicas de si possibilitadas e justificadas historicamente (SARGENTINI, 2014) que funcionam como marcos regulatórios idealizados e instáveis, mas não como essências.

Os elementos que compõem um discurso, as táticas e as armas, estão sempre em trânsito entre campos e adversários e podem virar-se contra os seus próprios emissores dependendo de como se posicionam e de como se movimentam em suas práticas discursivas (PIOVEZANI, 2014). As mesmas ideias de cultura e identidade que podem “libertar” a população negra, podem também “aprisioná-las”. A análise enunciativa a partir das posições assumidas em ordens discursivas como a ciência e o movimento social, nos possibilitam perceber que os

61 Importante frisar que mesmo enfatizando a busca da legitimação de uma perspectiva cultural e política na ótica da própria população negra, o princípio que embasa a sua luta (emancipação ou liberdade) é um princípio iluminista, ou seja, eurocêntrico e burguês, e que seu uso teórico e prático merece cuidadosa crítica. Isso acontece porque embora se valorize a ancestralidade cultural africana enquanto elaboradora de novas relações sociais, o projeto brasileiro de sociedade preza pelo modelo ocidental. Justamente aí é que reside o risco de ressignificar nossos regimes de verdade invertendo os valores étnicos e criando novas formas de dominação das subjetividades ao invés de processos democráticos.

efeitos políticos nos sentidos por elas produzidos podem ser distintos, quando não, opostos aos defendidos.

Devemos, deste modo, atentar para os riscos políticos de toda forma de disciplinamento conceitual por meio do discurso, mesmo que esse processo de constituição seja inevitável, pois nenhum esquadrinhamento dá conta da complexidade de experiências, práticas culturais e subjetividades que são constantemente negociadas. Ele pode servir justamente ao contrário do que se pretende: governar aqueles a quem se deseja emancipar (GORE, 2011; MARSHALL, 2011; LARROSA, 2011). Esse esquadrinhamento pode recair em “essencialismos” que sepultam o fato de que o que conhecemos por cultura afro-brasileira é fruto de complexas formas de participação, interações, lutas e deslocamentos cuja condição de possibilidade é a proliferação de invenções em espaços circunscritos mediados por relações interessadas de poder.

É importante que reavaliemos os saberes emancipatórios do movimento negro a fim de que possamos dar-lhe primazia sobre os saberes regulatórios da modernidade, pois quando esse conhecimento que se propõe como emancipatório se pretende ser total, a se transformar em um novo cânone, em uma nova verdade absoluta e perene, ele está operando dentro mesma racionalidade da qual é vítima histórica do que visava combater (GOMES, 2017).

Parte do movimento apresenta a possibilidade de fugir dessa armadilha tática quando amplia o conceito de negritude mesmo em meio às ambiguidades e riscos políticos e econômicos que podem atingir, mais uma vez, a própria população negra. Exemplo disso tem se manifestado em torno de questões sobre a negritude em que pessoas brancas, ao afirmarem- se negras (pensando-se num conceito mais elástico e conveniente de negritude ou afrodescendência, em que pesa o argumento da mistura sanguínea que marca a história do Brasil). Essas pessoas brancas têm se apropriado de espaços e práticas conquistados com muita luta por pessoas negras para outras pessoas negras que ainda vivem excluídas e, ao fazerem isso, acabam por ampliar o campo de exercício de seus privilégios raciais.

Ao final desta análise arqueológica (FOUCAULT, 2012), definimos a cultura afro- brasileira como um conjunto híbrido de possibilidades interessadas e criativas de ação das populações negro-brasileiras inscritas em contextos históricos marcados por luta políticas ao longo do tempo. Ela é, então, uma proliferação infinita de práticas de produções, cruzamentos, apropriações e partilhas de sentidos, de mediação de relações de poder, de redefinição de subjetividades e de identidades sociais coletivas que posicionam politicamente os sujeitos a partir de critérios étnico-raciais, nos quais pesam os fenótipos, a ancestralidade cultural, pertencimentos, instituições e tradições culturais, bem como as condições sociais.

Acreditamos que essa definição consiga nos levar a desmontar os processos históricos de fabricação cultural e nos fazer enxergar as tecnologias que são conectáveis e que criam as condições de possibilidades para a formação dos discursos, condutas, instituições e regras que compõem a matriz cultural afrodescendente no Brasil conforme a perspectiva e necessidade das populações negras. Dessa forma, mais do que um conjunto de práticas, consideramos a cultura afro-brasileira também como um saber: valor, um símbolo ético e estético, uma positividade que se utiliza de várias linguagens, signos e significantes para produzir e demarcar as distinções de uma etnicidade, de sua respectiva agenda política e de uma comunidade cultural imaginada.

3 A INSERÇÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO CURRÍCULO DE HISTÓRIA: DISPUTAS E NORMAS PARA A PRODUÇÃO DE SABERES E SUBJETIVIDADES

A Lei 10.639/03 e todo o conjunto de textos legislativos que prescrevem o ensino de história e cultura afro-brasileira funcionam como dispositivos jurídicos que normalizam, afetam e orientam os saberes e as práticas dos professores. O exercício da profissão docente está diretamente ligado às legitimidades institucionais que estabelecem práticas adequadas a um conjunto de prescrições vigiadas e examinadas. Essas normas produzem identidades e designam comportamentos individuais e coletivos, criando regulações e hábitos (TARDIF, 2002; LARROSA, 2011).

Pensar sobre a normalização do profissional docente remete-nos à noção de governamentalidade tal qual desenhada por Foucault. O filósofo explica que durante a modernidade, no contexto de formação e desenvolvimento do capitalismo, o conceito de governo foi ressignificado para atender às demandas de racionalização e controle das riquezas, dos territórios e do crescimento populacional e suas novas formas de relações sociais (FOUCAULT, 1979). A população passou a ser objeto de estudo de uma emergente economia política que diagnosticava, geria e intervinha no campo econômico e demográfico a partir de um complexo processo de burocratização, seleção e aplicação de técnicas racionais de esquadrinhamentos (FOUCAULT, 1979). O ato de governar passou a estar ligado à capacidade de saber aumentar as riquezas do Estado e de controlar sua demografia minimizando os esforços.

Neste sentido, o ato de governar não garantiu o bem comum, mas as distribuições das funcionalidades individuais em uma ordem eficaz, produtiva e obediente. Os investimentos socioeconômicos nos indivíduos, como a educação, não se tornam aplicáveis pelo fato de serem bons para a vida dos indivíduos em si, mas porque eles aumentam a força econômica e política do próprio Estado liberal sobre os indivíduos. Esse modelo de governo nos atinge cotidianamente até hoje de modo que não conseguimos realizar o sonho pleno de autonomia em nossos projetos individuais, tal como propagam os discursos neoliberais (MARSHALL, 2011).

O governo é, então, uma tecnologia dirigida a produzir sujeitos, a moldar, guiar ou afetar a conduta das pessoas de modo que elas se tornem pessoas de um certo tipo (GORE, 2011), ou seja, sujeitos que assumam determinadas práticas e identidades sociais, profissionais, por exemplo. Assim, estabelecer normas tornou-se uma das formas mais eficazes de assegurar o

disciplinamento dos corpos e das subjetividades por meio da internalização de discursos e do exercício de um autogoverno através do qual as pessoas são incitadas a se autorregularem conforme as diretrizes institucionais que delimitam suas possibilidades de conhecimento e de ação prática (GORE, 2001; MARSHALL, 2011; PETERS, 2011).

A educação ainda é baseada em princípios como normas e governamentalidade. São eles que situam as pessoas em relações de fiscalização definida e regulada de inspiração humanista e liberal (MARSHALL, 2011), elas produzem disciplinas e, com isso, coerências e controle social (LARROSA, 2001).

Popkewitiz (2011) nos explica que a escola foi criada para dar conta de problemas administrativos da sociedade industrial e do Estado liberal, por isso os seus dispositivos e técnicas de individualização e disciplinamento, como o currículo, atendem, primeiramente, à lógica da governamentalidade. Essa técnica de subjetivação chamada “governo” vale-se das leis, embora não dependa exclusivamente delas, mas sim da implementação de normas que sejam regadas de juízos morais que as tornem aceitáveis e mesmo necessárias (DEANCON; PARKER, 2011).

É nessa lógica que muitas identidades sociais são produzidas e reconhecidas por técnicas como individualização e normalização (GORE, 2011). Isso também se aplica ao sujeito docente, pois ao serem submetidos a um conjunto normativo eles se tornam profissionais de um certo tipo: formados, treinados, produzidos, governáveis.

Portanto, os saberes docentes são constituídos também por discursos normativos e práticas de governo. Os textos prescritivos que estabelecem as normas institucionais e profissionais funcionam como operadores que estimulam e permitem aos indivíduos questionarem suas próprias condutas para que, reconhecendo a necessidade de mudança, possam modificá-las e vigiá-las, passando a avaliar-se como um sujeito responsável e ético (FOUCAULT, 1984; LARROSA, 2011). Desse modo, podemos afirmar também que a identidade profissional docente é formada por camadas de múltiplos textos marcados por diferentes discursos, instituições, normas e necessidades políticas, dentre as quais luta para se posicionar (DEANCON; PARKER, 2011).

Esse poder que produz subjetividades enquanto as coage não é simplesmente repressivo. Do contrário, ele é ambíguo, produtivo e limitador. Ele investe no corpo, aumentando sua capacidade de ação para determinados fins, mas ao mesmo tempo, ao submetê-lo o destitui provisoriamente de seu próprio poder político a fim de torná-lo eficaz e diferente, constituindo e administrando o sujeito de forma útil (PIGNATELLI, 2011).

Deste modo, temos que os discursos normativos operam fomentando um treinamento dos docentes que se pretende científico, adequando-os às novas exigências profissionais e em acordo com as necessidades sociais contingentes, mas também em articulação racional com as ciências acadêmicas e com uma economia política neoliberal que pensa a educação como mercadoria (MARSHALL, 2011; PETERS, 2011). No contexto de uma configuração histórica de lutas políticas entre perspectivas como a neoliberal e a social-democrata (PETERS, 2011), essa profissionalização científica produz mais um complexo tutelar de consumo, segregação, conselho, controle e segurança do que uma formação progressista62.

É no bojo dessa discussão que se criou historicamente um artefato pedagógico ligado à normalização do conhecimento, das práticas formativas e das subjetividades: o currículo. Enquanto diretriz do processo de construção discursiva e política que legitima quais saberes devem ser socialmente produzidos e referenciados, o currículo foi formulado primeiramente a partir da pergunta o que se deve ensinar? Essa questão foi respondida de diferentes formas por diferentes regimes de verdades63. As respostas, apesar dos aparentes antagonismos teóricos e

políticos, provinham de uma mesma epistemologia moderna, pautada em fundacionismos universalistas, numa teleologia sempre problemática e, principalmente, em tecnologias políticas que operam segundo a lógica da dominação (FOUCAULT, 1979; GORE, 2011; POPKEWITZ, 2011; SILVA, 2011; VARELA, 2011; VEIGA-NETO, 2011).

Sempre preservando ideias como a de organização prévia de um conhecimento legítimo a ser ensinado através de um conjunto de elementos tais como programas de conteúdos, carga- horária, planos e atividades de ensino (LOPES; MACEDO, 2011), cada concepção e teoria

62 Michael Peters (2011) contrapõe as perspectivas neoliberais e social-democrata aplicadas à educação na contemporaneidade. Para o autor, o neoliberalismo corresponde ao projeto político, econômico e discursivo de uma Nova Direita que emergiu a partir dos anos 1980 com pautas governamentais conservadoras da hegemonia eurocêntrica, racionalista, fundacional, universal e totalizadora. O neoliberalismo afasta-se do modelo de um Estado de bem-estar social. Ele propõe a intervenção mínima do Estado quanto a políticas sociais e fomenta sua atuação na promoção, regulação limitada e fomento do mercado e da livre oferta. Nessa lógica, a educação é tida como mercadoria e seus investimentos justificam-se conforme uma política econômica que fomente o desenvolvimento tecnológico e econômico dos Estados na economia global. A linguagem neoliberal expressa-se por conceitos como “inovação”, “tecnologia”, “treinamento”, “desempenho”, “excelência”. Já a perspectiva social- democrata adota uma linguagem que preza por “igualdade de oportunidades”, “reparação histórica”, “justiça social” e “multiculturalismo”. Obviamente esses conceitos e as formas como os governos social-democratas têm desenvolvido suas políticas econômicas e culturais nas últimas décadas merecem atenciosa crítica, sobretudo após a proposição de uma “terceira via”. Esse novo modelo prega o Estado necessário, a responsabilidade fiscal, o combate à miséria e a atuação do Estado para garantir serviços essenciais à vida do cidadão. Desde então, a social- democracia aplicada por governos de “esquerda” tem desenvolvido políticas sociais que visam diminuir as desigualdades, mas não as abolem ao mesmo tempo em que ainda abraçam ideias neoliberais. Foi a partir desse modelo ambíguo que foi sancionada a lei que inseriu a cultura afro-brasileira no currículo de História. 63 A relação circular que se estabelece por meio do discurso entre saber, poder e produção de versões de verdade que é construída por seleções operadas politicamente (FOUCAULT, 1979; GORE, 2011).

curricular desenvolveu critérios de seleção que justificam as suas respostas conforme os diferentes projetos de conhecimento, cidadania e sociedade que reelaboravam.

Desta maneira, concordamos com a perspectiva de Lopes e Macedo (2011) de que não é possível responder de forma fechada o que vem a ser o currículo, mas sim pensá-lo a partir dos acordos de sentido construídos historicamente para produzir esse artefato cultural. Reconstruir uma historicidade dessas proposições e concepções curriculares é uma atividade importante, não apenas para identificar as consequências políticas dessas formas no passado, mas para que possamos continuar discutindo as consequências políticas de novos projetos de reformas curriculares pautados em sistemas de regulação e poder, expressão e diferenciação na contemporaneidade (POPKEWITZ, 2011).