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3. EFICIÊNCIA FISCAL

3.1 Conceito de eficiência

Definir e compreender um conceito de eficiência é de suma importância na esfera tributária, visto que o próprio legislador constitucional incluiu tal característica como um dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, de modo que a Autoridade Tributária deve se pautar nessa norma para garantir a adequada arrecadação tributária, tanto para os contribuintes quanto para o Estado. Nesse sentido, é importante esclarecer que a eficiência foi incluída na Constituição Federal, no artigo 37,186 por meio da Emenda

Constitucional nº 19/1998, como mais um princípio a ser observado pela Administração Pública.

Note-se que essa inserção não deve ser vista como um ato inócuo do legislador constitucional, razão pela qual analisar tal conceito e compreender se o sistema tributário atual tem se pautado em tal princípio é de extrema importância para validade dos atos administrativos e como consequência das medidas tributárias adotadas.

Os princípios são inseridos no ordenamento jurídico por meio da Constituição Federal com o objetivo de garantir uma uniformidade ao sistema, visto que devem ser seguidos por toda a Administração Pública. Nesse sentido, doutrina o professor Ives Gandra da Silva Martins:

Seja como for, os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença.187

Por esse motivo, é importante que se verifique se o sistema tributário, especificamente o sistema jurídico em que está inserido o ICMS, está de acordo com tal princípio, caso contrário se faz necessária sua alteração para que a Administração Pública observe os ditames constitucionais e alcance a eficiência obrigatória quando da instituição e exigência de todos os tributos.

186 “Art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). (grifo nosso)

187 CARVALHO, P. de B. Estímulos Fiscais no ICMS e a unanimidade constitucional. In: MARTINS, I. G. da S; CARVALHO, P. de B. Guerra fiscal: Reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 18.

A eficiência, conforme menciona Richard Posner, está intrinsecamente ligada à ideia de maximização de resultados, no sentido de que tal resultado seja alcançado por meio da menor utilização de meios possíveis. Richard Posner acrescenta ao conceito de eficiência a ideia da necessidade da observação da satisfação de uma forma maximizada na exploração dos recursos, no sentido de que “há exploração dos recursos econômicos de tal forma que este valor - a satisfação humana é medida pela disposição agregada de pagar por estes bens e serviços - seja maximizado”.188

Assim, a tributação deve ser utilizada como instrumento para reforçar e melhorar a eficiência econômica. É justamente essa característica que justifica medidas implementadas para a correção de falhas de mercados, bem como a utilização de tributos para direcionar a economia de forma que melhor convém ao Estado em um determinado momento.

No âmbito econômico, o conceito de eficiência já foi explorado por diversos pensadores,189 sendo relevante mencionar a conhecida frase de Peter Drucker190 em que resume eficiência como a capacidade de “fazer as coisas bem-feitas”, que, de forma sucinta, traduz os conceitos de eficiência que são explorados.

No âmbito jurídico constitucional, Alexandre de Moraes apresenta o conceito de eficiência ligado, inclusive, com a ideia da capacidade de a Administração Pública ser justa e imparcial em seus atos, buscando a menor burocracia possível para garantir a qualidade no exercício de sua atividade: “O administrador público precisa ser eficiente, ou seja, deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e pela imparcialidade.”191

188 POSNER, Richard. Economic Analysis of Law. 8. ed. Nova York: Aspen, 2013, p. 10.

189 No âmbito econômico, é relevante citar dois conceitos de eficiência que são utilizados como parâmetros para as teorias econômicas: O primeiro seria a eficiência de Pareto, denominada dessa forma em homenagem ao seu criador Vilfredo Pareto, de acordo com este conceito determinada situação seria Pareto eficiente quando se é impossível mudá-la de modo a deixar pelo menos uma pessoa em situação melhor sem deixar outra pessoa em situação pior, sempre sob o ponto de vista próprio do indivíduo interessado. Nesse caso, portanto, uma situação seria eficiente quando traz vantagem pelo menos para uma das partes envolvidas e não colocaria nenhuma outra parte em situação pior. Visando superar tal limitação foi criada um novo conceito, chamado de Kaldor-Hicks, esta é a definição mais explorada e abordada por Richard Posner (op. cit.), visto que no seu entender a eficiência de Pareto não teria muita aplicação prática no mundo real. “A broader objection to the criterion of Pareto superiority is that it has a few applications to the real world because most transactions (and if not a single transactions, then a series of like transactions) have effects on third parties” . De acordo com a teoria de Kaldor- Hicks, a eficiência em uma determinada situação será verificada na medida em que o ganho dos vencedores seja suficiente para compensar os perdedores. (COOTER, R.; ULEN, T. Direito e economia. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 64).

190 Peter Drucker foi considerado o pai da administração moderna. Foi o autor de diversas obras relevantes sobre os efeitos da globalização na economia, dentre as quais se destacam: Concept of the Corporation (1945), um estudo realizado na General Motors; The Post-Capitalist Society (1993) e Managing in the Next Society (2002).

Assim, reforça-se a ideia de que o legislador constitucional, ao incluir tal conceito entre os princípios norteadores da Administração Pública, procurou garantir que os atos administrativos fossem pautados na maximização dos resultados buscados, para impedir desperdícios e custos, tanto aos administrados quanto para a própria Administração Pública.

Por sua vez, para Marco Aurélio Greco, “o princípio da eficiência previsto no artigo 37 da CF/88 não é meramente a eficiência econômica, mas também é a eficiência dos princípios e valores constitucionais”,192 à medida que o legislador observe as exigências constitucionais, motivo pelo qual a estrutura normativa do ICMS não pode se afastar dos preceitos exigidos pela Constituição, de modo que se faz necessário analisar se as normas relativas a este tributo atendem a eficiência exigida pelo legislador constitucional.

Ademais, em âmbito tributário, especificamente no que diz respeito à estrutura normativa do ICMS, a observação desse princípio é relevante à medida que tal tributo representa uma das maiores fontes de arrecadação pública,193 sendo, portanto, um tributo que onera boa parte das operações comerciais realizadas. Como consequência, atinge muitos contribuintes, razão pela qual a garantia da eficiência desse sistema se mostra de grande valor tanto para o Estado arrecadador como para os contribuintes desse tributo.

A crítica desse tributo que se faz no presente estudo é sobre a forma como o sistema tributário do ICMS está estruturado, o que pode ser um grande obstáculo para se atingir a eficiência exigida pela Constituição Federal. Conforme explorado detalhadamente no item 2.1, o ICMS é um tributo de competência estadual, de modo que as normas de sua instituição e as regras de arrecadação são completamente descentralizadas, visto que a Lei Complementar prevista na Constituição Federal para garantir a unificação dessas normas não atinge seu objetivo, à medida que não impede a autonomia de cada ente federativo legislar sobre benefícios fiscais e regras específicas da sistemática de arrecadação desse tributo.

Com isso, a descentralização normativa, na qual o ICMS está inserido, impede o cumprimento do princípio da eficiência, já que aumenta a complexidade e burocratização das obrigações por parte dos contribuintes, uma vez que estes são obrigados a empregar esforços redobrados para se adequarem a legislações diversas e esparsas para um mesmo tributo, conforme restou constatado dos litígios envolvendo este tributo. Tal situação necessariamente se opõe à ideia de maximização defendida por Richard Posner, que seria inerente ao conceito de eficiência.

192 GRECO, M. A. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2011, p. 354.

193 De acordo com a informação disponibilizada pela Comissão Técnica Permanente do ICMS no ano de 2014, o montante total arrecada a título de ICMS foi de R$ 388.656.117,00. Disponível em: <http://www1.fazenda.gov.br/confaz/boletim/>. Acesso em: 11 jun. 2016.

Não obstante a complexidade normativa e a dificuldade de adequação por parte dos contribuintes que geram os conflitos levantados, é fato que a perpetuação de conflitos em âmbito judiciário demonstra um custo adicional também para a Administração Pública, já que existe um grande volume de discussões que envolve este tributo, bem como requer a movimentação de 27 diferentes maquinários públicos para sua fiscalização e arrecadação. Assim, a eficiência dessa arrecadação não é alcançada pela Administração Pública, a qual necessita de recursos adicionais para arcar com os gastos das discussões judiciais e administrativas existentes para validar a estrutura normativa atual e a arrecadação do ICMS.