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CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2 Igualdade de género em contexto de Jardim de Infância

2.2.3 Conceito de estereótipo

Desde os anos 20 do passado século que o conceito de estereótipo surge como um aspeto central da investigação em Psicologia Social. Inicialmente, o estereótipo é compreendido como uma imagem intercalada entre o individuo e a realidade, com carácter subjetivo e pessoal, cuja constituição tem por base o sistema de valores do individuo. Assim, é nesta altura, que o estereótipo é encarado como uma generalização falsa, perigosa e também ela reveladora de falta de conhecimento, modificando-se somente através de uma educação que mentalize a pessoa da inexistência de fundamento dos seus juízos (Amâncio, 1994).

A partir dos anos 30 do passado século, a maior parte da investigação desenvolvida, aborda os estereótipos relativos a grupos sociais, essencialmente grupos éticos e também grupos de género. Já a partir dos anos 80, os pesquisadores começaram por preocupar-se com os processos específicos, pelos quais, os estereótipos executam a sua influência na perceção social, nos comportamentos, demonstrando a importância de estereótipos em todos os aspetos do processamento de informação social (Sherman, 1996).

De acordo com Neto et al. (2000), o conceito de estereótipo tem sofrido algumas mudanças/evoluções: da conceção individual, subjetiva e negativa anteriormente mencionada, relacionada com uma natureza essencialmente patológica, o estereótipo passa a ser encarado como uma construção sociocognitiva “neutra” (Deaux & Lewis, 1984; Deaux, 1985) e como uma forma de conhecimento aceitável e prático, porém não muito preciso.

Para Rodrigues (2003, p. 24), os estereótipos referem-se “às expectativas e crenças

partilhadas acerca de comportamentos apropriados e características para homens e mulheres numa dada sociedade”. Desta forma, a autora acrescenta que à medida que a identidade de

género se vai tornando estável, a criança vai aprendendo estereótipos de género através da observação de diferentes ações e ainda papéis de género de homens e mulheres que a rodeiam.

2.2.3.1 Estereótipo de género

De acordo com alguns estudos sobre o género, por exemplo o estudo realizado por Amâncio (1994), este é observado como uma categoria social, na qual os sujeitos baseiam os seus julgamentos, avaliações, expetativas de comportamento e explicações do desempenho.

No que se refere somente ao género, os estereótipos a ele associados estão relacionados com as crenças partilhadas pela sociedade sobre o que significa ser homem ou mulher. Já Susan Basow (1992) acredita que, para além de qualquer outro tipo de estereótipo, o de género apresenta um forte poder normativo, na medida em que assume quer uma função descritiva das presumíveis características dos homens e das mulheres, quer uma visão prescritiva dos comportamentos que ambos os sexos deverão exibir.

Assim, “se os estereótipos estabelecem aquilo que é esperado de cada um dos sexos, eles

encerram em si, também, uma avaliação daquilo que o homem e a mulher não deverão exibir, quer em termos físicos, quer a nível psicológico” [Cardona e colab. (2010), p. 27]. Segundo esta perspetiva, referem ainda que os indivíduos que se afastam dos olhares dominantes de masculinidade e feminidade são habitualmente alvo de julgamentos negativos por parte dos outros. Nestes termos, é de salientar que o homem é aquele que mais sofre penalizações sociais, da família, dos pares, etc., caso se venha a desviar das normas comportamentais consideradas ajustadas ao seu sexo.

Susan Basow (1986), na tentativa de mostrar que os estereótipos de género são complexos, subdivide-os em quatro subtópicos, sendo então estereótipos referentes aos traços ou atributos; estereótipos relativos a papéis desempenhados; estereótipos relativos às atividades profissionais e também, estereótipos referentes às características físicas.

Neto e Neto (1990) realizaram uma investigação em Portugal e constataram que aos 5 anos de idade, as crianças já possuíam a aquisição do conhecimento dos estereótipos de traços de género mais evidentes.

Os autores Martin, Wood & Little (1990), com base nos resultados das suas investigações, apontam três estádios de desenvolvimento dos estereótipos de género, sendo eles:

 até aos 4 anos de idade, a criança aprende as características associadas a cada um dos géneros;

 dos 4 aos 6 anos de idade, a criança desenvolve associações mais difíceis e indiretas da informação que é proeminente para o seu próprio género;

 a partir dos 6 anos de idade, a criança aprende as associações relevantes para o outro género.

A partir do momento em que é conhecida a grande expetativa referente ao nascimento de uma criança, é normal ficar a saber se é um menino ou uma menina e, logo após o nascimento, a categorização “menino” ou “menina” decidirá grande parte das características da interação entre a criança e o meio que a rodeia, desencadeando um processo de socialização diferente, no

- uma experiência com crianças de Educação Pré-Escolar -

qual a criança vai aprendendo e adquirindo as normas e valores, anteriormente estabelecidos, adequados e desejáveis para a sua categoria sexual.

Os estereótipos de género tratam-se de um subtipo de estereótipos sociais e na perspetiva de Neto et al. (2000, p. 11):

“a conceptualização dos estereótipos de género pode realizar-se a dois níveis: estereótipos de papéis de género e estereótipos de traços de género”. Os primeiros e ainda segundo os mesmos autores “designam as crenças solidamente partilhadas sobre as actividades apropriadas a homens e a mulheres, referindo-se os estereótipos de traços de género às características psicológicas que diferencialmente se atribuem a ambos”.

Desta forma, pode-se afirmar que “os estereótipos de género incluem as representações

generalizadas e socialmente valorizadas acerca do que os homens e mulheres devem «ser» (traços de género) e «fazer» (papéis de género)” (Neto et al., 2000, p. 11). Desta forma, estes

dois tipos de estereótipos de género são inseparáveis.

Deaux (1985) menciona a importância e necessidade de se incluir no estudo dos estereótipos de género as avaliações próprias do desempenho masculino e feminino em determinados domínios das atividades.

Os estereótipos tendem a subsistir à mudança e para Neto et al. (2000, p. 12) “um dos

factores que poderá potenciar a conservação dos estereótipos de género reside no facto de o processo de estereotipia ser geralmente inconsciente e dificilmente reconhecido por parte dos indivíduos portadores”.

De acordo com Cardona e colab. (2010, p. 26), “os estereótipos constituem conjuntos bem

organizados de crenças acerca das características das pessoas que pertencem a um grupo particular”.

Desta forma, e com base nos estereótipos, as mesmas autoras acrescentam que todos os elementos de um determinado grupo social tendem a ser avaliados da mesma forma, como se os indivíduos pertencessem a categorias homogéneas.

Para Neto et al. (2000, p. 8)

“As diferenças entre mulheres e homens que, á partida deveriam ser positivas e enriquecedoras, pela sua diversidade, tornaram-se diferenças de igualdade de oportunidades, assentes numa multiplicidade de estereótipos sociais e culturais que, ao longo de séculos, têm legitimado a supremacia dos homens face às mulheres, nos mais diversos domínios da vida social”.

Ainda segundo estes autores, os estereótipos de género, tratando-se de um tipo próprio dos estereótipos sociais, podem, na verdade, mostrar-se essenciais mediadores psicossociais que exercem uma importante influência nas atitudes individuais e coletivas.

Para promover a igualdade de oportunidades, é fulcral conhecer os conteúdos dos estereótipos de género, os seus processos de desenvolvimento e ainda alguns fatores psicossociais que colaboram na sua formação. Neste sentido, Neto et al. (2000) dizem-nos que é importante compreender e valorizar a diferença entre o masculino e o feminino num quadro de igualdade de oportunidades para homens e mulheres, cabendo à Educação essa informação essencial desses valores.

2.2.3.2 Estereótipo de género no processo de socialização

De acordo com Neto et al. (2000), todos os agentes de socialização se parecem comportar em relação à criança de acordo com as suas expetativas, fundamentadas em estereótipos de género. A criança é influenciada pelos modelos estereotipados disponíveis na sociedade e é encorajada a empenhar-se no comportamento convencional associado ao género.

Para além da família, onde a criança contacta e adquire os seus primeiros modelos sociais, também o grupo de pares, os media e ainda a escola proporcionam uma educação que transmite e reforça os padrões de comportamento culturalmente distintos para rapaz e rapariga. Todos estes agentes de socialização se complementam quanto à influência que possuem sobre a criança.

Quanto à família, a investigação demonstra que é um dos maiores agentes de socialização ao longo de toda a infância da criança. Os estudos efetuados na área revelam que os pais fortalecem e recompensam os comportamentos ajustados ao género, selecionando, desta forma, os brinquedos com que os seus filhos podem brincar, interagindo diferencialmente com os seus filhos rapazes e raparigas (Langlois & Downs, 1980; Huston, 1983; Ruble, 1988; Turner & Gervai, 1995).

Os pais interagem mais com as filhas do que propriamente com os filhos, deixando-os a brincar durante mais tempo sozinhos. E ainda, de acordo com Huston (1983), Ruble (1988) e Roge & Ionescu (1996), as raparigas são mais estimuladas ao relacionamento social, à expressividade e a apresentar comportamentos dependentes.

No que respeita ao agente de socialização, o grupo de pares e a associação de crianças e de jovens em grupos de pares do mesmo género são um fenómeno universal, muitíssimo estável ao longo da infância e da adolescência. As crianças optam por brincar com colegas do mesmo género, devido à partilha de interesses, compatibilidade comportamental em situação de jogo, dinâmicas cognitivas de identidade de género e aos padrões de influência mútua (Maccoby, 1988).

Ainda de acordo com Neto et al. (2000) as crianças passam muito tempo a ver televisão e, neste sentido, este agente de socialização poderá definir-se como uma fonte de aprendizagem privilegiada dos estereótipos de género.

A criança quando brinca espontaneamente adota as suas personagens favoritas, limitando- se a imitá-las. Se estas personagens possuírem padrões de comportamentos estereotipados, a criança irá assimilá-los e reproduzi-los nas suas respetivas brincadeiras. As análises de conteúdo de várias categorias de programas televisivos demonstram que abundam os modelos de comportamentos padronizados quanto ao género (Huston, 1983; Durkin, 1985), com imagens geralmente estereotipadas e distorcidas em relação à realidade atual (Durkin, 1985). Um cenário semelhante a este é visível através da análise dos livros de histórias infantis, em que as crianças imitam as suas personagens/heróis preferidos.

- uma experiência com crianças de Educação Pré-Escolar -

2.2.3.3 Estereótipo de género no processo de ensino-aprendizagem das

crianças

De acordo com Neto et al. (2000), a escola atual ambiciona ser uma escola democrática que não estabelece, rigorosamente, distinções entre rapazes e raparigas, ao nível do acesso aos programas e às normas de ensino. Neste sentido, poderia pensar-se que esta não contribuiria para a continuação dos estereótipos de género.

Porém, a investigação tem revelado que a escola não tem conseguido assegurar igualdade de oportunidade para rapazes e raparigas, reproduzindo e fortalecendo os valores e modelos tradicionais dos papéis e traços de género (Huston, 1983).

Subirats (1991) refere-nos que a transmissão dos estereótipos de género na escola é, inclusivamente, mais perspicaz e menos direta do que na família ou no grupo de pares. Este autor ainda acrescenta que esta transmissão é realizada segundo diferentes processos como: atitudes e interações distintas dos professores para com os rapazes e as raparigas; desigualdade no aproveitamento de vários tipos de material e no acesso a determinadas atividades; estratégias utilizadas na constituição de grupos de trabalho; representação diferenciada dos rapazes e raparigas nos livros e materiais escolares; organização diferenciada do sistema escolar quanto aos papéis dos docentes masculinos e femininos, nos diferentes níveis de ensino; e, por fim, a própria disposição do espaço escolar.

Em consequência, os estereótipos de género poderão levar a que os professores percecionem de forma diferente os alunos, rapazes e raparigas e, numa forma mais ampla, as expetativas mais elevadas em relação aos rapazes, nas atividades particularmente masculinas e, no que respeita às raparigas, nas atividades caracteristicamente femininas (Neto et al., 2000).

Huston (1983) e Subirats (1991) dão-nos a conhecer que a revisão de alguns estudos realizados no âmbito da observação do comportamento do professor em relação a rapazes e raparigas, em turmas mistas, revela que os professores adotam padrões de interação diferenciados, quer em situações formais como informais: aos rapazes é dada maior atenção; é- lhes facilitada maior quantidade de interações verbais; possuem mais possibilidades para a participação verbal voluntária, expondo as suas opiniões e intervindo no espaço da sala de aula; são mais estimulados a tomar decisões de forma autónoma e a revelar comportamentos independentes, no que respeita ao envolvimento e às pessoas com quem interagem.

Contudo, segundo Neto et al. (2000), os professores, geralmente, não têm consciência dessa forma de tratamento diferente, pensando que estão a apresentar igual comportamento em relação aos rapazes e às raparigas.

Ainda na perspetiva de Neto et al. (2000),

“se a escola tem ajudado a desenvolver os estereótipos tradicionais dos papéis de género, também será

possível, com a participação activa dos vários agentes educativos, promover o desenvolvimento de modelos alternativos mais adaptados à sociedade actual e às reais necessidades das crianças e dos