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Parte I Enquadramento Teórico

1. Conceito de funcionalidade

O processo de envelhecimento está associado a um conjunto de modificações físicas, psicológicas e sociais e que podem resultar na dificuldade das pessoas idosas se ajustarem às atividades do quotidiano devido à progressiva perda da sua capacidade funcional (Schneider & Irigaray, 2008; Sampaio & Luz, 2009; Fechine & Trompieri, 2012). Essas modificações tendem a refletir-se em várias situações da vida, afetando a capacidade de autonomia e de dependência, importantes na preservação da funcionalidade, resultando num desequilíbrio psíquico, assim como na execução das AVDs e AIVDs (Moraes et al., 2010). Em consequência, pode conduzir à restrição e limitação em executar atividades básicas essenciais ao quotidiano, ou mesmo à incapacidade (OMS, 2004; Parahyba & Simões, 2006; Sampaio & Luz, 2009; Quintana et al., 2014).

Assim sendo, o conceito de funcionalidade refere-se à capacidade biológica e emocional de lidar com questões que tendem a surgir com o processo de envelhecimento, assim como a capacidade de participação e de envolvimento, através de atividades, na sociedade (Schneider & Irigaray, 2008; Moraes et al., 2010). Relacionado com esse conceito é a avaliação funcional, que pode fornecer elementos úteis para o desenvolvimento de medidas de prevenção e de intervenção. Existem instrumentos com essa finalidade, respetivamente no que respeita aos fatores físicos, psicológicos e sociais que podem afetar o estado de saúde (Jr. Paixão & Reichenheim, 2005).

Deste modo, a avaliação funcional pode ser considerada uma ferramenta fundamental na minimização dos impactos negativos da perda de funcionalidade. Fomentar a capacidade funcional, ou seja, promover a autonomia e independência das pessoas idosas, reveste-se de elementar importância para uma melhor qualidade de vida e bem-estar. Como ferramenta que

se centra na manutenção da independência e da capacidade funcional surgiu a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).

1.1. Organização da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Desenvolvida, em 2001, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de oferecer uma linguagem comum para os profissionais que trabalham nas áreas da saúde e social, contempla um conceito de saúde mais abrangente e integrador para a avaliação da funcionalidade humana (Ferreira et al., 2012; Machado et al, 2013; Castro et al., 2014; Quintana et al., 2014).

A CIF sugere uma nova visão da compreensão da funcionalidade e incapacidade, uma vez que se baseia em dois modelos, o biomédico e o social. Importa distinguir-se os dois modelos. No modelo biomédico, centrado no paciente, a incapacidade é entendida como uma consequência biológica do mau funcionamento do organismo, enquanto no modelo social a incapacidade é percebida como resultante da condição de saúde da pessoa, mas também de fatores ambientais (OMS, 2004; Sampaio & Luz, 2009). Assentando nestas duas visões com distintas perspetivas de atuação na saúde, a CIF propõe uma abordagem biopsicossocial baseada na interação entre as dimensões individuais biológica, psicológica e social, assim como com a dimensão contextual (OMS, 2004; Sampaio & Luz, 2009; Machado et al., 2013; Quintana et al., 2014). Esta nova abordagem tem como foco a funcionalidade voltada para o potencial e habilidades da pessoa (Castro et al., 2014) na interação dos componentes ‘Funções do Corpo’, ‘Estruturas do Corpo’ e ‘Atividades e Participação’ com os ‘fatores ambientais’ (meio em que a pessoa se insere) (Cieza et al., 2005; Castro et al., 2014). Trata-se, por isso, de uma ´ferramenta` que, através da sua abordagem biopsicossocial, pode ser utilizada de distintas formas, em distintos campos, e tanto a nível individual como institucional.

Entre as várias formas de aplicação da CIF estão a possibilidade de monitorização da evolução da pessoa, a formulação e a implementação de políticas públicas, a comparação com outros instrumentos, elaboração de core sets, assim como base para pesquisa ou intervenção nas variadas condições de saúde (Quintana et al., 2014; Ferreira et al., 2014).

Deste modo, é fundamental conhecer e compreender que a CIF está organizada por domínios da saúde (por exemplo, ver, ouvir andar e aprender), por domínios relacionados com a saúde (por exemplo, educação, transporte e interações sociais) e considera duas partes principais: a de funcionalidade e incapacidade e a dos fatores contextuais. E cada parte é constituída por

componentes: a primeira por ‘’Funções do Corpo’’ (b), ‘Estruturas do Corpo’ (s), ‘Atividades e Participação’ (d) e a segunda parte da CIF, por ‘Fatores Ambientais’ (e) e ‘Fatores Pessoais’. O componente ‘Funções do Corpo’ (b) refere-se às “funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas) ”, o componente ‘Estruturas do Corpo’ (s) refere-se aos “problemas nas funções ou na estrutura do corpo” (como um desvio importante ou uma perda), o componente ‘Atividade e Participação’ (d), sendo que atividade diz respeito à “execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo” e participação ao “envolvimento numa situação da vida” e, por último, o componente ‘Fatores Ambientais’ (e), sendo aqueles “externos aos indivíduos que podem ter uma influência positiva ou negativa sobre o seu desempenho, enquanto membros da sociedade”, organizados por dois níveis, o individual (no ambiente do indivíduo, como por exemplo o domicílio) e o social (“estruturas sociais formais e informais, serviços e regras de conduta ou sistemas na comunidade ou cultura que têm impacto no indivíduo”) (OMS, 2004, p. 14-19). Já os ‘Fatores Pessoais’ são o “histórico particular da vida e do estilo de vida de um indivíduo e englobam as características do indivíduo”, como o género, a idade, os hábitos, a profissão, as características psicológicas individuais (OMS, 2004, p. 19). Esta última apresenta limitações relacionadas com a atividade como “dificuldades que os indivíduos podem encontrar na execução de tarefas” e restrições na participação como “problemas que um indivíduo pode experimentar no envolvimento em situações reais da vida” (OMS, 2004, p. 16). Todos os fatores mencionados (´fatores ambientais` e ´fatores sociais`) também interagem com os primeiros três componentes descritos.

Após a descrição dos componentes, importa referir que cada um é constituído por vários domínios e que cada domínio tem unidade de classificação (UC) e subunidades de classificação (SUC), as quais têm códigos (OMS, 2004) (Tabela 1).

TABELA 1 - ORGANIZAÇÃO DA CIF E EXEMPLOS

Componente Capítulo Domínio Unidade de Classificação (UC)

Subunidade de

Classificação (SUC) Códigos

‘Funções do Corpo’ (b) ‘Funções mentais’ ‘Funções mentais globais (b110-b139)’ ‘b110 - Funções da consciência’ ‘b1101 - Continuidade da consciência’ ‘b110’ ‘b1101’

A CIF tem sido utilizada na prática clínica em vários países, como a Alemanha e o Brasil, nomeadamente através de core sets (Ferreira et al., 2014). Consistem em listas resumidas de classificações da CIF que permitem identificar quer problemas quer potencialidades numa determinada condição de saúde, como por exemplo a musculosquelética, a cardiopulmonar ou, ainda, o cancro da mama (Ferreira et al., 2014). A CIF engloba 1454 aspetos da funcionalidade, no entanto, para o desenvolvimento de core sets, devem-se avaliar apenas as categorias específicas e significativas de uma determinada condição de saúde (Riberto, 2011). A metodologia para a sua criação envolve várias etapas, nomeadamente as primeiras duas subfases, a da revisão da literatura e a da recolha de opinião de especialistas, assim como fases posteriores, como a que envolve análise estatística (Riberto, 2011; Ferreira et al., 2014). Permitem, assim, definir as categorias da CIF devidamente selecionadas (Riberto, 2011). A literatura apresenta como benefícios da aplicação de core sets o facto de ter presente aspetos que antes não considerados como determinantes na condição de saúde (como os fatores ambientais), o que possibilita uma melhor descrição da funcionalidade, assim como uma maior homogeneidade nas observações (Riberto, 2011; Ferreira et al., 2014). Neste sentido, considera-se de grande utilidade o desenvolvimento de core sets específicos (Riberto, 2011).