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2.2 Teorias da regulação

2.2.1 Conceito de Regulação e Evolução das Teorias

O conceito de regulação pode ter diversos significados. De acordo com Zerk (2006), para propósitos legais, regulação geralmente se refere ao controle sobre atividades privadas, exercido por autoridades públicas. Contudo, segundo a autora, esse termo também pode se referir a uma fonte mais diversa de controle social ou influência, incluindo fontes não formais e processos não estatais. A autora afirma que a chave para o entendimento da regulação é a

35 Alguns pesquisadores argumentam a inexistência de aspecto democrático dessa participação, dados os custos

envolvidos e a reduzida possibilidade de influência destinada aqueles que não compartilham da visão predominante no normatizador (Burlaud & Colasse, 2011).

correta compreensão das influências e das pressões que guiam o comportamento do regulador e como ele pode ser manipulado para atingir determinada meta.

De forma mais restrita, Baldwin e Cave (1999) afirmam que a regulação é considerada uma atividade que restringe ou previne a ocorrência de certos comportamentos indesejados, limitando a liberdade dos agentes, podendo, no entanto, também ser utilizada para compreender ações permissivas ou facilitadoras de comportamento. Definições similares são fornecidas por Stone (1982, p. 10) para quem a regulação “é a limitação imposta pelo Estado nas escolhas que poderiam ser exercidas pelos indivíduos ou organizações, sujeita a possível sanção”36 e por Viscusi et al. (2005, p.357) que a define como “o uso do poder governamental com o propósito de restringir as decisões dos agentes econômicos.”37

O elemento chave dentro do conceito de regulação é a ideia de restrição do comportamento. Regular é limitar as ações dos indivíduos e organizações por meio de alguma norma. Em relação ao ambiente contábil, a regulação restringe as escolhas que as entidades teriam entre os métodos contábeis disponíveis, podendo inclusive forçar as empresas a apresentarem informações de maneira que elas não fariam voluntariamente (Sutton, 1984). Os critérios utilizados na prática contábil sofrem restrições quando as normas limitam a maneira como os fatos devem ser reconhecidos pela contabilidade, ou determinam como um elemento deve ser mensurado ou restringem a forma como devem ser realizadas as evidenciações nas demonstrações financeiras.

Assim, para esta pesquisa, o conceito de regulação adotado compreende o processo de elaboração das normas contábeis emitidas pelo IASB que, no exercício de suas atividades, definem os elementos da prática contábil e princípios a serem seguidos nos relatórios financeiros, limitando a liberdade de escolha das organizações (Kothari et al., 2010).

O estudo sobre regulação é objeto de interesse de disciplinas como Economia, Direito e Ciência Política, cada qual com robusto desenvolvimento teórico no assunto. De acordo com Spulber (1989), enquanto a literatura oriunda do Direito se preocupa principalmente com os mecanismos de enforcement dos regulamentos, bem como com o processo formal e administrativo de criação das normas, a Ciência Política foca na dimensão política e

36 “the state impose limitation on the discretion that may be exercised by individuals or organizations, which is supported by the threat of sanction”.

administrativa da formulação e implementação da regulação, com a Economia tradicionalmente preocupada em analisar os incentivos e aspectos de bem-estar derivados das políticas de regulação adotadas. Apesar de cada uma delas enfatizar aspectos distintos do assunto, a complexidade dele exige a utilização de abordagens mais abrangentes para a sua análise.

A literatura em economia política dedicada ao estudo da regulação da atividade econômica se utiliza de princípios da microeconomia, tais como as premissas de indivíduos racionais e maximizadores de sua própria utilidade, para estudar o processo político, buscando explicar quais são as razões e incentivos econômicos que estão por trás do processo regulatório. De acordo com Stigler (1971), as teorias sobre regulação devem explicar e prever quem serão os beneficiários com a adoção de um novo regulamento, quais atividades têm maior probabilidade de serem reguladas e de que forma esta regulação ocorrerá.

Viscusi et al. (2005) afirmam que a teoria da regulação passou por três estágios de evolução. A primeira abordagem foi a de que a regulação existe para resolver falhas de mercado, tais como monopólios, externalidades negativas e assimetria informacional. Essa abordagem para qual foi dado o nome de Teoria do Interesse Público, cuja primazia é creditada a Pigou (1932), admite que o regulador possui o objetivo de maximizar o bem-estar da sociedade como um todo e age sempre nos melhores interesses para isso, buscando remediar as falhas onde os mecanismos do próprio mercado não forem suficientes para resolvê-las. Sob esta lente, a regulação ocorre sempre que os benefícios sociais (para a maior parte da comunidade) atribuídos ao regulamento forem maiores do que seus custos.

De acordo com Fiani (1998), somente a partir da Teoria do Interesse Público foi possível à teoria econômica tratar de maneira formalizada a intervenção do Estado na economia, uma vez que a análise econômica surgida dos trabalhos de Adam Smith negava, até então, a necessidade dessa intervenção38.

38 De acordo com Fiani (1998), o trabalho de Adam Smith, A Riqueza das Nações, fundamentou toda a análise

econômica. Segundo ele, Smith acreditava que: cada indivíduo aplicando o seu esforço e capital de forma a obter para si o maior benefício, não se preocupando com o interesse público, seria, assim mesmo, guiado por uma mão invisível da competição a maximizar os benefícios para toda a sua sociedade. A competição entre os produtores levaria a baixa de preço a inovação tecnológica e melhoria da qualidade, trazendo o bem-estar para a sociedade. Neste sentido, a competição harmonizaria as forças que dirigem os interesses individuais, direcionando-as, naturalmente, ao interesse público. Seguindo esse pensamento, a iniciativa privada devia ser preservada das restrições impostas pela intervenção do Estado. Assim, a regulação seria desnecessária e até nociva para toda a sociedade, trazendo muito mais custos do que benefícios.

A segunda abordagem é de que a regulação é sempre criada em benefício das entidades reguladas e que, por isso, os reguladores são capturados pelas indústrias as quais regulam. A essa explicação foi dado o nome de Teoria da Captura e admite um regulador subserviente e destinado a atender aos interesses dos regulados.

A terceira abordagem da teoria da regulação surgiu com as pesquisas da chamada Escola de Chicago e compreende os trabalhos de Stigler (1971), Posner (1974), Peltzman (1976) e Becker (1983), inspirados nos escritos de Bentley (1908), para quem todo o processo político é consequência não de ideias individuais, ou da sociedade como um todo, mas fruto da ação específica de grupos de interesse existentes na sociedade e que congregam as percepções individuais. Esse último estágio evolutivo deu origem à Teoria Econômica da Regulação, também conhecida como Teoria dos Grupos de Interesse, e é uma sofisticação da Teoria da Captura que, de acordo com Becker (1983), assume que a regulação é resultado da competição entre grupos de interesses, e que será utilizada para aumentar o bem-estar do grupo mais influente.

Apesar de considerarem a Teoria dos Grupos de Interesse a mais bem formulada, com a geração de várias hipóteses testáveis derivadas de suas conjecturas e de apresentar vantagens para a explicação de algumas das atividades regulatórias em países da Europa e Estados Unidos, Baldwin e Cave (1999) e Viscusi et al. (2005) acreditam que muitas evidências ainda são inconsistentes com esta teoria e mais estudos precisam ser realizados sob este paradigma. Tal ponto de vista é compartilhado por Stiglitz (2010) para quem a Teoria do Interesse Público, com a consideração de novos aspectos relacionados às falhas de mercado (irracionalidade do mercado, justiça distributiva) é ainda uma importante abordagem para explicar o processo regulatório.