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3 O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL NO CAMPO (TIC) E A

3.2 Conceito de trabalho infantil no campo (TIC)

O Trabalho infantil no campo apresenta diversas peculiaridades que conduzem ainda mais a sua invisibilidade e também à sua classificação dentre as piores formas de trabalho infantil, consoante Decreto n. 6.481, de 12 de junho de 2008. Nessa conjuntura se costuma traçar uma diferenciação entre as atividades realizadas em regime de agricultura familiar.

O conceito de trabalhador rural, extensivo ao trabalhador rural infante é o previsto no caput da Convenção n. 141 da OIT, que, ratificada pelo Brasil em 1975, assim dispõe:

Art. 2 — 1. Para efeito da presente Convenção, a expressão ‘trabalhadores rurais’ abrange todas as pessoas dedicadas, nas regiões rurais, a tarefas agrícolas ou artesanais ou a ocupações similares ou conexas, tanto se trata de assalariados como, ressalvadas as disposições do parágrafo 2 deste artigo, de pessoas que trabalhem por conta própria, como arrendatários, parceiros e pequenos proprietários.

Tal Convenção apresenta conceito mais amplo do que o trazido pela Lei n. 5.889/73, porquanto atrelada ao percebimento de salário, requisito desconsiderado pela Convenção supra.

Oris de Oliveira lembra que o trabalho no campo também se refere ao rur- urbano, já que este mora na cidade, mas trabalha no setor rural. Ademais, salienta as diversas relações advindas da relação de trabalho do rurícola, quais sejam: de empregado permanente, de safrista (em períodos sazonais), como eventual (sem

continuidade), além das relações de empreiteiros operários rurais.102

Acrescenta, em outra obra, que o adolescente - e aqui entende-se que restam inclusos a criança e o adulto - trabalham ainda, “como boia-fria, pilão, volante, birolo, clandestino, catingueiro, changueiro.”103

O professor Zéu Palmeira sucintamente coloca em palavras a especificidade deste tipo de labor, e as formas de exposição.

Na agricultura é comum o trabalho do menor, visto que os ritos de iniciação se dão como um desenvolvimento dos membros da família. Desde cedo as crianças manipulam fertilizantes, inalam ou ingerem substâncias nocivas à sua saúde, são expostos ao contato com inseticidas e fungicidas, apresentando precocemente doenças de pele e quadros de dispneia. Além desses aspectos, não raro a criança trabalhadora do campo é submetida a precárias condições de higiene, sem acesso à água potável, submetida a horários de trabalho inadequados, a situações de intenso frio ou calor ou a tarefas que demandam esforço físico que está além da sua capacidade normal.104

Nas tarefas realizadas por estas pessoas em desenvolvimento em nível de agricultura em regime familiar, a título de diferenciação, tende a se verificar uma menor incidência de agrotóxicos, um maior e melhor acompanhamento das atividades pelos pais, horários em que se permite a ida a escola, o fato de trabalharem em um núcleo familiar, todos conjuntamente de certa forma propicia a convivência familiar necessária, e etc. Contudo, não se afirma precocemente com isso que o trabalho, nestas condições, seja benéfico às pessoas em idade laboral inferior à legal.

O regime familiar, nas palavras de Oris de Oliveira, “se caracteriza pela execução de serviços onde trabalham habitualmente pessoas da família sob a direção de um de seus membros”, de modo que “a distribuição de tarefas sob o comando do poder familiar não descaracteriza o regime familiar.” 105 Neste sentido, o

trabalho de todos é considerado para fins de lucro ou prejuízo, não há regime de

102 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e profissionalização de adolescente. São Paulo: LTr,

2009, p. 166.

103 OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr,, 1994, p.

105.

104 PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Acidente do trabalho: críticas e tendências. São Paulo:

LTr, 2012, p. 355.

105 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e profissionalização de adolescente. São Paulo: LTr,

empregado-empregador evidenciado.

Nos termos da Lei 11.326/2006, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.106

O texto foi regulamentado pelo Decreto N. 9.064, de 31 de maio de 2017, o qual conceitua Unidade Familiar de Produção Agrária, ao tempo em que institui o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar.107

A regulamentação delibera, de forma mais objetiva, o público beneficiário da política nacional da agricultura familiar e define os empreendimentos familiares rurais, cria o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), que permite identificar os agricultores familiares com acesso às políticas públicas da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD).

No Brasil, é sobremaneira importante a agricultura em regime familiar, nos termos do que propõe a Lei, haja vista o tratamento diferenciado dispensado a estes agricultores na forma de incentivos, tais como o crédito e o manejo de culturas em harmonia com a preservação da natureza.

Contudo, Oliveira observa a necessária diferença que há entre a agricultura familiar e a contratação de equipe, comum no País. Neste, empregam-se os pais, na condição do envolvimento também de cônjuges e filhos, já que a remuneração, nestes casos, costuma se dar por produção, por tarefa ou por empreitada. Ocorre, portanto, uma burla à legislação, porquanto se trata, na verdade, de vários contratos

106 BRASIL. Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a

formulação da política nacional da agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais, Brasília, DF, jul. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11326.htm>. Acesso em: 23 abr. 2018.

107 BRASIL. Decreto Nº 9.064, de 31 de maio de 2017. Dispõe sobre a Unidade Familiar de

Produção Agrária, institui o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar e regulamenta a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e empreendimentos familiares rurais, Brasília, DF, maio 2017. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2017/decreto- 9064-31-maio-2017-785001-publicacaooriginal-152929-pe.html>. Acesso em: 23 abr. 2018.

individuais, sendo irrelevante o vínculo de parentesco, conforme se transcreve trecho abaixo:

Ocorre, nessa hipótese, concretamente, o que a doutrina denomina de “contrato de equipe”, porque um conjunto de pessoas se organiza para realizar um trabalho comum. É circunstancia irrelevante que esses trabalhadores tenham entre si um vínculo de parentesco ou familiar. O contrato de equipe é, na verdade um “feixe” de contratos individuais: todos e cada um dos componentes do grupo são empregados com todos os direitos e deveres inerentes a essa relação jurídica. 108

Assim, pelo que se expôs até agora, já se vê bem as dificuldades de enfrentamento, que começam pelo aspecto cultural do trabalho no campo, perpassando pelas tentativas de burlas à legislação no sentido de explorar a parte mais frágil desta relação.

Numa fronteira tênue, tem-se a atividade voluntária educativa, a qual se passa a abordar.