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3 O COMBATE AO TRABALHO INFANTIL NO CAMPO (TIC) E A

3.1 O trabalho infantil: noções, espécies e causas

3.1.1 Trabalho infantil doméstico

O trabalho infantil doméstico é o labor desenvolvido no agrupamento familiar, remunerado ou não, que tem como características marcantes a execução de “atividades repetitivas que pouco auxiliam no seu desenvolvimento”, segundo Josiane Veronese, impondo consequências danosas que afetam diretamente seu físico, sua cognição, seu emocional, sua moral e seu modo de conviver em sociedade.67

Oris de Oliveira entende que é doméstico o serviço de finalidade não lucrativa prestado à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas sendo indiferente que o tomador resida no perímetro urbano ou rual.68

Nesta categoria em especial os números são alarmantes. Os dados sobre Trabalho Infantil da última PNAD Contínua 2016, divulgado no mês de novembro de 2017 apontam mais de 6 milhões de crianças realizando tarefas domésticas. “Mais da metade das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhavam em casa com cuidados de pessoas ou afazeres domésticos”. Ainda: “A pesquisa mostrou que 20,1 milhões de crianças dedicaram, em média, 8,4 horas semanais a essas atividades”.

66 PALMEIRA SOBRINHO, Zéu. Acidente do trabalho : críticas e tendências. São Paulo :

LTr, 2012, p. 345.

67 VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil doméstico no Brasil. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 114.

68 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e profissionalização de adolescente. São Paulo: LTr,

69

Ademais, ainda constatou-se que além destes cuidados à pessoas e afazeres domésticos, há também o trabalho para o próprio consumo, este realizado por 716 mil crianças, por uma média de 7,5 horas semanais. Desse modo, chama-se atenção para o fato de que “72,3% das crianças de 5 a 17 anos ocupadas em atividades econômicas também trabalhavam na produção para o próprio consumo e cuidados de pessoas ou afazeres domésticos”, peculiaridade esta em que a Região Nordeste alcança mais destaque: “9,8 horas semanais, em média, considerando tanto afazeres domésticos quanto produção para o próprio consumo.” 70

A pesquisa aponta ainda que as meninas de 14 a 17 anos se sobressaem neste trabalho em relação aos meninos, estes com média de 8,1 horas semanais, aquelas com 12,3 horas, situação que persiste em faixas etárias inferiores.

A Ministra do TST Kátia Arruda também faz uma abordagem lúdica e por demais interessante ao correlacionar a criança sob tais condições à Cinderela, personagem da Disney, sob a nominação “Rompendo com o conto da Cinderela”,71

no qual traça um paralelo sobre a forma como o conto se desenrola, bem assim às atividades domésticas desenvolvidas pela menina e o trabalho infantil doméstico tão conhecido.

Interpela as condições em que se desenrola o drama, principalmente aqui no Nordeste, ao lembrar que estas crianças são trazidas para “ajudar no serviço doméstico”, quando na verdade, o que ocorre caracteriza o “trabalho doméstico”.

Nesse ponto, de se dizer que a Ministra trabalha tal distinção, ao afirmar que: considera-se serviço doméstico o trabalho realizado na própria casa, sem qualquer remuneração e sem constituir relação laboral.72 73“O trabalho doméstico,

69 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Trabalho infantil: mais de 20 milhões de crianças realizavam tarefas domésticas. 2012. Disponível em:

<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-

noticias/noticias/18384-pnad-c-trabalho-infantil-noticia.html>. Acesso em 12 abr. 2018.

70 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Trabalho infantil: mais de 20 milhões de crianças realizavam tarefas domésticas. 2012. Disponível em:

<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-

noticias/noticias/18384-pnad-c-trabalho-infantil-noticia.html>. Acesso em 12 abr. 2018.

71 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. Acesso em 16 abr. 2018.

72 OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e profissionalização de adolescente. São Paulo: LTr,

por sua vez, é realizado em casa de terceiros, havendo algum tipo de remuneração que no caso do trabalho infanto-juvenil é em geral menor que o salário mínimo ou até mesmo convertido em “ajudas”, como matrícula na escola, alimentação ou vestiário”.74

Menciona a forma de execução das tarefas realizadas, trazendo a reflexão sobre estas ao referir que a menina era forçada às tarefas e as dava cumprimento sem qualquer auxílio dos demais:

A eterna pergunta sobre o limite entre o que é “ajuda” do adulto e quando começa a exploração do trabalho infantil pode ser alcançada, ainda, no belo conto de Walt Disney. Cinderela não executava as atividades domésticas como colaboração normal e saudável entre as pessoas da família. Ela era obrigada a trabalhar de forma extenuante, enquanto a madrasta e respectivas filhas levavam uma vida de ócio e liberdades, com Cinderela presa ao borralho.75

Trata, ainda o aspecto discriminatório deste tipo de labor na infância, no qual se observa maior número de crianças negras e do sexo feminino, ao fazer a seguinte colocação: “Além do trabalho infanto-juvenil doméstico ser realizado, em sua maioria, por mulheres, no Nordeste fica registrada a prevalência da cor negra ou parda, perpetuando a exclusão social já acentuada pela pobreza.” 76

O contexto a faz remeter aos tempos de escravidão, tempos em que se via situações similares, guardadas as devidas proporções de época: “Nessa situação, elas repetem a mesma situação dos escravos da casa de antigamente, permitindo confundir relações morais de intimidade e simpatia com uma relação puramente econômica [...]”, chamando a atenção, ainda, para a perpetuação do drama em gerações ao asseverar que: “O pior é que a trajetória dos pais influencia a história dos filhos por gerações e gerações”.77

73 Oris de Oliveira o nomina trabalho infantil doméstico no próprio lar, considerando-o um

processo educativo no sentido de participação de todos nas tarefas do lar.

74 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 288.

75 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 290.

76 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 286.

A Ministra constata que “o trabalho infantil sempre refletiu um abuso de seres mais frágeis”78, o que avoca a responsabilidade de toda a sociedade na

consecução da proteção a estes seres em desenvolvimento, que, independentemente da situação financeira em que vivem, necessitam de cuidados especiais, condizentes com sua idade, sob pena de se terem vários finais infelizes, diferentemente do que ocorre no conto explanado.

Somente por meio de uma perspectiva de respeito aos direitos humanos e sociais será possível vislumbrar um final feliz para milhões de histórias que não são contos de fadas e que refletem uma realidade dura, cuja superação exige mudanças não apenas econômicas, mas também culturais, rompendo com o estigma da exploração de crianças e jovens dentro dos nossos lares.79

Josiane Rose Petri Veronese, em trabalho específico sobre o tema ratifica a mazela que é o trabalho infantil doméstico para a vida das crianças, correlacionando-os à violação a direitos fundamentais básicos, asseverando que este reproduz as várias situações de exclusão ao expor a criança a condições de violência e exploração, voltando os olhos para a necessidade de compreensão dos mecanismos legais já existentes para efetivar a proteção a esta frágil categoria de pessoas.80

De se salientar, por oportuno, que o sutil argumento de que o labor destas crianças faz a economia fluir é por demais falacioso à proporção que fragiliza o mercado de trabalho adulto, precarizando as relações laborais de um modo geral, alimentando uma cultura patriarcal e machista, impondo à criança o comprometimento de seu desenvolvimento físico, psíquico e biológico, bloqueando impulsos que lhe são naturais, e obstando sua capacidade de sonhar.81

Chama atenção no que assenta a esta modalidade de trabalho infantil o já

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 287-288.

78 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 289.

79 ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho infantil doméstico : rompendo com o conto da

Cinderela. Revista de informação legislativa, v. 45, n. 178, p. 285-291, abr./jun. 2008. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/176519>. p. 290.

80 VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil doméstico no Brasil. São Paulo:

Saraiva, 2013, p. 118.

81 VERONESE, Josiane Rose Petry. Trabalho infantil doméstico no Brasil. São Paulo:

mencionado artigo 248 do ECA, revogado pela Lei nº 13.431, de 2018, o qual previa a guarda para caso de adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico, mesmo que autorizado pelos pais ou responsável, em evidente retrocesso e dissonância com o restante da legislação protetiva.

Nesse sentido, Oris de Oliveira traz à baila a consideração sobre a incompatibilidade desta modalidade de guarda com o emprego doméstico, à proporção que a primeira “transfere, a título precário, a criação e educação da criança e do adolescente com obrigação de assistência material e moral.”82

Fazia ele referência, então, a necessidade de uma interpretação sistemática que favoreça a proteção integral, em detrimento da permissão literal, de à primeira vista, se ter pessoas acima de 12 anos laborando como domésticas nas casas de família. Desse modo, a interpretação realizada seria mormente no sentido de ver aplicada a idade mínima contemplada não só na Constituição Federal, bem assim na Convenção n. 138, a qual não fixava esta exceção. 83

Nesse aspecto, o gravame ainda se dá pela dificuldade de coleta de números nesta espécie de trabalho, bem como de que, “no ponto vista da estrutura da sociedade, o trabalho doméstico ainda é percebido como uma função laboral desconstituída de direitos”.84

Os mitos e o descompasso que acompanham o labor na infância acabam por conduzir a criança a outro tipo de exploração, a sexual.