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3 A DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL

4.1 CONCEITO E DISTINÇÕES

Autores como Antonio Gidi reconhecem a difícil tarefa de se definir o conceito preciso de ação coletiva, o que tem conduzido a doutrina à tentativa de construir um conceito sistemático 98.

Para o referido autor, dizer apenas que a ação coletiva é aquela proposta para a defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos é incorrer em grave erro, tendo em vista ser possível que o ajuizamento de uma ação em defesa de tais direitos consista, em sua estrutura, numa ação inidividual99.

A título exemplificativo, é plenamente possível que todos os associados de uma pequena empresa de assistência médica ajuízem uma ação, na qualidade de

                                                                                                                         

97 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 13.

98 GIDI, Antonio. El concepto de acción colectiva. In: ______; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer

(Coord.). La tutela de los derechos difusos, colectivos e individuales homogéneos: hacia um código modelo para Iberoamérica. 2. ed. México: Porrúa, 2004. Disponível em:

<http://www.gidi.com.br/publications/>. Acesso em: 14 jun. 2011, p. 14. 99 Ibid., loc. cit.

litisconsortes, contra o aumento das mensalidades. Neste caso, o direito material não deixa de ser coletivo – individual homogêneo -, embora seja tutelado pela via de uma ação individual.

Para Édis Milaré, a ação civil pública pode ser conceituada como o direito expresso em lei de fazer atuar, na esfera civil, em defesa do interesse público, a função jurisdicional100.

Mafra Leal, contudo, ressalta que o conceito proposto por Édis Milaré seria defeituoso, “porque nada diz sobre a ação coletiva, mas, no máximo, sobre uma de suas finalidades”101. Segundo o autor, a expressão “em defesa de um interesse público” é vaga, podendo significar diversas ações que pouco têm a ver com a ação coletiva, a exemplo das ações de falência e de família.

Já Barbosa Moreira defende que a idéia fundamental das ações coletivas é que o litígio pode ser levado a juízo por uma só pessoa102. O referido autor designa como principal elemento caracterizador a representação de interesses por uma única pessoa, sem, contudo, investigar a natureza do direito material envolvido.

Thimoty Wilton, por sua vez, defende que a maior diferença entre a ação individual e a ação coletiva consiste na extensão da coisa julgada para toda a classe103. Trata-se, mais uma vez, de um conceito que deixa de lado aspectos relevantes, a exemplo do elemento representativo do conceito de ação coletiva104.

Com a preocupação de sistematizar as principais características da tutela coletiva, Antonio Gidi apresenta uma definição peculiar, concebendo a ação coletiva como a ação proposta por um representante (legitimidade) em defesa de um direito coletivamente considerado (objeto do processo), cuja imutabilidade do comando da sentença alcançará uma comunidade ou coletividade (coisa julgada)105.

O presente conceito, contudo, não escapou das críticas. Segundo Mafra Leal, o

                                                                                                                         

100 MILARÉ, Edis. A ação civil pública na nova ordem constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 6. 101 LEAL, 1998, p. 40.

102 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Ações coletivas na Constituição Federal. Revista de Processo, São Paulo, v. 61, jan./mar. 1991, p. 186.

103 WILTON, Timothy. The class action in social reform litigation: in whose interest? Boston University Law Review, Boston, v. 63, maio 1983. Disponível em: <https://litigation-

essentials.lexisnexis.com/webcd/app?action=DocumentDisplay&crawlid=1&doctype=cite&docid=6 3+B.U.L.+Rev.+597&srctype=smi&srcid=3B15&key=56f3db0f4c680da304ae30b74b0f9230>. Acesso em: 14 jun. 2011, p. 622.

104 LEAL, op. cit., p. 43. 105 GIDI, 2004, p. 15.

conceito de Gidi possui vários elementos: o primeiro elemento refere-se à legitimidade autônoma. Quanto ao segundo elemento (“em defesa de um direito coletivo”), inexiste uma indicação precisa do que se considera coletivo: o direito material (que seria tomado nesse caso como sinônimo de difuso), ou a classe de pessoas titulares de um direito individual em um contexto específico. Por fim, o terceiro elemento da definição de Gidi, “a extensão da coisa julgada”, consiste em dado essencial para caracterizar o regime processual das ações coletivas106.

Para Mafra Leal, o conceito de ação coletiva deve ser dividido em dois, tendo em vista a existência de duas ações distintas sob o mesmo rótulo, que merecem tratamento teórico apartado107.

Assim, o primeiro conceito é o das ações para a defesa de direitos individuais sob tratamento coletivo (ou seja, acidentalmente coletivos), que o autor denomina de ACDI. Cuida-se de ação de representação judicial, por uma ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) de direitos individuais, cujos titulares não figuram na relação processual, direitos estes que processualmente são tratados de maneira uniforme, como se fossem direitos de uma classe, em virtude da extensão da coisa julgada, que atinge todos seus integrantes108.

O segundo conceito, por sua vez, diz respeito à ação coletiva para a defesa de direitos difusos (ACDD), em que também se faz presente o elemento representação. Trata-se de ação de representação judicial, por uma ou mais pessoas, de direitos de uma comunidade, considerada como uma unidade sem personalidade jurídica109.

Neste último caso, o regime da coisa julgada é um pouco diverso, em razão da natureza do direito material discutido. Enquanto na ACDD o efeito erga omnes é uma decorrência automática do atendimento do direito material (não sendo necessária uma norma processual nesse sentido, até porque o titular do direito é rigorosamente uma pessoa: a comunidade), na ACDI exige-se que a lei discipline a extensão da coisa julgada aos demais membros da classe, pois, do contrário, essa qualidade da sentença se restringirá somente àqueles que estiverem na relação

                                                                                                                         

106 LEAL, 1998, p. 41.

107 Barbosa Moreira é comumente citado como o responsável pela distinção entre duas ações

coletivas diferentes: a primeira, envolvendo interesses essencialmente coletivos – indivisíveis - e a segunda, cuidando de interesses acidentalmente coletivos - divisíveis (Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 193.

108 LEAL, op. cit., p. 43. 109 Ibid., p. 43-44.

processual. Na ACDI, “a classe é apenas uma figura para representar o conjunto de pessoas com direitos individuais autônomos, que se identificam por algum fator comum”110.

Diante das opiniões doutrinárias ora explicitadas, sobretudo as considerações de Gidi e Mafra Leal, propõe-se o seguinte conceito de ação coletiva ativa111: é ação proposta por um legitimado extraordinário (ou substituto processual)112 em defesa de um direito naturalmente ou acidentalmente coletivo, apta à produção de uma decisão final cujos efeitos são extensíveis a uma comunidade ou coletividade.