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2 O DIREITO PROCESSUAL NA ATUAL METODOLOGIA JURÍDICA E A

2.2 A UNIVERSALIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

2.2.3 Limites ao Acesso à Justiça

Como qualquer outro direito, o acesso à justiça também possui limitações. Não se trata de um princípio absoluto, pois mesmos os direitos humanos podem ser objeto de restrições, à luz da proporcionalidade, quando em colisão com outros direitos também relevantes.

Como ressalta Francesco Francioni63, existem algumas circunstâncias que podem limitar ou até mesmo impedir o acesso dos indivíduos aos tribunais internacionais. Parte delas está relacionadas aos estados de emergência, às imunidades e à doutrina do forum non conveniens.

Os tratados de direitos humanos, de uma maneira geral, admitem que os Estados que os integram se escusem de determinadas obrigações assumidas no plano internacional em casos de emergência pública ou guerra. Por outro lado, as cláusulas de derrogação costumam prever uma lista de direitos que não podem ser afastados mesmo em períodos de guerra, a exemplo da proibição da tortura, da escravidão e privação arbitrária da vida64.

A título exemplificativo, observe-se o art. 15 da Convenção Europeia de Direitos Humanos:

Art. 15. Derrogação em caso de estado de necessidade

1. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito

internacional.

22. A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2°, salvo quanto ao caso de morte resultante de actos lícitos de guerra, nem aos artigos 3°, 4° (parágrafo 1) e 7°.

3. Qualquer Alta Parte Contratante que exercer este direito de derrogação manterá completamente informado o Secretário Geral do Conselho da Europa das providências tomadas e dos motivos que as provocaram. Deverá igualmente informar o Secretário - Geral do Conselho da Europa da data em que essas disposições tiverem deixado de estar em vigor e da data em que as da Convenção voltarem a ter plena aplicação.65

No referido dispositivo, o direito de acesso à justiça não figura na lista de direitos cuja suspensão é vedada. Somente não podem ser suspensos o direito à

                                                                                                                         

63 FRANCIONI, 2007, p. 43. 64 Ibid., loc. cit.

vida (art. 2º), a proibição da tortura (art. 3º) e a proibição da escravatura (art. 4º). Em sentido diverso, a Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu art. 27, apresenta uma lista mais extensa, que inclui o acesso à justiça, ao se referir às “garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos”:

Artigo 27 - Suspensão de garantias

1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por terminada tal suspensão.

Apesar dos dispositivos supracitados apresentarem conteúdos distintos, é possível concluir que o questionamento sobre a possibilidade de mitigação do acesso à justiça em situações de calamidade não pode ser respondido aprioristicamente. Em realidade, esta decisão depende das circunstâncias do caso concreto, ponderadas de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade entre a limitação do acesso à justiça e o interesse geral na proteção da segurança pública66.

No que concerne às imunidades, cuida-se certamente da exceção que gera maiores divergências. As imunidades costumam se basear na distinção estabelecida entre os chamados “atos de império” (acobertados pela imunidade) e “atos de gestão” (não sujeitos à imunidade de jurisdição). Tal restrição, se levada às últimas consequências pode conduzir a situações que violam a razoabilidade. Cite-se, a título exemplificativo, o caso Letelier v. Republic of Chile, julgado em 1980, pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Decidiu-se, na oportunidade, pelo afastamento da imunidade legal, entendendo-se que o homicídio praticado por agentes da

                                                                                                                         

embaixada Chilena deveria ser apreciado pelos órgãos jurisdicionais norte- americano, por envolver a prática da tortura, sob pena de violação de preceitos básicos dos direitos humanos67.

Derradeiramente, também a doutrina do forum non conveniens pode ser considerada uma limitação ao acesso à justiça. Como explica Fredie Didier Jr., existem situações em que vários foros são, em princípio, competentes para o conhecimento e julgamento de uma demanda. Em tais casos, o autor exercita o chamado forum shopping, elegendo foro que supõe ser mais favorável aos seus interesses.

Ocorre que tal faculdade deve ser conciliada com a proteção da boa-fé, sob pena de restar configurado o abuso do direito68. Assim, em determinados casos concretos envolvendo foros concorrentes, observadas as circunstâncias envolvidas, será possível negar à parte autora a escolha realizada, quando esta trouxer ao réu um ônus desproporcional, dificultando a sua defesa.