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Conceito e Natureza jurídica

No documento TEORIA GERAL DO PROCESSO (páginas 45-51)

A AÇÃO é o direito pelo qual a jurisdição é provocada, pois que ela é inerte. Mas qual é a natureza jurídica da ação? É um direito subjetivo, público, autônomo e abstrato.

É direito subjetivo, pois quando o direito objetivo previu o Judiciário como sendo o único dotado de poder para solucionar os conflitos, em contrapartida, deu ao indivíduo a prerrogativa de chamar o Estado para tal responsabilidade toda vez em que estivesse envolvido em algum litígio.

É direito público exatamente porque provoca um dos poderes do Estado – o Judiciário.

É direito autônomo porque ele é exercido independentemente da existência do direito material.

E, por fim, é abstrato, pois o direito de ação existe independentemente da efetiva ou concreta existência do direito alegado, ou seja, ele é exercido em abstração do direito material litigioso, aludindo o autor a ele hipoteticamente.

Todavia, as características da autonomia e da abstração surgiram ao longo dos anos, numa crescente evolução do direito de ação desde o Direito Romano até a fase científica dos processualistas italianos e, principalmente, alemães, tendo surgido várias correntes teóricas, as quais podem ser assim resumidas:

- teoria civilista ou imanentista (Celso, Ulpiano, Savigny) => para eles, a ação estava atrelada, imanente ao direito material, só havendo ação se houvesse direito (art. 75, CC/16). Esqueceram-se, pois, de que o autor poderia lançar mão do direito de ação para buscar, por exemplo, justamente a declaração de inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória negativa – art. 4º, I, CPC/73; art. 19, I, NCPC). Esqueceram-se também de que o juiz poderia julgar improcedente o pedido, negando a existência do direito; ou, ainda, simplesmente decretar a prescrição (perda da pretensão).

Vê-se a fragilidade da teoria, que não vingou, embora ainda hoje, na prática, muitos profissionais insistem em nomear a ação de acordo com o bem pretendido (v.g. ação de despejo, de cobrança, de indenização etc).

45 - teoria do direito de ação autônomo (Windscheid e Müther) => a ação não é o direito material ou substancial em movimento, como queria Savigny; é o direito à solução do conflito pelo Estado, independentemente se ao autor assiste ou não razão. Como bem ensinou os alemães, é “direito à tutela jurisdicional”, que pode ser o reconhecimento, a certificação de um direito (ação

de conhecimento); ou a satisfação, a concreção, a realização de um direito já reconhecido ou

certificado num título (ação de execução). Por isso mesmo que a ação é dirigida CONTRA o Estado, pois só ele pode oferecer tais tutelas, e não o sujeito passivo da relação jurídica material, que virá a ser o réu do processo.

Entretanto, os autonomistas se subdividiram em outras 3 sub-correntes:

- teoria do direito autônomo e concreto (Oskar Von Bulow e Adolf Wach) => reconheciam a distinção entre o plano material e o processual, porém condicionaram a EXISTÊNCIA do direito de ação ao preenchimento de certos requisitos de direito material. Exemplo: a “ação de cobrança” tinha que ser dirigida em face de quem, concretamente, devia, sob pena de o autor não ter direito à ação. Nota-se que, apesar de propugnarem pela autonomia do direito de ação, acabaram por condicioná-lo ou limita-lo à uma sentença favorável ao autor, novamente associando-o ao direito material.

- teoria do direito autônomo e abstrato (Degenkolb e Plósz) => o direito de ação existe independentemente da efetiva ou concreta existência do direito alegado, ou seja, em abstração do direito material litigioso. Assim, para os abstratistas, o direito de ação é absoluto, semelhante ao direito cívico de petição. Basta ingressar no Judiciário contra quem quer fosse, alegando qualquer direito, ainda que inexistente qualquer vínculo material, para que existente a ação.

- teoria eclética (Enrico Tullio Liebman) => em posição intermediária aos concretistas e abstratistas, defende a idéia de que o direito de ação existe em abstração do direito material, mas não é absoluto e incondicionado. Na verdade, Liebman tentou achar um meio-termo entre as teorias concreta e abstrata, não concordando que o direito de ação seria identificável com o direito à uma sentença favorável, tampouco, concordando com a idéia de que poderia ser mero direito cívico de petição, consistente na faculdade de que dispõe todo cidadão de reclamar providências frente ao Estado, em caráter absoluto e incondicionado, por conseqüência do monopólio da jurisdição pelo mesmo.

46 Para ele, necessário se faz que o autor atenda algumas condições, as chamadas de

condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a

legitimidade das partes. Ou seja, seria necessário ao autor aludir a um interesse previsto no ordenamento jurídico, em face de alguém que hipoteticamente fosse o sujeito passivo da relação material, que deu origem à lide, etc, para que o Estado prestasse a tutela jurisdicional.

Críticas não faltaram à teoria eclética de Liebman, sob o argumento de que, apesar de a referida teoria considerar o direito de ação abstrato, estabelece o prévio atendimento às condições da ação que, na verdade, estão intimamente conexas a uma pretensão de direito material, a uma concreta situação de fato, o que seria um retrocesso.

A crítica procede no sentido de que, para aferir a existência das mesmas, é necessária a comprovação mediante exame de provas, e não apenas a afirmativa feita pelo autor na petição inicial. Assim, nesse caso, condições da ação e mérito da causa seriam a mesma coisa, de forma que, se presentes aquelas, o juiz estaria pronunciando a respeito da própria lide, julgando não a ação, como queria Liebman, mas o pedido procedente.

Todavia, é bom lembrar que o próprio Liebman, em conferência pronunciada em 1949, teria reconhecido o problema de que padece a sua teoria, admitindo, para efeito de aferição das condições da ação, a análise meramente hipotética dos fatos afirmados pelo autor, realizando uma cognição superficial, perfunctória, sem incorrer no erro de adentrar na situação fática posta em juízo, ou seja, no mérito da causa. A única condição da ação que o jurista italiano reconheceu ser realmente questão de mérito foi a possibilidade jurídica do pedido.

Não obstante essa aparente deficiência, a teoria eclética da ação foi a adotada em nosso diploma processual de 1973 (art. 3º e 295, parágrafo único), que afirma não se encontrar as condições da ação naquilo que chamamos de mérito, mas sendo antecedente ou pressuposto lógico de sua apreciação, condicionando não a existência do direito de ação, mas o seu exercício.

Entretanto, o NCPC aboliu tal categoria, não havendo que se falar mais em condições da ação. O legislador de 2015, em aparente adoção à teoria abstrata, não condiciona mais o exercício da ação a qualquer situação, enquadrando o interesse de agir e a legitimidade das partes naquilo que chamamos de pressupostos processuais, já que a possibilidade jurídica do pedido passou a figurar definitivamente como questão de mérito.

47 5.2 Elementos (identificadores) da ação

A ação se identifica e se difere de outra pela existência e configuração de três elementos: partes, causa de pedir e pedido.

Quando duas ou mais ações tiverem os mesmos elementos (mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido) diz-se que ocorreu litispendência (pendência de duas lides ou causas idênticas), o que autorizará o juiz a extinguir o segundo processo (art. 485, V), já que o sistema não admite a coexistência de duas ou mais ações idênticas (isso pode gerar a coexistência de decisões conflitantes sobre a mesma causa, conflitantes, e, por conseqüência, trazer insegurança jurídica).

A litispendência está conceituada no art. 337, §§1º, 2º e 3º, NCPC.

a) Partes

Quando se fala em partes, fala-se nas pessoas que estão envolvidas no litígio. E só se envolvem em conflitos, em litígios, pessoas, ou seja, aqueles que são dotados de personalidade jurídica. Nesse sentido, fala-se em capacidade de ser parte, que corresponde exatamente à personalidade civil (arts. 1º e 2º do Código Civil). Portanto, podem ser partes autora e ré:

➢ a pessoa natural: seja criança, doente mental ou adulto normal etc;

➢ a pessoa jurídica: de direito privado (empresa, associações, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas) ou de direito público (União, Estados, DF, Municípios, Territórios, e suas respectivas autarquias e fundações públicas).

Na prática, muitos profissionais incorrem no erro de figurar como parte órgãos governamentais ou departamentos, como Secretarias da Saúde, da Educação, Polícia Militar etc, que, na verdade, não são dotados de personalidade jurídica. Nesse caso, a parte deverá ser a pessoa jurídica a qual o respectivo órgão se vincula, ou seja, o Município, o Estado etc. Por se tratar de uma ficção, ou seja, de uma abstração, deverá ser representada legalmente (art. 75).

➢ os entes derpersonalizados: como a massa falida, a herança jacente ou vacante, o espólio e o condomínio, que a própria lei (art. 75, V, VI, VII, XI, NCPC, respectivamente) excetuou, permitindo que figurem como partes.

Mas, não basta a capacidade de ser parte. É necessário ter a capacidade de estar em juízo ou processual, o que não é privilégio para todos que se envolvem em litígios. A capacidade de estar em juízo corresponde à capacidade civil, prevista no art. 5º do CC/02. Portanto,

48 apenas aqueles que são habilitados à prática de todos os atos da vida civil é que podem estar em juízo (art. 70, NCPC), Do contrário, é preciso que a parte esteja representada, quando se tratar de absolutamente incapaz; ou assistida, quando relativamente incapaz (art. 71, NCPC).

É por isso que que lê, por exemplo, nas petições de ação de conhecimento com pedido de investigação de paternidade, ou de alimentos, o seguinte: “FULANINHO DE TAL,

neste ato representado por sua genitora, FULANA DE TAL....”.

Esse assunto voltará a ser tratado no contexto do estudo do Processo, especificamente quando falarmos em pressupostos processuais subjetivos.

b) Causa de Pedir

Tratam-se das razões fáticas e jurídicas que justificam o pedido.

Segundo a doutrina, a causa de pedir pode ser de duas espécies: remota ou próxima. A remota diz respeito aos fatos, que podem ser constitutivos (que dão vida à vontade da lei, ou seja, fazem nascer o direito a que se alega – ex: empréstimo, ato ilícito); extintivos (fazem cessar uma vontade da lei, extinguindo um direito – ex: pagamento, remissão de dívida); modificativos (tendem a alterar a constituição de um direito – ex: alegação de parcelamento de dívida); ou impeditivos (circunstância que impede a constituição de um direito – ex: incapacidade, simulação, erro etc.).

É importante a diferenciação dos fatos, pois que, segundo o art. 373 do CPC, o autor tem o ônus de provar apenas os fatos constitutivos, e o réu os demais, mesmo porque, obviamente, só a ele interessa alegar extinção, modificação ou impedimento à direito. Normalmente, o autor justifica a declaração, a constituição ou a condenação à prestação de um direito seu, através dos fatos que o constituem.

Já a causa de pedir próxima diz respeito aos fundamentos jurídicos que embasam o pedido. Não se quer dizer aqui o fundamento legal, o dispositivo da lei, pois não há necessidade de indicar ao juiz a norma violada. Segundo a velha máxima romana, “juria novit

cúria”, o juiz conhece o direito. Por conseguinte, os fundamentos jurídicos são as

conseqüências jurídicas que extraem dos fatos. Por exemplo, se o locatário não paga o aluguel, a conseqüência jurídica é o seu despejo.

No processo civil, adota-se a teoria da substanciação, que exige do autor, na petição inicial, a indicação dos fatos (causa remota) e dos fundamentos jurídicos (causa próxima), conforme o inciso III do art. 319. Opõe-se a esta a teoria da individuação, segundo a qual basta ao autor indicar apenas os fatos OU apenas os fundamentos jurídicos.

49 c) Pedido

O pedido pode ser dividido em duas espécies: o imediato e o mediato.

O pedido imediato é o tipo de providência jurisdicional pretendida, que pode ser de conhecimento ou de execução. Especificamente considerando os efeitos produzidos pela sentença de conhecimento, o pedido pode consistir em um(a):

=> declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica (ação declaratória, positiva ou negativa – art. 19, I, NCPC);

=> constituição ou desconstituição de uma relação jurídica (ação constitutiva ou desconstitutiva); => condenação do réu a prestar uma obrigação dar quantia (ação condenatória);

=> condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de dinheiro), ordenando-o (coerção indireta) a prestá-la, sob pena de sofrer alguma medida de efetivação (multas – astreintes; remoção de pessoas ou coisas; desfazimento de obras; busca e apreensão etc – art. 497, NCPC) e até crime de desobediência (ação mandamental);

=> a condenação do réu a prestar uma obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa (diferente de dinheiro), determinando a adoção de medidas de sub-rogação (coação direta – há substituição da vontade do réu pelo Estado), caso o réu não cumpra espontaneamente o direito reconhecido nesta mesma decisão (executiva lato sensu).

Já o pedido mediato é o bem jurídico de direito material que se pretende seja tutelado pela sentença (o despejo, o pagamento, a nulidade do contrato etc).

Diferem-se na medida em que o pedido imediato tem conteúdo processual, dirigido contra o Estado (pois só ele pode entregar a tutela jurisdicional), e o mediato tem conteúdo material, dirigido contra o réu (quem pode entregar o bem de direito pleiteado).

Vê-se, portanto, que a AÇÃO é classificada tomando por base o pedido imediato, já que ela é o direito à tutela jurisdicional, não levando em conta o pedido mediato, que a ele não se vincula (autonomia e abstração da ação).

50 6 PROCESSO

O processo completa a trilogia processual, pois, provocada a jurisdição pela ação, a vontade da lei se concretizará mediante o processo, que atua como um instrumento da jurisdição.

No documento TEORIA GERAL DO PROCESSO (páginas 45-51)

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