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TEORIA GERAL DO PROCESSO

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PUC GOIAS

TEORIA GERAL DO

PROCESSO

Profª Evelyn Cintra Araújo

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1 1 INTRODUÇÃO

Se pudéssemos conceituar Direito diríamos que é “o conjunto das normas gerais e positivas que regulam a vida social”.

Portanto, o principal objetivo do Direito é harmonizar as relações sociais intersubjetivas; é tornar possível a vida em sociedade, conferindo-lhe ordem (ubi jus ibi societas – não há direito sem sociedade) através de regras de conduta dotadas de coercibilidade.

Estabelecido o direito objetivo, faz nascer, por outro lado, a prerrogativa ou a faculdade individual de exigir o cumprimento dos preceitos que lhe diga respeito. Portanto, se a norma diz que “todos são iguais”, surge para cada um o direito de ser tratado sem discriminação. Fala-se, então, em direito subjetivo.

A facultas e a norma são os dois lados de um mesmo fenômeno: um é o aspecto individual, o outro o aspecto social. Qualquer direito pode ser apreciado pelo lado do indivíduo, que dele extrai uma segurança jurídica ou uma função, como pelo lado do agrupamento social, que institui uma regra de conduta.

O direito subjetivo manifesta-se através de uma relação jurídica, a qual pressupõe um sujeito, que é o ser a quem a ordem jurídica assegura um poder ou um dever de agir; um objeto, que é o bem ou a vantagem sobre a qual o sujeito exerce tal poder ou dever; e um vínculo, que é o liame que une ambos os sujeitos ou partes entre si e estes com o objeto, formando a relação jurídica.

A vida em sociedade produz uma série de relações, que, quando protegidas pela ordem jurídica, transformam-se em relações jurídicas, como o casamento, o emprego, o aluguel de um imóvel etc. Todas elas são motivadas pelo desejo de satisfazer um direito subjetivo1, ou seja, uma necessidade, um interesse (formar uma família, ganhar dinheiro, ter um

lugar para morar etc). Quando isso ocorre fala-se em relação jurídica material.

Mas pode acontecer que, numa relação jurídica material entre A e B, os interesses sejam opostos; por exemplo, A quer manter o casamento, mas B não. Surge, então, um conflito

de interesses, ou seja, um “choque de duas ou mais vontades sobre o mesmo objeto”.

Nesse momento, se A insiste em manter a sua posição, exigindo que B subordine ao seu interesse, surge o que chamamos de pretensão. Pretensão, portanto, é “a exigência de subordinação de um interesse alheio ao próprio.”

Se B ceder, o conflito é resolvido pela satisfação da pretensão de A.

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2 Porém, se B resiste, nasce uma lide, que, no conceito brilhante de Carnellutti, nada mais é que “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”.

Nesse momento ENCERRA O PLANO DE DIREITO MATERIAL2...

--- Acontece que, quando o Estado se estruturou e passou a dotar-se de maior poder, trouxe para si a responsabilidade de ditar a solução para os conflitos de interesses, proibindo qualquer espécie de justiça privada (atualmente, excepcionalmente, admite-se a autotutela, como o desforço imediato, a legítima defesa e a greve).

O Estado assume, assim, o monopólio da JURISDIÇÃO (que significa dizer o direito no caso concreto), exercido precipuamente por um de seus poderes – o Poder Judiciário.

Como conseqüência da previsão desse direito objetivo à jurisdição (aliás, consagrado a nível constitucional – art. 5º, inciso XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito”), ofertou-se ao indivíduo, que não podia mais realizar o seu interesse

através da própria força, o poder, a prerrogativa, a faculdade, o direito subjetivo de bater às portas do Judiciário para exigir a solução do litígio que porventura pudesse estar envolvido.

Tal direito subjetivo de provocar a jurisdição denominou-se direito de AÇÃO. Mas, como ele é exercido?

O direito de ação é exercido através de um ato processual chamado demanda. Portanto, demanda é o ato processual pelo qual o autor exercita o direito de ação. Este ato materializa-se através de um instrumento denominado petição inicial.

Mas, assim como se assegura ao autor o direito à tutela jurisdicional, o qual é exercido por meio do direito de ação, ao réu é garantido direito correlato, dando-lhe a chance de receber a prestação jurisdicional (direito à análise do mérito; de preferência, no sentido de improcedência do pedido do autor – tutela jurisdicional negativa). A este direito dá-se o nome de direito à defesa, previsto constitucionalmente no art. 5º, LV.

O direito de defesa é exercido através de alguns atos, quais sejam, a contestação, a

reconvenção e as exceções, os quais se materializam também através de uma petição, que, por não

mais ser inicial, é chamada genericamente de petição interlocutória. Contestação (assim como os demais atos da defesa) não é, portanto, a petição da contestação, mas sim o ato processual

2As leis classificam-se, quanto à sua natureza, em materiais ou substanciais (as que regulam o direito em si) e

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3 pelo qual o réu exerce o direito de defesa, se opondo, formal e/ou materialmente, à pretensão do autor.

Oportunizado ao réu o direito de defesa, independentemente se ele o tenha exercido ou não através de quaisquer daqueles atos, tem-se por formado o PROCESSO completamente. Assim, o processo poder ser entendido como sendo a relação jurídica de direito público (processual) que une autor, juiz e réu, e que se exterioriza e se desenvolve pela seqüência ordenada de atos com vistas a um fim, qual seja, a sentença.

O processo será civil (ou de natureza cível, como queira) se a lide posta em juízo se instaurou em virtude de qualquer ramo do direito que não seja trabalhista ou penal (que possuem processos próprios correlatos, a saber, processo do trabalho e processo penal), ou seja, em virtude de um direito pertencente ao Direito Civil, Empresarial, do Consumidor, Tributário etc.

Para regular o processo, o Estado criou um conjunto de normas jurídicas que formam o chamado Direito Processual, também denominado de formal ou instrumental, por servir de forma ou instrumento de atuação da vontade concreta das leis de direito material ou substancial, que solucionarão as lides colocadas pelas partes em juízo.

1.1 Conceito de Direito Processual Civil

A bem da verdade, Direito Processual é um só. A divisão em sub-ramos (Processo Civil, Processo Penal, Processo do Trabalho etc) e suas respectivas legislações são de ordem prática e didática, conforme a natureza da lide posta em juízo.

Todavia, se pudéssemos individuar e conceituar, diríamos, com auxílio da doutrina mais robusta nessa matéria, que Direito Processual Civil é “o complexo de normas e princípios que regem o exercício conjunto da jurisdição pelo Estado, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO).

Ou, ainda: “é o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil”. (AMARAL SANTOS).

Por fim, uma das melhores conceituações é a trazida pelo processualista italiano Chiovenda, para quem o Direito Processual Civil é “o ramo da ciência jurídica que trata do complexo das normas reguladoras do exercício da jurisdição civil” (CHIOVENDA).

É, portanto, ramo do direito público, não se confundindo com o direito material que instrumentaliza (este normalmente pertencente ao direito privado, p. ex., D. Civil), devendo,

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4 portanto, sempre ser afastada a denominação direito adjetivo, por aludir a uma relação de dependência do direito processual para com o direito material, o que, na verdade, não existe.

Enquanto o direito material cuida de estabelecer as normas que regulam as relações jurídicas entre os particulares, o direito processual visa regular uma das funções soberanas do Estado (função jurisdicional). Dessa forma, ainda que a lide seja eminentemente de interesse privado, há no processo sempre um interesse público, qual seja, a pacificação social e a manutenção da ordem jurídica.

1.2 Evolução Histórica do Direito Processual Civil

A história do Direito Processual Civil, assim como toda a Ciência Jurídica, encontra suas bases no Direito Romano, cujo processo se desenvolveu em 3 fases, que, em seu conjunto, denominou-se de IMANENTISTAS (direito processual imanente, dependente do direito material):

a) primitiva ou das legis actiones (das ações da lei) => havia 5 ações da lei, as quais deviam ser manejadas pelas partes com muito rigor e formalismo, sob pena de perder a demanda caso se equivocasse em uma palavra ou gesto (não havia advogados).

b) período formulário => com a expansão do Império, o manejo das 5 ações da lei ficou limitado. O magistrado, agora, examinava a pretensão do autor e a defesa do réu, e concedia uma fórmula de ação capaz de compor especificamente o conflito (ele fixava o objeto do conflito, cabendo ao árbitro, escolhido entre os cidadãos, o julgamento da causa – semelhante ao instituto do Júri Popular). Já havia advogados e princípios do livre convencimento do juiz e do contraditório.

c) fase da cognitio extraordinária => desaparecem os árbitros, surgindo a figura do juiz como o único investido do poder jurisdicional. O procedimento passa a ser eminentemente ESCRITO, compreendendo desde o pedido do autor até a sentença e sua execução.

Porém, com a queda do Império, já no período medieval, o processo civil sofreu um retrocesso ao ser influenciado pelo direito do povo bárbaro-germânico, caracterizado pelo formalismo exacerbado, fanatismo religioso e misticismos. Foi nesse contexto que surgiram os chamados “juízos de Deus”, “duelos judiciais” e “ordálias”.

O processo era FORMAL, e as provas produzidas deviam ser interpretadas segundo regras legais, não possibilitando qualquer participação do juiz. Este só reconhecia o

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5 cumprimento/realização da “prova” e fixava a sentença segundo as regras do direito positivo. Não se buscava a verdade real, mas a formal, pois se acreditava na INTERFERENCIA DIVINA nos julgamentos (autênticos jogos de azar ou rituais de bruxaria).

Entretanto, com o fim de preservar o direito romano, surge o Direito Canônico e o direito desenvolvido pelos glosadores nas Universidades, que, em conjunto com o direito germânico, formaram o chamado PROCESSO COMUM, que vigorou desde os séculos XI até XVI.

O processo comum era escrito, lento e extremamente complicado. Mas, dele se extraíram as características que, aperfeiçoadas, inspiraram o processo moderno. Foram abolidas as ordálias e juízo de deus, mas a tortura continuou até o século passado, como meio de obtenção da verdade. Somente após a Revolução Francesa retomou-se o conceito de livre convencimento do juiz, relativamente às provas, eliminando a tarifa legal, primeiramente no processo penal, depois no civil.

Além dessas 3 fases, o Direito Processual Civil conheceu outras duas:

- CIENTÍFICA ou MODERNA (expoentes: Calamandrei, Chiovenda, Carnelutti, Liebman): emergida no século passado, com ela desenvolveu-se a teoria do processo como relação jurídica, e não mais como contrato; o direito processual passou a ser compreendido como ramo autônomo e público; as provas deixaram de ser tarifadas e passaram a ser valoradas pelo juiz segundo critérios próprios (deixando de atuar como expectador da vitória do mais hábil), tendo amplos poderes, inclusive, na sua produção; etc.

- INSTRUMENTISTA ou ATUAL: processo passa a ser visto como instrumento não só de realização dos interesses particulares, como também de pacificação social e realização da lei. Mas, apesar de instrumental (meio para se atingir um fim – solução do litígio), exige-se que o processo seja efetivo, realizador de justiça, em tempo hábil e com o menor dispêndio possível.

Pode-se dizer, resumidamente, que o processo de hoje e do futuro buscam: facilitação do acesso à justiça; duração razoável do processo; instrumentalidade; tutela de interesses coletivos e difusos; universalização; constitucionalização do direito processual; e efetividade do processo (GONÇALVES, 2015, p. 44).

1.2.1 Direito Processual Civil Brasileiro

Até a independência (1822), vigorou no Brasil a legislação portuguesa, consistente nas chamadas Ordenações do Reino (Ordenações Afonsinas, de D. Afonso V, de 1446; as

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6 Ordenações Manuelinas, de D. Manuel, de 1521; e as Ordenações Filipinas, de Filipe II, de 1603). Tinham por principais características:

a) forma escrita, o juiz só podia apreciar o que estava nos autos (verdade formal); b) as partes não participavam da inquirição de testemunhas;

c) princípio do dispositivo: autor e réu eram os donos do processo, cuja movimentação era privilégio das partes.

Em 1850, o Brasil editou o Regulamento n. 737, o primeiro Código Processual nacional, que visava regular apenas as causas comerciais. Já no período republicano, o referido regulamento alcançou também as causas cíveis, por força da alteração dada pelo Regulamento n. 763, de 1890.

Logo após, em 1891, a Constituição estabeleceu a divisão da Justiça Federal e Estadual, e, consequentemente, o poder de legislar sobre processo para cada esfera da federação, dando surgimento a um Código Federal e a vários Códigos estaduais, que acabaram por ser repetições do primeiro.

Todavia, a Constituição de 1934 pôs fim aos códigos estaduais, atribuindo exclusivamente à União a competência para legislar sobre processo. Desta feita, uma comissão foi formada para a elaboração de um código unitário, o que redundou no surgimento de nosso primeiro CPC (Código de Processo Civil) em 1939.

Como bem nos ensina Sérgio Bermudes (apud THEODORO JR, 2007, p. 17), havia no CPC de 39 “uma parte geral moderna, fortemente inspirada nas legislações alemã, austríaca, portuguesa e nos trabalhos de revisão legislativa da Itália, e uma parte especial anacrônica, ora demasiadamente fiel ao velho processo lusitano, ora totalmente assistemática”.

Após 33 anos em vigor, o CPC foi totalmente reformado, com base no Anteprojeto do Ministro Alfredo Buzaid, destaque da Escola Paulista de Direito e discípulo direto do processualista italiano Enrico Tullio Liebman (radicado no Brasil no período da 2ª Guerra Mundial, viendo aqui falecer). Daí surgiu o nosso atual CPC, a Lei n. 5869, de 11.01.1973, que é composto de 5 Livros:

- Livro I: Do Processo de Conhecimento; - Livro II: Do Processo de Execução; - Livro III: Do Processo Cautelar;

- Livro IV: Dos Procedimentos Especiais; - Livro V: Das disposições gerais e transitórias.

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7 O CPC vigente sofreu, ao longo de sua vigência, diversas alterações e reformas, todas na tentativa de se alcançar, conforme prega os instrumentalistas, um processo mais efetivo possível. O propósito foi abandonar a preocupação exclusiva com conceitos e formas, tão nos bem ensinado pela tradição romana e lusitana, para dedicar-se à busca de um processo de resultados, prevendo, por exemplo, uma tutela antecipada generalizada nos processos de conhecimento; a execução das sentenças no mesmo processo de conhecimento; o procedimento monitório; o poder geral de efetivação; os poderes dados ao relator frente, em especial, da afronta aos precedentes jurisprudenciais etc.

Todavia, tantas reformas e as mudanças próprias da sociedade tornaram recomendável a edição de um novo código.

Assim, por iniciativa de uma comissão de juristas, presidida pelo então Ministro do STF, Luiz Fux, foi levado ao conhecimento do Senado Federal, em 2010, o Projeto de Lei nº 166, que, depois de passar pelas 2 casas legislativas, foi aprovado em dezembro de 2014 e sancionado pela Presidente da República em março de 2015, convertendo-se na Lei n. 13.105/15 – o NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/NCPC, com vigência prevista para o dia 18/03/16.

Dentre as alterações, pode-se destacar tanto a de cunho organizacional, com a previsão inédita de uma parte geral e uma parte especial, quanto a de cunho material, com o maior rigor nas fundamentações judiciais; a unificação das tutelas cautelar e antecipada sob a rubrica “tutelas de urgência”; a consagração de um processo sincrético; a força dos precedentes judiciais; o fortalecimento dos meios de solução consensual dos conflitos; o fim do juízo de admissibilidade pelo juízo de origem nos recursos; a solução coletiva de ações e recursos repetitivos, evitando o abarrotamento dos tribunais com causas que contém a mesma questão de direito; além da incorporação em seu texto entendimentos já consagrados na doutrina e na jurisprudência do STJ e do STF.

Assim, o NCPC tem a seguinte configuração:

- PARTE GERAL (dedicada à formulação de regras sobre as Normas Processuais Civis. Contém princípios e regras gerais, aplicáveis a todos os tipos de processo): está dividida em 6 Livros, quais sejam:

=> Livro 1: trata das Normas Fundamentais do Processo Civil; => Livro 2: da Função Jurisdicional;

=> Livro 3: dos Sujeitos do Processo; => Livro 4: dos Atos Processuais; => Livro 5: da Tutela Provisória;

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8 => Livro 6: da Formação, Suspensão e Extinção do Processo.

- PARTE ESPECIAL: contém 3 Livros, a saber:

=> Livro 1: do Processo de Conhecimento (tanto procedimento comum, como procedimentos especiais, de jurisdição contenciosa e de jurisdição voluntária); => Livro 2: do Processo de Execução;

=> Livro 3: dos Processos nos Tribunais e os Meios de Impugnação das Decisões Judiciais.

- LIVRO COMPLEMENTAR: das Disposições Finais e Transitórias

1.3 Fontes

O termo "fontes" provêm de fontos, expressão latina que significa "lugar de onde perenemente nasceu", "nascente de água". Em sentido figurado, fonte é a origem de algo, causa, motivação.

Fonte do Direito seria, portanto, a origem do Direito, o seu nascedouro. Trata-se dos fatores reais que condicionaram o aparecimento da norma jurídica, seja elas quais forem (princípios morais, políticos, pareceres, teorias etc), desde que influenciem na criação e aplicação do direito.

Fontes do Direito Processual são os lugares de onde provém este ramo do Direito, dentre os quais podemos destacar:

a) Constituição Federal => nela se encontram as normas fundamentais aplicáveis ao processo, especialmente no rol do art. 5º, como, por exemplo, os princípios do devido processo legal (inc. LIV), do contraditório e da ampla defesa (LV), da acessibilidade ao Judiciário (XXXV), da proibição de obtenção de provas ilícitas (LVI), da celeridade ou da duração razoável do processo (LXXVIII), além de regras acerca da organização e competência de julgar processos, em única ou última instância, pelos juízes e tribunais (arts. 102 e ss).

Destaque-se o fato de o NCPC ter incorporado praticamente todos estes princípios constitucionais, fortalecendo e consagrando um sub-ramo do Direito Processual: o Direito Processual Constitucional3 (consiste num conjunto de normas de índole processual que se

encontram na Lei Maior, objetivando garantir a sua aplicação e a sua supremacia. Ex: previsão do mandado de segurança, mandado de injunção, recurso extraordinário).

3Certo é que se tem falado também do contrário, ou seja, de um Direito Constitucional Processual, consistente

num conjunto de normas de índole constitucional que visam garantir o processo, assegurando que este seja mais justo.

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9 Por fim, vale lembrar, ainda, das emendas constitucionais. À guisa de exemplo, podemos citar a EC 62/2009, que trata do novo regime dos precatórios, e a EC 66/2010, que instituiu o divórcio direto, independentemente do prazo de separação.

b) Leis Federais => a mais importante é a Lei n. 5.869/73, ou seja, o CPC, que está prestes a ser substituído pelo então NCPC, a Lei n. 13.105/2105. Mas há outras também relevantes como a Lei 6.515/77 (lei do divórcio), Lei n. 6.830/80 (execução fiscal); Lei n. 8.245/91 (lei da locação/despejo); a Lei n. 9.099/95 (Juizados Especiais Cíveis); Lei 12.016/09 (novo mandado de segurança), etc.

c) Leis Estaduais => as leis estaduais relativas ao processo são suplementares às federais, que são gerais, pois a competência para legislar sobre Direito Processual é de exclusividade da União. Sendo assim, cabem aos Estados legislar apenas sobre procedimentos administrativos de apoio ao processo, como, por exemplo, regras acerca da publicação dos atos processuais na imprensa oficial local.

Todavia, calha lembrar que, no que se refere aos Juizados Especiais (art. 24, X, CF), têm os Estados e o DF competência concorrente com a União para legislar sobre processo, desde que não sejam contrárias às normas gerais (instituídas na Lei 9.099), e, nessa hipótese, não há como se negar à lei estadual o caráter de fonte do Direito Processual.

d) Regimentos Internos dos tribunais => são conjuntos de normas que regem o funcionamento interno dos tribunais. Tais atos normativos podem conter normas atinentes ao procedimento. Ex:. embargos de divergência (art. 1.043, NCPC), cujo procedimento é o estabelecido nos RI’s do STJ e do STF.

e) Princípios Gerais do Direito => são regras não escritas que se encontram presentes em todo o sistema, informando-o. Exs:. ‘O Direito não socorre os que dormem’ – primado geral presente em institutos como os da prescrição, decadência, preclusão; ‘O que não está nos autos não existe no

mundo jurídico’ ou ‘Alegado e não provado é como não alegado’ – deles derivando regras como a do

ônus da prova (art. 333), a do livre convencimento motivado (art. 131) etc.

Obviamente, não se pode esquecer que dos princípios gerais derivam os específicos, aplicáveis a todo o Direito Processual, inclusive o Civil, tais como: devido processo legal, contraditório e ampla defesa, isonomia processual e paridade de armas, cooperação entre as partes, da duração razoável do processo etc.

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10 f) Costumes => conduta socialmente aceita e que é realizada para criar uma sensação de obrigatoriedade. Ex:. por força do disposto nos arts. 282, inc. VI e art. 300, do CPC/73, autor e demandado devem anunciar, de maneira específica, na petição inicial e na contestação, respectivamente, as provas que pretendem produzir. Há, porém, um hábito de muitos advogados de descumprir esse comando, anunciando apenas que pretendem produzir ‘todos os

meios de prova admissíveis no direito’. Por conta dessa práxis (costume), os magistrados, após o

encerramento da fase postulatória, tem determinado às partes que especifiquem as provas que pretendem produzir.

g) Doutrina => conjunto de lições ou obras dos jurisconsultos acerca do Direito Processual Civil, desde os mais tradicionais aos mais de vanguarda. Exemplos: Moacyr Amaral Santos; Ernane Fidélis dos Santos; Athos Gusmão Carneiro; José Frederico Marques; Ovídio Baptista da Silva; Humberto Theodoro Jr.; Nelson Nery Jr; Cândido Rangel Dinamarco; Ada Pelegrini Grinover; Arruda Alvim; Sérgio Scarpinella Bueno; Luiz Guilherme Marinoni; Eduardo Talamini; Elpídio Donizete; Luiz Rodrigues Wambier; ; Marcos Vinicius Rios Gonçalves; José Carlos Barbosa Moreira; Fredie Didier Júnior; Alexandre Freitas Câmara; Daniel Amorim; Luiz Fux; Thereza Arruda Alvim Wambier etc.

h) Jurisprudência => decisões reiteradas dos pretórios nacionais sobre idêntica matéria. É inegável a força das súmulas da jurisprudência dominante dos tribunais, principalmente dos superiores, que, no nosso atual sistema, são capazes de fazer recursos fracassarem precocemente (não tendo o seu mérito sequer apreciado pelo tribunal- art 557) ou terem seus méritos julgados procedentes (providos) monocraticamente pelo relator (art. 557, §1º-A); ou, ainda, de considerar uma causa com repercussão geral, para fins de conhecimento de recurso extraordinário (art. 543-A, §3º, CPC/73) etc.

Aliás, convém registrar que, com o novo CPC, a força dos precedentes jurisprudenciais ganhou maior intensidade, vez que o próprio art. 557 foi profundamente alterado pelo art. 932 do NCPC, que confere maiores poderes ao relator. Agora, este, mais do que impedir que o recurso seja julgado, está autorizado a indeferi-lo (o correto é dizer: negar o seu provimento), definitivamente, caso o mesmo esteja contrário a súmulas do STJ ou do STF, ou a acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos.

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1.4 Princípios

Como qualquer outra ciência jurídica, o Direito Processual Civil está sujeito a princípios norteadores de todo o desenvolvimento da disciplina e tais primados servem de orientação segura a interpretação dos institutos que integram o campo de atuação da ciência, sendo certo que os mais importantes princípios processuais encontram-se consagrados na Lei Maior, por onde iniciaremos o nosso estudo.

1.4.1 Princípios Constitucionais do Direito Processual

a) Devido Processo Legal (Due Processo f Law)

É o princípio dos princípios, pois dele irradiam os demais, estando prescrito no inciso LIV do art. 5º da CF/88.

Tem origem no Direito Inglês, especificamente na Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra, sob a cláusula due process of law, que, traduzida pela doutrina pátria, significa ‘devido processo legal’.

Surgiu como garantia de índole exclusivamente processual, assegurando aos jurisdicionados o trâmite de um processo conforme as regras processuais vigentes (devido processo legal formal).

Mas, depois, passou a ter um aspecto de direito material, o que levou a doutrina a considerar a existência de um devido processo legal substancial, que deve ser entendido como uma garantia ao trinômio ‘vida-liberdade-propriedade’, através do qual se assegura que os indivíduos só sejam submetidos a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da sociedade. Tal vertente pode ser considerada como o próprio princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, onde se busca a prevalência da solução mais justa.

Também, sob esta vertente, deve ser entendida como a garantia de acesso à ordem jurídica justa (KAZUO WATANABE), no sentido de que a todos aqueles que se encontram numa posição jurídica de vantagem deve ser assegurada uma verdadeira, efetiva e justa tutela jurídica.

b) Isonomia => também conhecida como paridade de armas, a isonomia compreende dois aspectos:

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12 ➢ Formal – todos devem ser tratados com igualdade, dando-se as mesmas oportunidades às partes. Ex:. art. 5º, CF, e art. 139, I, NCPC.

➢ Substancial – respeita-se as diversidades entre as partes para que a garantia da igualdade seja mais do que formal, mas seja real ou substancial. Para isso, lança-se mão de uma igualdade proporcional. Ex: prerrogativas da Fazenda Pública (art. 183 – prazo dobrado; art. 58, §3º - honorários proporcionais; art. 496 – remessa necessária) e do Ministério Público (art. 180); prioridade às causas de pessoas maiores de 60 anos (Lei 10.173).

O NCPC trouxe duas novidades importantes que visam garantir maior efetividade ao princípio da isonomia: a ordem cronológica de conclusão para que os juízes e tribunais profiram sentenças ou acórdãos (art. 12); e a observância aos precedentes judiciais, impedindo que pessoas que estejam em situações iguais tenham soluções diferentes

c) Contraditório e Ampla Defesa => estão previstos no art. 5º , inciso LV, da CF e art. 9º, NCPC. O contraditório também deve ser estudado sob dois enfoques ou aspectos:

➢ Jurídico – garantir o contraditório implica em dar à parte oportunidade de participar do processo em igualdade de condições. Dessa forma, por exemplo, se a uma parte foi dado o direito de juntar um documento no processo, à outra deve ser garantido o direito de sobre ele manifestar-se. Ou, então, se à autora deu-se o direito de acionar o Estado-juiz formulando suas pretensões, ao respectivo requerido deve ser dada oportunidade de responder aos termos da ação.

➢ Político – assim como se garante o direito de participação no exercício das outras funções estatais (p. ex., no Legislativo, por meio do plebiscito e do referendo; no Executivo, por meio do orçamento parcipativo etc), garante-se pelo contraditório o direito do jurisdicionado de participar no processo com o fim de legitimar o provimento jurisdicional (isso decorre do Estado Democrático de Direito).

A exceção é a liminar (in limine – no início do processo, antes da citação do réu), onde o requerido só tem a chance de participar depois que o provimento judicial é proferido. Nesse caso, fala-se, na verdade, da existência de um contraditório postergado ou diferido, já que ele só será estabelecido num momento posterior do procedimento.

Já a Ampla Defesa consagra, junto com o contraditório, o binômio ‘ciência+participação’, na medida em que a participação oportunizada se materializará pela prática de atos de defesas. Portanto, não basta à parte ser ouvida, é preciso que se lhe garanta o direito de provar a sua tese (antítese, na verdade) por todos os meios e recursos de defesa. Por isso é que é ampla!

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13 d) Dispositivo (da Ação ou da Demanda) e Inquisitivo (ou Impulso Oficial)

Para assegurar a imparcialidade do juiz, a iniciativa do processo e da maioria da prática dos atos processuais cumpre às partes, à sua disposição, sob pena de contumácia. Tem previsão legal no art. 2º, NCPC. Do princípio do dispositivo derivam-se outros como o princípio da congruência ou da adstrição da sentença ao pedido (arts. 141 e 492).

As exceções estão consagradas nos arts. 139, IV, e 297 (poder geral de efetivação e de cautela); art. 370 (produção de provas de ofício = interesse público/busca da verdade real/juiz de mero expectador à posição ativa), do que se conclui que o princípio do dispositivo restringe-se à propositura da ação e aos limites objetivos da lide, mas não à efetivação e à instrução do processo.

Convive o princípio do dispositivo harmonicamente com o do inquisitivo, principalmente porque cabe ao juiz, provocada a jurisdição, promover o andamento do feito (art. 2º, 2ª parte), pois é interesse do Estado a rápida solução das causas, não podendo ficar à mercê das partes.

e) Duplo Grau de Jurisdição

Consiste na possibilidade de provocar reapreciação e o julgamento de matéria já decidida, mediante recurso, por órgão hierarquicamente superior. É com base nesse princípio que se estruturou o atual sistema recursal previsto no CPC, garantindo uma dualidade da jurisdição, em nítida observância extensiva ao princípio da acessibilidade ao Judiciário.

Tem por fundamento a falibilidade e a má-fé do julgador, associado, por outro lado, ao inconformismo natural da parte vencida. O fundamento político assenta-se no controle interno (pelo próprio Judiciário) sobre a legalidade e a justiça de suas decisões.

Malgrado tudo isso, certo é que o juiz de 1º grau se cerca de maiores cuidados ao decidir por saber que sua decisão é passível de reforma pelo órgão superior.

Dessa forma, garante-se, mediante recurso, o reexame da matéria decidida pelo juízo de 1º grau por órgão hierarquicamente superior, que supostamente tenderá a errar menos, por ser composto de vários juízes mais experientes e, para isso, dotados de um maior saber jurídico.

O princípio do duplo grau esteve previsto expressamente apenas na Constituição do Império. As demais constituições, inclusive a atual, vigente, cuidaram tão somente de prever a existência de tribunais, dando-lhes competência recursal, sem garantir de forma explícita o referido princípio.

Em virtude dessa omissão, permitiu-se a possibilidade de o legislador infraconstitucional vedar ou limitar o direito de recurso em alguns casos (Exemplo: não cabe

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14 apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTN’s4 - art. 34 da Lei n.

6.830/81; não cabe recurso de despachos – art. 1.001, NCPC).

Mas, embora o princípio do duplo grau de jurisdição não se encontre expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, é ele consectário direto do princípio do devido

processo legal (art. 5º, inc. LIV), segundo a doutrina mais balizada. Por outro lado, o Código de

Processo Civil, as demais leis extravagantes e as leis de organização judiciária o adotam como regra geral.

José Frederico Marques (2000, p. 5-6) sustenta a existência não do duplo grau, mas da pluralidade dos graus de jurisdição face à previsão constitucional dos recursos especial e extraordinário, cujo julgamento compete ao STJ e STF, respectivamente, aludindo a um suposto 3º grau de jurisdição, o que, com a devida vênia, não existe.

São, na verdade, juízos extraordinários, pois não reapreciam matéria de fato, mas tão somente matéria de direito, com o fim de velar pelo direito objetivo, garantindo a ordem jurídica.

f) Juiz Natural

Previsto no art. 5º, inc. XXXVII e LIII, da CF, pelo princípio do juiz natural se proíbe a existência de juízo ou tribunal de exceção (instaurado especificamente para o julgamento de determinadas causas ou pessoas. Ex:. Tribunal de Nuremberg que julgou os nazistas), garantindo ainda que ninguém seja sentenciado senão pela autoridade competente, ou seja, aquela investida de jurisdição, a qual é exercida pelos juízos concursados.

Esta garantia está ligada a dois aspectos:

➢ associa-se ao órgão jurisdicional => as causas devem tramitar em juízos competentes. A competência é preestabelecida na Constituição Federal. Por isso, se proíbe juízos de exceção ou ad hoc.

➢ diz respeito à pessoa do juiz => exigência de imparcialidade (ausência de interesse pessoal; estranho às partes) para que se tenha um processo justo.

g) Inafastabilidade jurisdicional/judicial

4 Conforme orientação do STJ, a atualização deve ocorrer pela conversão

sucessiva da OTN em BTN e UFIR. Da exegese jurídica da evolução desses índices resulta a seguinte fórmula, a ser considerada quanto ao valor de alçada recursal, a ser apurado na data da distribuição da execução fiscal: 50 OTN = 440,30 BTN = 444,85 UFIR.

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15 Está previsto no art. 5º, XXXV, CF/88. Garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, que não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão, pois a jurisdição é monopólio do Estado. A partir do momento que o Estado trouxe para si a responsabilidade, o poder de tão-somente ele dizer o direito ao caso concreto, na mesma medida atraiu para si o dever de assim o faze-lo, não podendo se eximir de julgar em qualquer situação.

Essa é a inteligência dos arts. 4º, LINDB, e art. 140, NCPC, os quais consagram um princípio derivado, denominado de princípio do non liquet.

A consequência da garantia da inafastabilidade é outra garantia: a do acesso à jurisdição a todos quantos a invoquem, sem restrição. Havendo lesão ou ameaça de lesão a direito, nasce para o seu titular a pretensão de vê-lo tutelado pelo Judiciário.

h) Persuasão racional do juiz ou do Livre convencimento motivado

Previsão no art. 93, IX, CF/88, segundo o qual todas as decisões judiciais deverão ser

fundamentadas, sob pena de nulidade, e no art. 371 do NCPC, para quem o juiz apreciará livremente a prova...mas deverá indicar os motivos que lhe formaram o convencimento.

Quanto à apreciação da prova, o sistema do livre convencimento motivado coloca-se como intermediário a outros dois, a saber:

➢ sistema da livre apreciação ou da convicção íntima => o juiz tem ampla liberdade para decidir, convencendo-se segundo critérios de valoração íntima, independentemente do que consta nos autos ou de uma fundamentação de seu convencimento. Ex: Tribunal do Júri. ➢ sistema da prova legal ou tarifada => é justamente o oposto do anterior. Cada prova tem seu peso e valor preestabelecidos pela lei, ficando o juiz vinculado dosimetricamente às provas apresentadas. Este sistema limitava a liberdade de o juiz convencer-se da verdade. Ex: no Direito Romano.

O nosso sistema, do livre convencimento motivado, dá liberdade ao juiz para apreciar a prova segundo critérios íntimos, mas o obriga, em contrapartida, a motivar as suas decisões, sem se esquecer das regras legais porventura existentes e as máximas de experiência, previstas nos arts. 374, IV e 375, NCPC.

i) Proibição de emprego de prova obtida ilicitamente (art. 5º, LVI, CF/88)

O ordenamento constitucional coíbe a utilização nos autos do processo das provas obtidas por meio ilícito, ou seja, em violação das normas jurídicas materiais (ex: documento

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16 obtido mediante vício de consentimento, como coação ou estado de perigo; confissão obtida mediante tortura).

Diferente é a chamada prova ilegítima, que é aquela produzida mediante violação de normas processuais (ex: no depoimento pessoal, uma parte ouvir o depoimento da outra – art. 385, §2º, NCPC; o testemunho das pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas para tanto – art. 447, §§1º, 2º, e 3º, NCPC; o testemunho de quem não é obrigado a depor sobre certos fatos – art. 448, NCPC).

Desta feita, pode-se afirmar o seguinte:

➢ PROVA ILÍCITA => a mácula, a ilegalidade ocorre no momento da OBTENÇÃO da prova. ➢ PROVA ILEGÍTIMA => a ilegalidade se dá no momento de sua PRODUÇÃO.

Ambas, as provas ilícitas e as provas ilegítimas, são espécies de um gênero maior, denominado prova ilegal.

Mas o que a Constituição Federal proíbe é a prova cuja OBTENÇÃO tenha violado norma material, especialmente se corresponder a uma garantia fundamental. Ex: inviolabilidade de domicílio; da intimidade; do sigilo da correspondência ou de comunicação telefônica (sem o conhecimento de ambos interlocutores. Importante frisar que, se um deles tinha esse conhecimento, para o STF, a prova é lícita); em violação ao princípio da presunção de inocência (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo – ex: bafômetro, coleta de material genético para exame de DNA...).

Isso porque a violação de um direito material é mais grave que a violação de uma regra processual. Todavia, se a violação for de uma norma processual que traduz um direito fundamental processual, como é o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa etc, tal prova será considerada tanto quanto ilícita, sem qualquer possibilidade de influir sobre o convencimento do juiz.

Por fim, há de se ressaltar que, como toda garantia fundamental, a proibição das provas ilícitas não é absoluta, porque pode haver necessidade de conciliá-la com outras garantias fundamentais da mesma grandeza. Imagine a hipótese de uma associação de proteção ao meio ambiente que não tem outra alternativa para proteger o direito ambiental senão por meio de uma prova ilícita?

Portanto, o uso da prova ilícita poderá excepcionalmente admitido, por força do princípio da proporcionalidade, quando houver colisão entre o direito fundamental material que se deseja ver tutelado através do processo e o direito fundamental material violado pela obtenção da prova ilícita, sendo ambos igualmente dignos de tutela.

(18)

17 j) Celeridade ou Duração Razoável do Processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88; art. 4º, NCPC)

Trata-se do mais recente princípio constitucional aplicável ao processo inserido na Constituição Federal, repetido no NCPC, de forma também inédita, em seu art. 4º, para quem “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade

satisfativa”.

A inserção constitucional se deu por meio da EC 45/04, que, em linha ao já consagrado princípio do devido processo legal e seus consectários, previu, no último inciso do extenso rol do art. 5º, a garantia da celeridade processual, ou, simplesmente, na dicção da doutrina constitucional portuguesa (cf. J.J. Gomes CANOTILHO), da duração razoável do processo.

Com este princípio visa-se assegurar um processo, cuja duração seja o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados. Duração esta que não significa que será mínima, pois nem sempre conduzirá a um resultado justo, mas uma duração razoável para se alcançar o melhor, o mais adequado, o mais efetivo, enfim, o mais justo resultado possível ao processo.

Tal princípio está estampado em vários artigos do NCPC, tais como: ➢ art. 80, VII => litigância de má-fé contra quem procrastina o feito;

➢ art. 143, II => responsabilidade do juiz que injustificadamente retarda a prática do ato que deveria praticar.

➢ art. 311, I => antecipação dos efeitos da tutela contra réu que abusa do direito de defesa. ➢ art. 1.026, §2º => multa contra o embargante de declaração o opõe com o intuito de tão somente de interromper o prazo para os demais recursos (intuito protelatório).

k) Instrumentalidade das formas

Consiste em dar validade a ato processual que atingiu seu fim, ainda que praticado em inobservância à forma legal. Está previsto no art. 277, NCPC, que assim afirma: “quando a

lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”. Isso porque o processo é apenas um meio, um instrumento, e não um fim.

l) Oralidade

Autoriza a prática dos atos processuais na forma oral, primando pela sua concentração, pela imediação e identidade física do juiz, entre outras conseqüências procedimentais.

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18 Não é aplicado na sua inteireza no Processo Civil, principalmente no rito comum, diante da complacência dos magistrados em permitir que se façam inquirições sem a sua intervenção. A previsão legal da conversão das alegações orais por memoriais escritos é outro exemplo de sua mitigação (art. 364, §2º, NCPC).

Esperava-se um maior prestígio ao princípio com o advento do NCPC, mas não é isso o que se viu, mantendo-se um processo eminentemente escrito, com alguns elementos de oralidade (oralidade na conciliação e mediação; a identidade física do juiz; redução a termo de todos os atos judiciais orais; substituição de debates orais por memoriais; produção de provas em audiência como regra; oitiva de perito em audiência para prestar esclarecimentos; não interrupção da audiência como regra, bem como a sentença proferida em audiência).

O rito sumaríssimo, previsto na Lei n. 9.099/95 (Lei que instituiu os Juizados Especiais Cíveis Estaduais), é que adotou verdadeiramente tal princípio.

m) Publicidade

Previsto no art. 93, IX, da CF, e no art. 189 do NCPC, consiste na garantia fundamental de tornar públicos todos os atos judiciais.

É, portanto, um instrumento de proteção das partes contra juízos arbitrários e secretos, bem como de fiscalização popular aos atos judiciais, tendo, assim, 2 dimensões: uma interna – publicidade para as partes; e outra externa – publicidade para terceiros, salvo quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigir a restrição da publicidade apenas à interna.

Tais exceções estão mais bem descritas nos incisos I a IV do art. 189 do NCPC, exigindo, portanto, que o processo corra em segredo de justiça nas seguintes situações: - processos que exigir interesse público ou social;

- processos que dizem respeito a casamento, separação de corpos, divórcio, separação (acabou com a EC66/10), união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes;

- processos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; - processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

Em tais casos, restringe-se às partes e seus procuradores o direito de consultar os autos e de pedir certidões (§1º), podendo o terceiro juridicamente interessado obter certidão do dispositivo da sentença mediante requerimento (§2º).

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19 n) Boa-fé processual

Previsto no art. 5º, NCPC, tal princípio impõe a todo aquele, que de qualquer forma participa do processo, o dever de comportar-se de acordo com a boa-fé. Portanto, trata-se, na verdade, de uma regra de conduta que se aplica não apenas às partes, mas aos seus advogados, e até ao juiz e aos auxiliares da justiça.

Apesar de não ter previsão constitucional, a maioria dos autores, com apoio do STF, vê no princípio do devido processo legal o seu fundamento constitucional, vez que esta cláusula geral exige um processo leal, ético e pautado na boa-fé (criou-se, inclusive, a expressão: devido processo leal).

O desrespeito ao princípio traduz-se em ilícito processual, combatido severamente pelo legislador com sanções do tipo condenação em litigância de má-fé (arts. 79 a 81); responsabilidade civil do juiz (art. 143, I), do escrivão e do oficial de justiça (art. 155), do intérprete (art. 164); do advogado (art. 32 do Estatuto da OAB); a condenação em ato atentatório à dignidade da justiça (ao devedor que pratica quaisquer atos previstos no art. 774; e às partes que não comparecem injustificadamente na audiência de conciliação ou mediação, cf. §4º do art. 334); a tutela de evidência quando o réu abusar do direito de defesa (art. 311, I); etc.

o) Princípios inéditos no NCPC

o.1) Princípio da Eficiência

Corolário do devido processo legal (pois não se concebe como devido um processo ineficiente) e já previsto no art. 37 da CF, o qual também se dirige ao Poder Judiciário, este princípio foi inserido no NCPC, pelo legislador de 2015, no art. 8º, o qual estabelece que o juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, deverá observar, dentre outros princípios, a eficiência. Ou seja, deve haver uma condução eficiente do processo pelo órgão jurisdicional, não só no sentido de que a prestação jurisdicional deve ser encarada como um serviço público, e, como tal, deve ser gerido e entregue com eficiência (consoante o art. 37 da CF), mas também segundo a velha ideia de um processo que prima pela economia processual, ou seja, deve-se dar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.

(21)

20 Dessa forma, o processo deve perseguir a justiça de modo satisfatório, utilizando-se, para tanto, dos meios mais rápidos, seguros e econômicos, evitando o dispêndio exagerado de tempo e dinheiro na prática dos atos processuais.

Exemplos/aplicações do princípio:

1) poder geral de efetivação => para entregar a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, o juiz pode aplicar a medida de efetivação que julgar mais adequada para satisfazer o direito do autor (art. 536, §1º);

2) limite de prazo para a suspensão do processo (art. 313, §4º); 3) reunião de causas conexas ou não (art. 55, §§1º e 3º);

4) litisconsórcio => mais de uma pessoa litigando contra o mesmo autor ou réu (art. 113); 5) nulidades processuais => possibilidade de sanar vício suprível (art. 288).

o.2) Princípio da Efetividade

Também decorrente do devido processo legal, o princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, ou seja, à satisfação de um direito já reconhecido. Afinal, não basta “ganhar”; para o processo ser devido, é preciso também “levar”.

Todavia, não pode ser confundido com o princípio anterior (da eficiência), pois “efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente; eficiente é o processo que atingiu esse resultado de modo satisfatório” (DIDIER JR, 2015, p. 103).

O princípio da efetividade está previsto no NCPC, em seu art. 4º, para quem “as partes têm o direito (...) a atividade satisfativa”. Tal entendimento já era reforçado pelo conhecido princípio da inafastabilidade jurisdicional, que garante não apenas, formalmente, o acesso à justiça, mas também a obtenção de uma tutela jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva.

o.3) Princípio da Adequação

Corolário dos princípios do devido processo legal, da inafastabilidade jurisdicional e até da efetividade, o princípio da adequação exige que tanto o legislador, ao prever as regras processuais (in abstrato), quanto o juiz, ao entregar a tutela jurisdicional (in concreto5), deverão

adotar o procedimento, a técnica mais adequada para a realização do direito material.

5 Há que se lembrar também da adequação negocial feita em concreto pelas próprias partes,

que poderão negociar o rito que mais se amolde às suas necessidades (negócio jurídico processual – art. 190, NCPC).

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21 A doutrina leciona que tal princípio revela-se em 3 aspectos:

- subjetivo => o processo deve ser adequado aos sujeitos processuais. Exemplos: intervenção obrigatória do MP em processos que envolvam interesse de incapaz – art. 178, II; diferenciação de regras de competência em razão da pessoal, como a regra do domicílio do alimentando para as ações de alimentos, ou da previsão de uma Justiça Federal para as causas que envolvem entes públicos federais – art. 53, II, NCPC e art. 109, I, CF, respectivamente; prazos processuais especiais para entes públicos – art. 183; etc.

- objetivo => adéqua-se o processo a um tipo ou outro de procedimento de acordo com a natureza do direito litigioso (ações possessórias; ação de alimentos; busca e apreensão em alienação fiduciária etc), com a evidência do direito litigioso (mandado de segurança; ação monitória; tutela de evidência do art. 311), ou com a sua urgência (tutelas de urgência – arts. 300 a 310).

- teleológico => a adequação se faz a depender dos objetivos que se quer, com o processo, alcançar. Exemplos: um tipo de processo ou de procedimento a depender da tutela pretendida (de conhecimento, de execução ou cautelar); procedimento sumaríssimo para alcançar os propósitos de duração razoável do processo e efetividade que impõe a lei nos Juizados.

Especificamente quanto à aplicação do princípio pelo juiz no caso concreto, também conhecido como princípio da adaptabilidade ou da elasticidade, são exemplos:

- art. 139, VI => o juiz pode dilatar prazos processuais e alterar a ordem de produção de provas de acordo com as peculiaridades do caso;

- art. 373, §1º => redistribuição judicial do ônus da prova;

- arts. 355 e 356 => encurtamento do rito com o julgamento antecipado do mérito;

- art. 334, §4º, II => não realização da audiência de conciliação ou mediação se a causa não admitir a autocomposição; etc.

Portanto, desde que o juiz garanta sempre o contraditório, evitando surpresas às partes com a alteração do procedimento, certo é que a flexibilidade procedimental às exigências da causa é fundamental para que mais facilmente o processo alcance os seus fins (DIDIER JR, 2015, p. 119).

o.4) Princípio da Cooperação

Embora já tenhamos visto os princípios do dispositivo e do inquisitivo separadamente, certo é que estes estão diretamente relacionados com o que o Novo Código de Processo Civil chama de princípio da cooperação.

(23)

22 Isso porque sempre convivemos, no mundo ocidental, com dois tipos de modelos de processo: o modelo dispositivo, intimamente ligado à atribuição de poderes às partes; e o modelo inquisitivo, o qual confere poderes ao juiz.

Todavia, tem sido cada vez mais difícil identificar, principalmente no Brasil, qual dos dois modelos é adotado, uma vez que ora a lei confere poderes às partes, como, por exemplo, de instaurar o processo e fixar o seu objeto, ora ao juiz, ao investi-lo de poderes instrutórios.

Em razão disso, tem-se falado que o direito processual brasileiro adota o modelo cooperativo, segundo o qual se espera que todos os sujeitos do processo, tanto as partes quanto o juiz, devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. Estas são as palavras descritas no art. 6º, do NCPC.

Percebe-se que não há uma condução do processo só a cargo das partes, tampouco só do juiz, que, tendo o contraditório, a boa fé e o devido processo legal como bases, comparticipam de todos os atos praticados do processo.

Vê-se que o Estado-juiz adota dupla posição no processo: paritária, com diálogo e equilíbrio na condução e cognição do processo (modelo dispositivo); e assimétrico e imparcial no momento da decisão do processo (modelo inquisitivo).

O princípio aplica-se às partes no que se refere aos seus deveres de esclarecimento (os demandantes devem redigir suas demandas com clareza e coerência, sob pena de inépcia), de lealdade e de proteção (não pode a parte causar danos à outra). Já quanto ao juiz o princípio se revela, por exemplo, no dever também de ser claro e preciso ao fundamentar suas decisões, ou, antes de indeferir um ato, tirar dúvidas ou buscar esclarecimentos junto à parte; agir com lealdade e boa-fé; e até o dever de consulta, de informar as partes antes de decidir (art. 10); e de prevenção, apontando deficiências nas postulações às partes, para que possam ser supridas (ex: arts. 76; 321; 932, par. único; 1.017, §3º; 1.029, §3º).

o.5) Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade no Processo

Originado no direito fundamental à liberdade e à dignidade da pessoa humana, o direito ao autorregramento da vontade (ou simplesmente, a autonomia da vontade) consiste no direito que todo indivíduo possui de regular juridicamente os seus interesses, de fazer as próprias escolhas.

Obviamente que este princípio não tem a mesma dimensão e extensão no direito processual civil como tem no direito civil, uma vez que naquele há a presença pública do

(24)

23 Estado nas relações, o que significa que a negociação processual é mais regulada e o seu objeto mais restrito.

A liberdade ou a autonomia da vontade no processo tem sido cada vez mais difundida pois a liberdade é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, não se concebendo um processo devido em que a liberdade da vontade de seus participantes é hostilizada, prevalecendo a arbitrariedade.

É possível a convivência harmoniosa entre processo e liberdade, sem que com isso se admita a adoção de um modelo predominantemente dispositivo (ampla liberdade às partes para dispor dos atos processuais, figurando o juiz como mero expectador). Existe a liberdade de negociar acerca do processo, porém limitada. A própria lei cuida de estabelecer os seus limites, como, por exemplo, no art. 190 do NCPC, que prevê tal iniciativa apenas às partes plenamente capazes e que estejam discutindo direitos que admitam autocomposição.

São exemplos de aplicação deste princípio:

- a autocomposição, sobre a qual hoje se estrutura o sistema processual civil brasileiro (arts. 3º, §§2º e 3º; arts. 165 a 175; arts. 334 e 335);

- delimitação do objeto do processo (art. 141 e 490) e do recurso (arts. 1.002 e 1.013) pela vontade da parte;

- negócios processuais típicos, como eleição de foro (art. 63), negócio tácito de que a causa tramita em juízo relativamente incompetente (art. 65); calendário processual (art. 191); acordo para a suspensão do processo (art. 313, II); adiamento negociado da audiência (art. 362, I); etc.

- cláusula geral de negociação processual do art. 190 (subprincípio da atipicidade da negociação

processual) – as partes, desde que capazes e o direito admitir autocomposição, poderão

negociar mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa; - consagração do princípio da cooperação (art. 6º);

- o prestígio à arbitragem, cujo processo é totalmente negociado.

o.6) Princípio da Primazia da Decisão de Mérito

Segundo este princípio, o juiz deve priorizar a entrega da decisão de mérito. Nos termos do art. 4º do NCPC, a parte tem o direito à solução integral do mérito, seja da demanda principal, incidental ou da demanda recursal.

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24 - art. 6º, que diz que todos os sujeitos devem cooperar para que se obtenha decisão de mérito justa e efetiva;

- art. 139, IX: o juiz tem o dever de determinar o suprimento dos pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;

- art. 282, §2º: o juiz deverá ignorar os defeitos processuais, se a decisão de mérito não prejudicar aquele que se beneficiaria com o reconhecimento da nulidade;

- art. 321: quando a petição inicial contiver defeitos corrigíveis, não deverá o juiz indeferí-la sem antes dar oportunidade ao autor de corrigí-la em 15 dias; etc.

o.7) Princípio da Proteção da Confiança

Trata-se da versão subjetiva do princípio da segurança jurídica, ou seja, o direito que a parte tem de poder confiar nos atos jurisdicionais, sob a premissa de estes são praticados segundo um devido processo legal, não podendo o Estado trair tal confiança.

Exemplos:

- o dever de o tribunal uniformizar a sua própria jurisprudência;

- o dever de o tribunal modular os efeitos de decisão que altera jurisprudência consolidada, resguardando posições jurídicas de quem havia confiado no entendimento que até então prevalecia;

- sistema de invalidades processuais, que dificulta a decretação de invalidades ou limita temporariamente os seus efeitos, preservando alguns efeitos do ato invalidado;

- o órgão jurisdicional adotar “regras de transição” para minimizar o impacto da quebra da confiança (exemplo clássico aconteceu no julgamento do RE n. 631.240 MG, que o STF regulou a transição para aqueles que não haviam requerido administrativamente benefício previdenciário antes do julgamento desta matéria); etc.

(26)

25 2 JURISDIÇÃO

2.1 Introdução e conceito

Sabe-se que o Estado, com o fim da monarquia absolutista, em pleno Iluminismo, se estruturou e se modernizou, consagrando a já aristotélica tripartição dos poderes, por meio dos quais o Estado exerce as funções legislativa (responsável pela estruturação da ordem jurídica pela elaboração das leis), administrativa (cujo papel é o de aplicar a lei na busca do bem comum/coletivo) e jurisdicional (a qual faz atuar a vontade da lei no caso concreto, solucionando as lides).

A função jurisdicional difere da legislativa, na medida em que esta é anterior ao caso concreto, sendo exercida para prever casos ou situações gerais e abstratas; também difere da função administrativa em que pese esta última não ser substitutiva à vontade das partes, mas sim de iniciativa do próprio Estado na tutela do bem estar social mediante a aplicação de programas e ações de governo.

Jurisdição, etimologicamente, significa dizer o direito. É, portanto, “a função pela qual o direito é aplicável ao caso concreto”. Não obstante tal conceituação, há quem também a identifique à atividade ou ao próprio poder estatal de decidir os litígios (Poder Judiciário). Neste último aspecto, a jurisdição, por ser um monopólio estatal, equivale também a um dever, já que o Estado não pode se eximir de solucionar ou de compor as lides que porventura os indivíduos da sociedade, os quais estão proibidos de exercer a autotutela ou a justiça privada, possam estar envolvidos.

2.2 Características

A jurisdição caracteriza-se pela:

a) substitutividade => o Estado substitui as partes e soluciona o conflito, por conta do monopólio da atividade jurisdicional. Ou seja, o Estado cumpre a lei no lugar das partes, que não a observaram espontaneamente.

b) definitividade ou imutabilidade => em nome da segurança jurídica, as decisões judiciais tendem, em regra, a se tornarem imutáveis, passíveis apenas de ação rescisória. Já as decisões

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26 administrativas, em regra, são modificáveis, podendo ser revistas pelo Judiciário, exceto aquelas fundadas em juízo de conveniência e oportunidade (mérito administrativo).

c) inércia => a atividade jurisdicional deve ser provocada pela parte, pois se trata de uma atividade desinteressada, imparcial e eqüidistante dos interesses das partes. Apesar de o art. 2º confirmar esse entendimento ao dizer que “o processo civil começa por iniciativa da parte e se

desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”, há exceções ao princípio do

dispositivo ou da inércia jurisdicional, como na a execução da sentença que condena em obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa distinta de dinheiro (arts. 536 e 538); na arrecadação dos bens do ausente (art. 744) e na arrecadação dos bens do falecido no caso de herança jacente (art. 738); em alguns incidentes processuais, como o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976), conflito de competência (art. 951) e incidente de arguição de inconstitucionalidade (art. 948).

d) instrumentalidade => através da atividade jurisdicional é possível impor os comandos legais violados, ou seja, é um instrumento da sanção.

e) presença da lide => a existência de uma lide pressupõe a existência da jurisdição, pois que seu objetivo é justamente por fim aos conflitos de interesses surgidos entre as partes. Hélio Tornaghi e Alexandre Câmara entendem que a lide não é elemento essencial à jurisdição, mas sim a pretensão, pois que há casos em que o Estado é chamado a atuar sem que tenha havido litígio. Exemplo clássico é a ação de divórcio consensual, feito no Judiciário, quando há filhos menores.

2.3 Princípios da jurisdição

A jurisdição é também informada por alguns princípios, dentre os quais se destacam:

a) investidura => a jurisdição só pode ser exercida por quem o Estado investiu de poder para tanto (os juízes concursados).

b) aderência ao território ou territorialidade => o juiz deve exercer a função jurisdicional dentro de certo território definido pela lei (tem a ver com competência, ou seja, com limites da jurisdição, que estudaremos mais adiante).

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27 c) indelegabilidade => as atribuições jurisdicionais só podem ser exercidas pelos órgãos judiciais, não podendo ser delegadas a outrem.

IMPORTANTE: a carta de ordem (ato de comunicação de uma parte, que esteja fora dos limites da jurisdição onde se processa o feito, dirigida a um juiz ou tribunal subordinado àquele de que ela emanar) ou a carta precatória (endereçada a outro órgão judiciário do país, entre os quais não há relação hierárquica) não contraria este princípio, pois que não se trata de delegação de jurisdição, mas, sim, de competência.

Parte da doutrina entende que a arbitragem configura uma espécie de delegação do exercício da jurisdição estatal a particulares (árbitros) pela vontade das partes e autorização legisltativa.

No entanto, há entendimento no sentido de que a arbitragem se enquadra no que Carnelutti chamou de equivalentes jurisdicionais (expressão utilizada na doutrina pátria por Alexandre Câmara, Dinamarco etc), pois, apesar de ser proferida uma sentença, compondo o litígio entre as partes, o árbitro não tem o poder jurisdicional de executá-la, tarefa esta exclusiva do Estado.

São considerados equivalentes jurisdicionais todos os outros meios alternativos de solução dos litígios fora da jurisdição estatal, como:

✓ autotutela => é a solução do litígio pela força (justiça privada) por um dos litigantes. A princípio, é proibida, mas há resquícios da autotutela no nosso atual ordenamento jurídico (desforço imediato, legítima defesa e a greve).

✓ autocomposição => solução dada pelos próprios litigantes que abrem mão total ou parcialmente de seu direito em favor do outro (e não pela força).

Pode haver ou não interferência de terceiros. Se houver, como no caso da mediação ou da conciliação, o terceiro (mediador, conciliador ou juiz) apenas sugere a solução, que continua sendo dada pelas partes. A autocomposição se subdivide em 2 espécies:

- transação ou acordo => a solução é dada pela partes que estabelecem concessões mútuas ou recíprocas, cada qual abrindo mão de parte do seu direito a favor da outra. Pode ser dentro ou fora do juízo (judicial ou extrajudicial);

- submissão => há verdadeira abdicação espontânea do direito, o qual poderá ser feita em juízo (renúncia, se autor; ou reconhecimento do pedido, se réu).

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28 ✓ tribunal administrativo => solução dada por um terceiro, mas de caráter administrativo, sem cunho jurisdicional (não opera coisa julgada, passíveis de controle externo). Ex: Tribunal Marítimo; Tribunal de Contas; Agências Reguladores; CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

✓ arbitragem => diferentemente da mediação, o terceiro escolhido pelas partes, conhecido como árbitro, soluciona o litígio, proferindo uma decisão a que as partes deverão se sujeitar.

A arbitragem foi adotada no Brasil pela Lei n. 9.307/96, recentemente alterada pela Lei n. 13.129/15, e é constituída pela chamada convenção de arbitragem, onde as partes pactuam, por força da previsão em contrato da cláusula compromissória, a arbitragem como meio de solução de conflitos que porventura sobrevierem sobre o negócio jurídico ali avençado, abrindo mão da jurisdição estatal (há quem defenda a inconstitucionalidade desta lei por ferir os princípios do acesso ao Judiciário e do juiz natural – art. 5º, incisos XXXIV e LIII, CF/88). Caso o conflito de fato ocorra, tais partes firmarão o compromisso arbitral.

Segundo a Lei 9.307, a decisão do árbitro é uma sentença, contra a qual não cabe qualquer recurso (salvo ação anulatória, num prazo de até 90 dias após sua publicação, caso tenha sido dada com vício), e nem pode ser rediscutida no Judiciário, a quem cabe tão somente executá-la, já que ao árbitro carece apenas do poder executar suas próprias decisões.

Por fim, convém lembrar também que o árbitro deverá ser pessoa física e capaz; e que a arbitragem só se dá entre pessoas capazes que estejam litigando direito disponível.

Para a maioria da doutrina, a arbitragem é jurisdição, porém não delegada pelo Estado, mas escolhida pelas partes e autorizada pela lei, e não equivalente jurisdicional.

d) inevitabilidade => independentemente da vontade das partes, a jurisdição deve alcançar o seu fim, qual seja, o de compor o litígio, sujeitando-as à decisão. A autoridade das decisões se impõem, independentemente da aceitação dos seus destinatários, pois se trata de um ato emitido por um poder soberano do Estado.

e) indeclinabilidade => com o monopólio estatal da jurisdição, os órgãos judiciais têm a obrigação de prestar a tutela jurisdicional quando invocada, não lhe sendo mera faculdade. O juiz não pode deixar de julgar alegando omissão na lei (art. 5º, XXXV, CF – princípio da inafastabilidade da jurisdição; e art. 140, NCPC - princípio do non liquet). Para tanto, ele dispõe dos meios integrativos (costumes, analogia e princípios gerais do direito – art. 4º, LINDB).

Referências

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