• Nenhum resultado encontrado

OS ESPAÇOS PÚBLICOS FORTES NO CENTRO DE ARACAJU

2.1 O CONCEITO DE ESPAÇO PÚBLICO FORTE

Os espaços públicos centrais, como qualquer outro espaço urbano, são continuamente produzidos pelas relações sociais e pela correlação de forças existentes na sociedade urbana na qual se inserem. São, portanto, constantemente modificados, a depender da convergência de determinados interesses, valores culturais e simbólicos e, conseqüentemente, das atividades funcionais e dos fluxos em cada momento histórico específico. O resultado é um espaço ou conjunto de espaços públicos, em áreas diferentes da cidade, apresentando uma maior densidade de elementos urbanos significativos para a vida social da cidade, constituindo algo como um pólo de urbanidade.

Existe aqui uma questão de escala a ser observada, para compreendermos a urbanidade nestes espaços. Relembrando de Certeau (1994), é a partir do entrelaçamento entre a materialidade e a subjetividade, através do ato de caminhar, que as diferentes espacialidades se constróem. Urbanidade é definida por Choay (1996, p. 12) como “o ajustamento recíproco entre uma forma de tecido urbano e uma forma de conviviabilidade”. Por isso, é a escala do pedestre que produz a dinâmica das relações sociais nos espaços urbanos.

Para Milton Santos, o espaço, como uma construção social, é “um conjunto de fixos e fluxos” (Santos, 1999, p. 50), produzido pela interrelação entre a materialidade (configuração territorial) e as relações sociais (vida que anima a materialidade). Os sistemas de objetos e os sistemas de ações, que formam o espaço, não podem ser tomados separadamente, pois são um conjunto indissociável.

Para o espaço público forte, são fundamentais as relações de proximidade entre os indivíduos e as relações inter-pessoais daí decorrentes. Para Santos (op. cit., p. 205), no cotidiano, quanto maior a intersubjetividade, o contato face-a-face, e o compartilhamento do lugar, maior o que ele denomina de densidade comunicacional. A proximidade

“tem a ver com a contigüidade física entre pessoas numa mesma extensão, num mesmo conjunto de pontos contínuos, vivendo com a intensidade de suas inter- relações. Não são apenas as relações econômicas que devem ser apreendidas numa análise da situação de vizinhança, mas a totalidades das relações“ (Santos, op. cit., p. 255).

E ainda:

82

instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contigüidade é criadora da comunhão, a política se territorializa, com o confronto ent re a organização e a espontaneidade” (Santos, op. cit., p. 258).

Nos espaços públicos fortes, uma maior densidade de funções e equipamentos urbanos, atrelado a uma confluência de diversos e variados fluxos de circulação de pessoas, resultam em uma intensa vida social. Considerando a variável tempo, não os entendemos como objetos estanques que se esgotariam e seriam simplesmente substituídos por outros em seguida, como numa simples troca, mas como textualidades espaciais que podem se sobrepor umas às outras, se complementando e coexistindo, de acordo com o contexto em que estão envolvidas. São espaços urbanos cujas condições de sociabilidade são dinâmicas e mutáveis. Podem, por exemplo, repor qualidades antes perdidas por espaços protagonistas anteriores, ou mudar de “consistência” ao longo do tempo em decorrência de novas demandas de funcionamento da cidade e, especialmente, de mudanças no jogo de forças no interior da sociedade.

Uma boa ilustração de um espaço público forte e de sua mutabilidade ao longo do tempo é a Praça Castro Alves, em Salvador. Sua distinção como “pólo de urbanidade” funda-se no fato de que está ou já esteve rodeado de importantes espaços e edifícios significativos para a cidade, como o já demolido Teatro São João, a antiga redação do Jornal A Tarde, o Cine Guarani/Glauber Rocha, complementado por sua localização estratégica como elo entre a Av. Sete de Setembro, a outrora chique e elegante Rua Chile e a ladeira da Barroquinha, e sua implantação como um terraço com vista para a Baía de Todos os Santos. Foi também a principal espaço do Carnaval até os anos 80, até entrar em decadência no bojo do esvaziamento do centro tradicional de Salvador.

A cidade de Aracaju é, considerando a realidade urbana brasileira, uma aglomeração urbana de porte médio. Implantada às margens do Rio Sergipe, a capital do estado de Sergipe tem uma população de mais de 544.039 habitantes (IBGE – Estimativa de população 2009) e apresenta uma configuração urbana ainda relativamente compacta, embora atravessando um processo recente de dispersão espacial e funcional, característico de muitas cidades brasileiras contemporâneas. A descentralização de importantes atividades administrativas, políticas e comerciais, como iremos detalhar adiante, resulta em um esvaziamento funcional e político das áreas centrais. Neste sentido, algumas questões se impõem: como se comportam os aqui denominados espaços públicos fortes centrais ao longo deste processo de esvaziamento e

83 como as novas centralidades, em função de suas características espaciais e funcionais, respondem ou não à emergência de espaços urbanos com um sentido fundamentalmente público e, portanto, político.

Com o objetivo de compreender o lugar do centro principal dentro da estrutura urbana atual de Aracaju, é apresentado neste capítulo – de forma periodizada a partir da bibliografia existente sobre Aracaju46 – um panorama das transformações sócio-espaciais pelas quais a cidade passou; uma cronologia urbana com os principais acontecimentos históricos e intervenções urbanísticas de cunho público ou privado.

O processo de estruturação urbana é analisado a partir dos contextos político, econômico e cultural, e tem como foco principal os efeitos e implicações diretas e/ou indiretas deste processo sobre o centro da cidade e seus espaços públicos. Em assim sendo, opto por seguir basicamente os períodos históricos já firmados por diversos autores da história de Aracaju. Entretanto, para evitar uma abordagem meramente historicista e considerando a necessidade de apreender o sentido político do centro da cidade e de seu conjunto de espaços públicos, busca-se aqui ressaltar e caracterizar alguns dos principais espaços urbanos do centro que, em diferentes momentos históricos, passam a apresentar um significado especial na vida social da cidade – como um espaço protagonista. Assim, pertinente a cada um dos recortes temporais que estruturam este capítulo, se sobrepõem outras leituras da história urbana a partir de recortes espaciais, com o objetivo de ressaltar espaços públicos significativos na vida da cidade. Este protagonismo é a marca daquilo que aqui denomino de espaços públicos fortes.

Desta maneira, associados a cada um dos períodos históricos, ou seja, dos recortes temporais – iniciando com a fundação e implantação da cidade como capital da então Província de Sergipe em 1855, passando pela consolidação e afirmação de Aracaju como centro urbano e capital no início do século 20 (do qual decorreram significativas intervenções urbanísticas por parte do poder público), por momentos de estagnação até a posterior recuperação econômica a partir dos anos 60 – serão elaborados alguns recortes espaciais que apontam conjuntos de espaços públicos que se tornaram protagonistas na vida urbana. Esta “forte urbanidade” pode, como vimos, desaparecer de alguns lugares, dissolver-se gradualmente e/ou se deslocar para outros espaços, concomitante com as transformações pelas quais a cidade passa – quando, por exemplo, a decadência das atividades portuárias provoca o enfraquecimento da rua do porto como espaço urbano de sociabilidade e concentrador de fluxos de pessoas; e, em outro

46 Em especial Cabral (2001), Barboza (1992), Loureiro (1983), Nogueira (2006), França (1999) e Ribeiro (1989).

84 momento histórico, o fortalecimento do transporte rodoviário faz emergir um espaço público de grande força no entorno de uma recém-construída estação rodoviária.

Nas próximas páginas pretendemos mostrar estas transformações urbanas, com o objetivo de entender quais características têm os espaços de encontro e de sociabilidade atualmente produzidos. Partimos do pressuposto de que, a partir do final dos anos 80 aproximadamente, Aracaju passará por transformações estruturais que, especialmente em função da migração de diversas atividades urbanas para fora das áreas centrais, irão re-significar o lugar do centro tradicional na estrutura da cidade47.

47

Este processo será abordado ao longo do capítulo 3, com uma análise mais detalhada destas transformações macroestruturais de Aracaju.

85