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OS ESPAÇOS PÚBLICOS FORTES NO CENTRO DE ARACAJU

B. Mercados municipais

Em paralelo aos espaços “elegantes” e representativos das praças do palácio e da catedral, descritos anteriormente, é edificado a partir da década de 20 o Mercado Modelo, batizado posteriormente com o nome de Antonio Franco, no extremo oposto da cidade, em direção ao Bairro Industrial, uma região mais “popular”. Apesar de ser um mercado de abastecimento, antes de ser um lugar para diversas classes sociais, em seu início ele toma contornos de um espaço também elitista, provavelmente por ser ainda novidade. Lima (2002, p. 96) menciona o jornal Gazeta do Povo que define o mercado como “centro de diversão da elegante família sergipana” e um depoimento pessoal, agora contemporâneo, de uma testemunha da época61

que o define como “um dos precursores dos shopping centers”, onde noites e tardes dançantes aconteciam “animadas por conjuntos de jazz-band”. Além disso, “durante a noite seus passeios, bonitos e bem claros, serviam de passarelas para o passeio das famílias sergipanas, que ali realizavam uma espécie de retreta”.

As condições para o surgimento de um espaço público “vivo” nessa região já surgem na década anterior, com a construção da estrada de ferro (inaugurada em 1914) vinda do interior e da estação ferroviária localizada no início da atual Avenida Coelho e Campos e nas proximidades do porto (figura 14). No entorno da pequena estação surge um ambiente de feira, pois a ferrovia passa a competir com o transporte fluvial na ligação entre a capital e o interior, trazendo produtos agrícolas para comercialização na capital.

Ate então, como vimos, o mercado público se localizava precariamente na Rua da Aurora. No bojo das medidas sanitaristas e de ordenamento do espaço urbano da década de 20 (espacialmente no mandato de Graccho Cardoso), visando ao desenvolvimento “sadio” e “civilizado” da cidade (Lima, 2002, p. 183), é determinada a construção de um local apropriado para o mercado de Aracaju. Aproveitando a proximidade com a estação e o porto, em 1924 são iniciadas as obras do Mercado Modelo de Aracaju (figuras 15 e 16) em frente ao novo prédio da Associação Comercial de Sergipe, mas por falta de recursos financeiros do governo provincial a obra é paralisada e só tem continuidade após empréstimo e arrendamento por parte do influente político Antonio do Prado Franco62. A inauguração se dá em 1926, inclusive com a colocação de uma torre central com um relógio de quatro faces (ao qual se seguiria um outro relógio no Jardim Olimpio Campos, como vimos anteriormente), até hoje um forte símbolo do mercado. Novamente nas palavras de uma testemunha da época:

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Ramos, Maria de Lourdes Barros. “Como eu vi o Mercado Thales Ferraz”. In: Jornal Extra. Aracaju, 10/05/2002, p. 8.

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Importante agricultor e chefe político, cujo nome foi dado ao mercado em 1948. Assim, só com a participação de recursos privados as obras do Mercado Antonio Franco puderam ser concluídas.

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“sob a torre do relógio funcionava um sofisticado café-bar, muito freqüentado (...). A maior atração do mercado era a torre do relógio, vista de praticamente qualquer ponto da cidade. Constituía a principal referência horária para os moradores locais, mesmo porque poucos eram os habitantes que possuíam relógio em suas casas”63

.

Figura 14: Localização atual dos Mercados Municipais Antonio Franco (1) e Thales Ferraz (2), e da antiga

estação ferroviária (3), onde se vê uma praça. Nas proximidades do antigo porto (4) foi edificado, em 1999, o novo Mercado Albano Franco.

Para fins de orientação, indicamos ao sul o conjunto das Praças Fausto Cardoso e Olimpio Campos (5). Entre os pontos 1 e 5, às margens do Rio Sergipe, localiza-se a antiga Rua da Aurora, hoje Av. Rio Branco.

Fonte: Google Earth, 2004, imagem reformada pelo autor.

Com o crescimento da cidade e desenvolvimento da feira, há a necessidade de ampliação do mercado, e assim é inaugurado em 1949 o novo Mercado Auxiliar Thales Ferraz. Mas, em 1950, uma nova estação ferroviária é construída no bairro Siqueira Campos, próximo às oficinas já existentes no bairro, acarretando na desativação gradativa da estação do mercado que, segundo Cabral (2001, p. 159) era um “enorme barracão, um pardieiro”. Por alguns anos poucos trens ainda vinham até o centro da cidade, até que finalmente este trecho da linha de trem foi desativado de forma definitiva e o velho “barracão” da estação foi demolido nos anos 70.

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Ramos, Maria de Lourdes Barros. “Como eu vi o Mercado Thales Ferraz”. In: Jornal Extra. Aracaju, 10/05/2002, p. 8, apud Lima (2002, p. 191). 3 1 2 5 4

115 Figura 15: Detalhe de maquete do centro da cidade dos anos 40. Mercado Antonio Franco (1) com a torre do

relógio, Mercado Thalez Ferraz (2) e antiga estação de trem (3). Foto do autor, 2007.

Figura 16: Mercado Antonio Franco (s/d).

É, portanto, a partir da década de 20 que a região dos mercados, conjugada com o transporte ferroviário e o porto, passa a apresentar uma dinâmica intensa de pessoas e mercadorias, tornando-se um dos espaços protagonistas da cidade. Já nos anos 40 e 50, o escritor e poeta Mário Cabral (2001)64 faz um relato da vida da cidade e assim descreve os mercados de Aracaju:

“A grande feira da cidade é realizada no Mercado Modelo nos dias de sábado,

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Em sua obra publicada em 1948, cuja 2ª edição é relançada em 1955 por ocasião dos festejos do centenário de fundação de Aracaju.

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domingo e segunda. É monstruosa, uma feira de proporções gigantescas (...) onde há fartura e variedade. (...) vem gente de longe para essa feira. Camponeses de Lagarto e de Itabaiana, da Atalaia e do Mosqueiro (...) Da rampa do mercado fica o Porto das Canoas. Canoas que chegam carregadas de frutas, carregadas de cereias, carregadas de gente para a grande feira semanal” (Cabral, op. cit., p. 89-90).

As atividades não se restringem aos dois prédios dos mercados, mas os feirantes se instalam também nas ruas adjacentes. Dentro e fora, são várias as feiras: existem os setores de carnes, peixes, queijos e requeijões, frutas e verduras, num outro setor estão pequenos restaurantes, adiante produtos de couro, tecidos, como redes, e a feira de panelas e cerâmica popular. Existem também os armazéns, lojas de fazenda, de quinquilharias como pulseiras, argolas, broches, anéis etc.

“Você verá as frutas da minha terra: os cajus, as graviolas, os melões, as mangabas, as melancias, as jaboticabas, as maçarandubas. Os caminhões de Lagarto e de Itabaiana trazem batatas e cebolas. Os praieiros trarão siris, peixes, aratus, camarões e caranguejos. (...) caminharemos pelas ruas do Mercado Modelo, ruas estreitas, formadas pelas pilhas e pelos sacos de cereais, ruas barulhentas e coloridas, ruas que evocam uma visão de cinema ou uma página de romance do médio oriente” (Cabral, op. cit., p. 90).

Nestas descrições ficam evidentes a condição de centralidade dos mercados e a intensa sociabilidade que eles abrigam. Qualquer mercado é sempre um lugar de encontro para diferentes tipos de pessoas, espaço para troca de idéias e informações. As trocas são especialmente sociais, não apenas comerciais:

“O barulho das conversas, dos pregões, do chiar dos fogareiros dos restaurantes, as cantigas dos cegos que pedem esmola, a voz de Marcelino Bitencourt recitando versos populares, os ajustes de preço, a reclamação da carestia e do cambio negro, as risadas, as pilhérias, os namoros, a exclamação de conhecidos que se encontram (...), artistas populares de Santo Amaro, de Riachuelo, de Itabaianinha, artistas que são os autênticos intérpretes da sensibilidade coletiva” (Cabral, op. cit., p. 90).

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