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2. A Cooperação Transfronteiriça no Noroeste Peninsular

2.4. O conceito de Fronteira e a Raia Ibérica

O conceito de fronteira relaciona-se de forma particular e direta com o processo de Cooperação. Este conceito evoluiu aos longos dos tempos baseado em diversas ambiguidades, no entanto, uma fronteira pressupõe um afastamento e uma dissemelhança entre partes (Caldeira, 2011: 12). Entenda-se que a dualidade da fronteira contém em si o enfase da separação mas também a experiência da vizinhança e da partilha. Com a evolução das sociedades ao longo das épocas, o conceito de fronteira acabou por evoluir também. As fronteiras físicas não foram sempre tal como as conhecemos, não são conceitos estáticos; sofreram alargamentos e minorações (atentando a que falamos em fronteiras criadas pelos seres humanos).

Se por um lado a fronteira implica um limite e uma separação, implica também um espaço de repartição de saberes e necessidades. É nestes espaços raianos que verificamos uma grande aptidão para mesclas culturais, de identidades e de solidariedades que vão além das autoridades nacionais (Cavaco apud Lima, 2012: 77).

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É possível afirmar que a fronteira possui um carácter dualista que é constantemente aproveitado pelo Homem em função da necessidade do momento. Entenda-se que as fronteiras são limites dos países a nível geográfico e territorial; em muitos casos e ao longo da Europa, as afinidades culturais permanecem além-fronteiras. As gentes da fronteira são muitas vezes obrigadas a conviverem com realidades difíceis que derivam do afastamento dos centros de poder a que estão sujeitas. O conceito que separa e diferencia, acaba também por unir; as gentes raianas têm tendência a ultrapassar os limites políticos e fiscais.

As fronteiras naturais são antes de mais, pioneiras na separação de territórios. Na antiguidade, as populações era separadas por limites naturais como serras ou rios, que condicionavam a vida dos povos até estas se tornarem transponíveis, pela evolução e necessidade do Homem. Muitas destas fronteiras criadas pela natureza foram aproveitadas pelos povos para delimitar grupos distintos entre regiões, funcionando como fator de enraizamento cultural e identitário entre populações. É neste momento que o conceito de fronteira se associa à separação que se articula com a questão da propriedade (Marchueta apud Caldeira, 2011: 14). Com o conceito de propriedade associado à necessidade de limites e separações, o conceito de fronteira foi usado em diversas áreas como na política e no direito para delimitação de territórios.

Segundo Jorge Caldeira (2011:14), na contemporaneidade, a fronteira tornou-se um conceito de interpretações diversificadas: ao longo do século XX e pensando em conflitos como as Grandes Guerras que modificaram a estrutura da Europa. Apesar das diferentes realidades e do facto de uma fronteira impor sempre um limite, podem existir outras noções do termo. Assim, existem duas formas diferenciadas de interpretar o termo “fronteira”: estruturalmente e conjunturalmente. As fronteiras de carácter estrutural relacionam-se com a designação interna de certos grupos ou com as separações naturais (fronteiras naturais). As fronteiras de carácter conjuntural são aquelas que se vão redesenhando e reinventando, tendo em conta o contexto em que se encontram (Marchueta apud Caldeira, 2011: 15). Estruturalmente podemos de falar de fronteiras culturais e civilizacionais, conjunturalmente falamos em fronteiras políticas, económicas, demográficas e marítimas. A realização da cooperação relaciona-se com o tipo de fronteira conjuntural pois está dependente da situação global e/ou regional. Atentando na fronteira luso-espanhola, destacamos a sua antiguidade e a sua dimensão. Esta fronteira caracteriza-se pela edificação de cidades fortificadas e por certas

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povoações que se encontravam afastadas dos polos de governo e de autoridade. Atualmente, no caso português, as zonas de fronteira possuem maioritariamente população idosa, com fracas acessibilidades e rodeadas de áreas rurais. Registe-se ainda que, qualquer área de fronteira era desprovida de peso político por se encontrar longe das elites políticas e dos centros de decisões (House apud Lima, 2012: 78). Na atualidade, o panorama fronteiriço é diferente; apesar das características se manterem iguais em muitos casos, a integração europeia e a política regional mudaram a forma de observar estas áreas, tornando-as estratégicas e fundamentais em situações de desenvolvimento económico e social. No caso luso-galaico, assim que Portugal e Espanha ingressaram na CEE, as duas regiões tornaram-se prioritárias devido ao seu caracter periférico e pouco desenvolvido. Nesta perspetiva, um dos principais objetivos da Cooperação Transfronteiriça passa por desenvolver precisamente as áreas de fronteira de forma a diminuir as dificuldades relacionadas com o isolamento dessas mesmas áreas. No caso de Portugal e Espanha, a periferia relativamente ao resto dos países da Europa, as suas áreas raianas tornaram-se prioritárias para as ações de desenvolvimento e coesão. Consequentemente, a fronteira luso-galaica possui um carácter de área marginal tornando-se imperativa a sua evolução económica e social (Dominguez Castro, 2008: 129).

Se por um lado a fronteira entre ambos os países ibéricos é um território com dificuldades, por outro lado, a tendência é tornarem-se locais estratégicos nas relações com outras realidades supranacionais. São locais onde é imperativo fomentar o emprego e implementar políticas de desenvolvimento; assumem um papel de estímulo para a União Europeia poder colmatar as diferenças existentes nas diversas regiões (Lima, 2012: 78). A fronteira luso espanhola, segundo Filipe Lima (2012: 78), possui uma relação reforçada para a qual contribuíram as ordens religiosas. Já no séc. XIV e XV existiam ligações de cumplicidade e trocas comerciais entre clérigos de Santiago de Compostela e Ponte de Lima (apesar da fronteira no rio Minho ter surgido no século XII quando Portugal se emancipou relativamente à coroa de Castela). Mais recentemente, o estatuto das fronteiras relaciona-se com os regimes políticos a que ambos os países estiveram sujeitos: estados autoritários que acabaram por dificultar as relações políticas e transfronteiriças. Apesar de ser possível falar num isolamento entre Portugal e Espanha, se analisarmos detalhadamente, verifica-se que as relações entre as povoações junto às fronteiras nunca pararam (como pequenas trocas comerciais, solidariedades

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políticas e contrabando). Com o fim dos regimes ditatoriais e mais tardiamente com a entrada conjunta de ambos países na CEE, a forma de olhar para a fronteira modificou- se (o Tratado de Schengen, com a livre circulação de pessoas, bens e serviços, foi um dos grandes impulsionadores do aproveitamento das fronteiras).

Considerando a figura 6, é possível verificar quais as NUTS III que fazem parte da raia ibérica. No total, são 17 NUTS fronteiriças (10 respeitantes a Portugal e 7 pertencentes a Espanha). A fronteira luso-espanhola possui 1232 km de extensão e é uma das mais antigas de toda a Europa (Miranda Pires, Pimentel. s.d: 5). A raia ibérica foi definida no tratado de Alcanizes em 1297 sem grandes alterações durante setecentos anos. Devido aos conflitos constantes ocorridos durante a Idade Média, os povos junto à raia fortificaram os territórios de forma a proteger os seus interesses. Um dos melhores períodos da raia foi precisamente este; mais tarde o êxodo rural e a atração pelas grandes cidades assim como as vagas migratórias diminuíram as dinâmicas económicas e populacionais transformando esta fronteira na fronteira do subdesenvolvimento (Pintado e Barrenechea apud Miranda Pires e Pimentel, s.d: 5). O conjunto da população das NUTS de fronteiras acima retratadas, não correspondia em 2001 a mais que 10,6% dos habitantes da Península Ibérica (Ribeiro e Silva, 2012: 158).

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Em Portugal as regiões fronteiriças demarcam-se pela demora no desenvolvimento económico e social, pelos fracos acessos e pelo êxodo populacional. A principal razão para esta situação real foi a preocupação com a faixa litoral do país que acentuou as diferenças entre territórios. As regiões interiores raianas portuguesas são deficitárias em diferentes níveis: redução de serviços ao longo do tempo, isolamento, indústrias tradicionais e arcaicas com grande ligação à agricultura (Cavaco apud Pires e Pimentel, s.d: 6). Não obstante, nos anos 70 e 80 observou-se um crescimento no sector dos serviços públicos que se relacionavam com a educação, saúde e administração local. Um dos principais problemas dos poderes locais que ainda hoje preocupa as autarquias do interior, é a criação de um espaço citadino que possa atrair as populações e que evite a sua saída para as grandes cidades ou para o exterior. Acontece que a tarefa não é fácil; os municípios e as autoridades competentes possuem poucos recursos para criar ambientes interessantes que promovam o emprego e que consigam fixar jovens casais. Estas dificuldades acabam por atrair outras; se não é fácil a fixação da população jovem, torna-se mais difícil conseguir atrair investimentos sem mão-de-obra qualificada. Desta forma, as economias locais do interior permanecem frágeis e vulneráveis quando comparadas com outras situações. Segundo Pires e Pimentel (s.d:6), esta posição acaba por revelar-se um ciclo vicioso que dificulta a ação de desenvolvimento e a própria reorganização económica destes locais.

Em 2001, a região Norte possuía mais de metade da população fronteiriça (51,5%). A restante população raiana dividia-se da seguinte forma: 39,9% no Algarve e Alentejo e por fim, a Beira interior representava 9,2% (Pires e Pimentel, s.d: 8). Atentado no quadro 3 que possui dados sobre as NUTS III que fazem fronteira com a vizinha Espanha, as regiões fronteiriças possuem 21,4% da população nacional continental. Verificando os dados de 2001, reparamos que o território raiano português sofreu um acréscimo populacional comparativamente a 1991, rondando um aumento de 2,1%. Este aumento deve-se, segundo Pires e Pimentel (s.d: 9) às NUTS do Cávado e do Algarve em que o aumento rondou os 11,3% e os 15,8%, respetivamente. Sem ambas regiões, a raia portuguesa teria perdido 3,6% dos habitantes; é nestas áreas raianas que se encontram os concelhos com mais população. Importa destacar que nas demais NUTS existe ainda um aumento populacional entre 1991 e 2001 nos locais onde estão centros urbanos como Castelo Branco e Guarda, Évora, Vila Real, Chaves, Mirandela e Bragança. Os quatro últimos concelhos citados pertencem à região Norte e apesar de

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serem consideradas pequenas cidades comparadas com a escala Europeia, funcionam como um suporte às zonas isoladas oferecendo uma melhoria nas redes de acessos e com a presença de Universidades como a Universidade do Minho, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade da Beira Interior e Universidade do Algarve.

Quadro 5 – Indicadores demográficos das regiões fronteiriças (Pires e Pimentel, s.d:8)