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4 FEMINICÍDIO

4.1 CONCEITO E LEGISLAÇÃO

A lei 13.104/2015, introduziu no Código Penal, em seu art. 121, o inciso VI, que se remete ao homicídio simples quando cometido contra a mulher pelo simples fato desta ser do sexo feminino, ou seja, pela razão de gênero, sendo portanto, uma qualificadora do crime de homicídio.

Feminicídio [...]

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

§ 2°-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Aumento de pena

[...] § 7° A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima (BRASIL, Lei 13104, 2018).

Portanto esta Lei torna o feminicídio uma qualificadora do crime de homicídio quando detectadas as causas supramencionadas. Depreende-se desta forma que para se configurar o feminicídio deve o infrator ceifar a vida de mulher, dolosamente, e a motivação de tal conduta é a mera condição de sexo feminino.

Dito isto, é interessante ainda, destacar o significado do termo feminicídio, que é ressaltado pela feminista e deputada federal mexicana, Marcela Lagarde, que propõe o uso da palavra, ‘feminicídio’ usando-a para denominar o “conjunto de delitos de lesa humanidade que contém os crimes e os desaparecimentos de mulheres”. Ainda, Lagarde utiliza tal definição para apontar que de maneira criminal, concorrem o silêncio, a omissão, a negligência e a

conveniência de autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses crimes (PASINATO, 2011).

Entretanto, ainda que seu propósito seja o de revelar a impunidade penal como motivo de perpetuação da violência contra as mulheres, mesmo assim, a partir dessa formulação percebe-se que alguns estudos fazem uso indistinto desses vocábulos, ou seja, usam feminicídio e femicídio sem se preocupar com as diferenças (PASINATO, 2011).

Sobre esse aspecto enfatiza Mello (2020) que a reflexão realizada na Sociologia e na Antropologia em torno ao conceito de feminicídio não converge para um conceito unívoco de feminicídio, na medida em que esclarece a autora:

A conceitualização se move entre a ideia de que feminicídio se caracteriza como diversas formas de “assassinato” de mulheres que ocorrem no âmbito de uma sociedade patriarcal e a ideia de que outras formas de violência que não culminem com a morte também podem integrar o conceito, ressaltando que o surgimento de uma dupla nomenclatura “feminicídio” e “femicídio” são indicativas dessas dificuldades conceituais.

Todavia, neste contexto, relevante se faz destacar o entendimento de Cunha (2015) que entende que: Matar mulher, na unidade doméstica e familiar (ou em qualquer ambiente ou relação), sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher é FEMICÍDIO. Se a conduta do agente é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aí sim é FEMINICÍDIO.

Conforme Medeiros (2017) o conceito de feminicídio encontrou antecedente direto na expressão de língua inglesa femicide, que foi desenvolvida na área de estudos de gênero e sociologia por Diana Russell e Jane Caputi (escritoras e ativistas feministas), no início da década de 1990. As referidas autoras entendem femicide como o extremo do continuum de terror antifeminino, que inclui grande variedade de abusos verbais e físicos.

A partir dessa consideração adentra-se a questão em comento, sob o enfoque da Lei do feminicídion° 13.104 de 9 de março de 2015, que caracteriza esse ato como crime de homicídio praticado em razão da condição de sexo feminino, envolvendo violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher (MEDEIROS, 2017).

Portanto, foi com a publicação da Lei 13.104 de 9 de março de 2015 que alterou a artigo 121 do Código Penal brasileiro, e que passou a prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Nesse mesmo norte, também foi incluído no rol de crimes hediondos (SARAIVA, 2020).

Neste diapasão evidencia-se que a Lei do feminicídio representou um marco importante

no ordenamento jurídico brasileiro ao dar visibilidade à violência de gênero, e caracterizar a violência contra mulheres como um delito específico. Ao mesmo tempo contribuiu ao lado da

Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), para que a violência de gênero deixasse de ser vista como um crime comum e com penas atenuantes, como nos casos de crimes passionais ou contra a honra, passando então a ser visto como um crime especialmente tipificado (VELLOSO; FIGUEIREDO; CRIVILIN, 2019).

Também salientam, nesse sentido, Messias, Carmo e Almeida (2020) que:

A norma vai adiante e também qualifica o homicídio praticado no cenário de violência doméstica e familiar, determinando a incidência da qualificadora de forma objetiva e clara, fazendo com que um homicídio praticado no contexto de violência doméstica e familiar, que anteriormente poderia ser taxado como um homicídio simples, caso não se enquadrasse em nenhuma das qualificadoras, agora seja, de forma objetiva, reconhecido como homicídio qualificado, pelo fato de ter sido cometido nesse cenário.

A caracterização límpida da qualificadora é importante para garantir maior segurança em sua aplicação, trazendo mais certeza na punição mais rigorosa ao criminoso e, por esse motivo, faz-se necessária e coerente (MESSIAS et al, 2020).

Entretanto, ressalta Velloso (2019):

Apesar dos avanços legais, nada indica que o maior rigor penal tenha contribuído para uma diminuição efetiva nos casos de violência contra a mulher. Pelo contrário, temos assistido nos últimos anos a um perturbador aumento nas taxas de feminicídios e atos de violência de gênero no país.

Infelizmente o aumento nas taxas de feminicídios são uma triste evidência atual no país, e revela que mesmo com um maior rigor penal, os números não pararam de crescer, como bem pode ser observado no atlas da violência 2019, que aponta que a taxa de homicídios de mulheres no ambiente doméstico cresceu 27,6% entre 2007 e 2017, indicando um claro aumento no número de feminicídios (VELLOSO, 2019). Estudos realizados neste sentido mostram que risco de mortalidade das mulheres expostas à violência vem aumentando de forma contínua e que de 2011 a 2013, foram registradas 2.036 mortes de mulheres vítimas de violência, seja por assassinato, doenças ou outros eventos relacionados à exposição aos episódios violentos. De 2014 a 2016, foram 5.118 mortes (VELLOSO, 2019).

Interessante avistar a sociedade penalizante e policialesca como a que se apresenta, onde os poderes Legislativo e Executivo depositam grande confiança no Direito Penal como política pública, passando para a sociedade a falsa impressão de enfrentamento do problema. Entretanto, Estudos de criminologia demonstram que o Direito Penal não é por si só capaz de coibir a prática de ilícitos. Pois para se verificar uma redução automática dos problemas de violência e morte de mulheres, apenas a imputação de uma pena maior ao agressor, não tem se mostrado eficiente (VELLOSO).

Assim, faz-se imprescindível encontrar meios e instrumentos que ultrapassem o campo do Direito Penal e que demandem abordagens mais abrangentes, a fim de concretamente diminuir os casos de violência e morte de mulheres.