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Feminicídio: uma análise da efetividade das políticas públicas no combate à violência e morte de mulheres frente à qualificadora do feminicídio

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Academic year: 2021

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FERNANDA GONÇALVES DE SOUZA FARIA

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA E MORTE DE MULHERES FRENTE À

QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO

Florianópolis 2020

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FERNANDA GONÇALVES DE SOUZA FARIA

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA E MORTE DE MULHERES FRENTE À

QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Janaina Carvalho de Souza, Esp.

Florianópolis 2020

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FERNANDA GONÇALVES DE SOUZA FARIA

FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA E MORTE DE MULHERES FRENTE À

QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Nome do Professor, titulação

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Feminicídio: uma análise da efetividade das políticas públicas no combate à violência e morte de mulheres frente à qualificadora do feminicídio

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 10 de dezembro de 2020.

____________________________________ NOME ALUNO

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Dedico este trabalho ao meu marido e às minhas filhas, que foram os motivadores para que fosse possível vivenciar esse momento engrandecedor em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela força que vive em mim e que tornou possível essa conquista.

Agradeço ao meu marido pela inspiração, incentivo e apoio imensuráveis.

Agradeço às minhas filhas pela motivação e sabedoria em lidar com minha ausência. Agradeço à minha mãe e meus irmãos pelo apoio e incentivo depositados.

Agradeço a todo o corpo docente que tive ao longo do curso, que contribuíram para a minha formação acadêmica.

Agradeço em especial a minha professora orientadora Janaína Carvalho de Souza, por aceitar e conduzir esse trabalho de forma tranquila, pelo relacionamento amigável e cordial e sobretudo pelos ensinamentos repassados ao longo de minha formação acadêmica.

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“Temos o direito a ser iguais quando nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando nossa igualdade nos descaracteriza” (Boaventura de Souza Santos).

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é demonstrar o surgimento alarmante de violência e morte de mulheres no Estado de Santa Catarina, examinar quanto à efetividade das políticas públicas no combate à violência e morte de mulheres e verificar se a qualificadora do feminicídio propiciou a redução de morte de mulheres nesse Estado. Por conseguinte, para a realização deste trabalho foi utilizada pesquisa bibliográfica, com foco no tema do feminicídio, abarcando desde os principais aspetos históricos e sociais que envolve a violência e morte de mulheres, as políticas públicas disponíveis e a efetividade da mudança legislativa para o combate da violência e morte de mulheres nessa unidade de Federação. À vista disso, o método de abordagem é de pensamento dedutivo, partindo dos aspectos históricos relacionados a sociedade patriarcal onde se desenvolve a atuação da mulher, que se encontra em uma posição de inferiorização e subordinação, após adentra-se na questão da violência contra a mulher, e por fim no alarmante número de casos de feminicídio no Estado de Santa Catarina. O método de procedimento é monográfico, com técnica de pesquisa bibliográfica com base em legislações, artigos, doutrinas, e dados de mulheres vítimas de feminicídio no Estado de Santa Catarina. Com este estudo foi possível ampliar o conhecimento acerca do desenvolvimento da desigualdade de gênero, das lutas feministas para o alcance de direitos igualitários entre homens e mulheres, sobre a importância da instituição de Leis voltadas à violência e morte de mulheres bem como a efetividade das políticas públicas e a alteração legislativa para o enfrentamento da violência e morte de mulheres.

Palavras-Chave: Violência à Mulher 1. Políticas Públicas 2. Feminicídio em Santa Catarina 3

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NA SOCIEDADE ... 11

2.1 A ATUAÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO... 16

2.2 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E SUAS MÚLTIPLAS FORMAS ... 19

2.3 A LUTA POR DIREITOS CIVIS NO ÂMBITO DOS DIREITOS HUMANOS ... 22

2.4 MARCOS JURÍDICOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS E A RELAÇÃO COM OS AVANÇOS NOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES ... 24

3 VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES ... 29

3.1 TIPOS DE VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERRES ... 30

3.1.1 Violência doméstica ou familiar ... 32

3.2 CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO ... 34

3.3 MEDIDAS PROTETIVAS ... 36

3.3.1 Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor ... 40

3.3.2 Das medidas protetivas de urgência à ofendida ... 43

4 FEMINICÍDIO ... 45

4.1 CONCEITO E LEGISLAÇÃO ... 45

4.2 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO DO FEMINICÍDIO ... 48

4.3 MULHERES VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO NO ESTADO DE SANTA CATARINA 48 4.4 DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA ... 50

4.5 EFETIVIDADE DA MUDANÇA LEGISLATIVA PARA O COMBATE À VIOLÊNCIA E MORTE DE MULHERES ... 54

5 CONCLUSÃO ... 59

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de esclarecer sobre o alarmante número de casos de feminicídio no Estado de Santa Catarina. Nesse sentido, a motivação decorreu da incerta compreensão sobre as questões relativas à igualdade de gênero, à violência doméstica, e, consequentemente ao aumento no número de casos do referido crime.

Nessa perspectiva a pesquisa visa examinar o crescente e alarmante número de casos de feminicídio em nosso Estado, ao passo que se mostra imprescindível a compreensão sobre tais razões. Assim, será apresentado os importantes aspectos históricos e socioculturais que levaram à construção de comportamentos discriminatórios e violentos com os quais nos deparamos atualmente e que geram situações de violência e morte de mulheres. À vista disso, pretende-se compreender a efetividade que a nova qualificadora do feminicídio, inserida em nosso ordenamento jurídico, proporciona no combate da violência e morte de mulheres.

Nesse contexto, para que o trabalho alcançasse a finalidade pretendida, foi utilizado o método de abordagem de pensamento dedutivo, pois inicia-se com a investigação história que deu origem a formação da sociedade que discrimina e inferioriza a mulher ao impor determinados papéis de gênero, até alcançar a situação na sociedade atual que reflete as circunstâncias vividas. Para isso se verificará a efetividade que a mudança legislativa trouxe para o combate da violência e morte de mulheres. O método de procedimento é monográfico, com técnica de pesquisa bibliográfica baseada em textos de diferentes autores, bem como de livros, artigos, periódicos, legislações e meios eletrônicos (sites jurídicos) onde se situam os conceitos e entendimentos sobre o assunto. A natureza da pesquisa é qualitativa.

A presente monografia divide-se em três capítulos teóricos que apresentam os momentos marcantes, as determinações e o desenvolvimento da problemática em estudo.

O primeiro capítulo tem o objetivo de expor a afirmação do poder dos homens sobre as mulheres ao longo da história, que por sua vez produz a desigualdade entre homens e mulheres transformando-as em sujeitos de exploração e subordinação, desencadeando a opressão e violência vivenciada por elas. Ainda o referido capítulo contextualiza a evolução da mulher no meio social, as suas lutas travadas no decorrer de décadas passadas até os tempos atuais e os avanços e as conquistas legais que a legitimam como sujeito de direitos no ordenamento jurídico brasileiro.

O segundo capítulo abordará as violências sofridas pelas mulheres de forma a comtemplar os tipos de violências definidos nas leis vigentes, em especial na Lei Maria da Penha e na Lei do feminicídio. Será apresentada a definição da violência contra a mulher trazida

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pela Convenção de Belém do Pará (1994) e que constitui-se em questão relevante na agenda pública mundial, pois, cada vez mais, a violência contra a mulher deixa de ser um problema de âmbito privado e se torna uma questão pública, conforme expresso nesta convenção. Já, em seguida, será enfatizado sobre a condição do sexo feminino como aspecto que define a prática delituosa, e na sequência se tratará das medidas protetivas para o combate à violência e morte de mulheres.

O terceiro capítulo tem por enfoque apresentar o crime de feminicídio. Pois este tipo penal é uma qualificadora do crime de homicídio que está estabelecido no art. 121 § 2º do Código Penal e implementado pela Lei do Feminicídio 13.104/2015. Por conseguinte, serão apresentados os sujeitos ativo e passivo do crime, as mulheres vítimas de feminicídio no Estado de Santa Catarina e os dados da violência nessa unidade da Federação. À guisa de finalização do referido capítulo se verá a respeito da efetividade da mudança legislativa para o combate à violência e morte de mulheres.

Ao final, será apresentada a conclusão desta monografia auferida da pesquisa e do desenvolvimento realizado e consubstanciados neste estudo, com a compreensão da temática na ótica da pesquisadora. Em seguida, encontram-se as referências utilizadas como alicerces que fundamentam a construção do presente trabalho monográfico.

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2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA MULHER NA SOCIEDADE

O presente capítulo, tem por objetivo apresentar panoramas históricos relacionados ao desenvolvimento da mulher na sociedade, que determinam a função da mulher na esfera privada e na esfera pública, bem como as experiências e dificuldades vivenciadas por elas e que marcaram a sua trajetória na sociedade.

Na era primitiva, no início da civilização, dava-se início ao molde de homem como macho protetor e provedor. Essa época marcou o início da sociedade patriarcal, onde o homem exercia sobre a mulher e a família o seu poder de superioridade (MUNIZ; FORTUNATO, 2018).

Nesse período da história era claro o papel desempenhado pelo homem e o desempenhado pela mulher, sendo que os homens usavam a força física, visando à sobrevivência e à defesa da comunidade e as mulheres era destinado tão somente a criação dos filhos e as atividades domésticas, visto que eram consideradas como membros menos importante do grupo (MUNIZ; FORTUNATO, 2018).

No século XVIII, com o surgimento de ideias iluministas, emergiram alguns questionamentos sobre exclusão das mulheres enquanto cidadãs, visto que tinham as mesmas capacidades morais e de raciocínio que os homens. Tal ideia foi bastante moderna para a época, porém, esta ideia não foi aceita pela maioria dos “homens das luzes”, assim denominados os filósofos e escritores, pois consideravam a mulher ideal aquela que era modesta, silenciosa, tradicional, casta, subserviente, vindo a condenar mulheres independentes e poderosas (MUNIZ; FORTUNATO, 2018).

Também, a dominação dos homens sobre as mulheres é exercida de forma contínua, para que essas se conscientizem e aceitem a divisão do trabalho que executam, bem como tenham ciência de sua função na sociedade, assim tendo percepção de como deve ser o seu comportamento, o que acabam acatando, de forma inconsciente, fazendo com que tais atitudes sejam fomentadas de forma habitual pela família e após por toda a sociedade (MUNIZ; FORTUNATO, 2018).

Nesse processo de evolução histórica, a mulher foi dirigida a subordinação ao sexo masculino, e na visão social era vista apenas como um meio de procriação, e de zelo ao lar. Essa visão, acorrentou culturalmente a mulher, moldando-lhe sua existência. A figura feminina foi também associada à ideia de uma fragilidade maior que a colocasse em uma situação de total dependência da figura masculina, seja do pai, do irmão, ou do marido, dando origem aos moldes de uma cultura patriarcal e machista (GARCIA, 2009).

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A partir do século XX, período em que ocorreram as grandes Guerras Mundiais e já ao seu término, é que sua evolução começou a ganhar espaço e visibilidade na esfera social, na medida em que surgem outros espaços para as mulheres, sendo notadamente as lutas feministas ocorridas por volta dos anos 40, que se deram os primeiros passos para as conquistas de direitos e igualdades. Hodiernamente, essas lutas são debatidas e conquistadas por meio de um processo gradativo, pois a cada dia mais, as mulheres reclamam para si o que lhes é de direito, Entretanto, essas lutas feministas ainda não atingiram um patamar considerável, visto que a questão de gênero feminino ainda passa por grandes reprovações, pelo fato de ainda existir reflexos de uma sociedade que insiste em demonstrar a força do seu patriarcado. (GARCIA, 2009). “O patriarcado é uma forma de organização social onde suas relações são regidas por dois princípios basilares: as mulheres são hierarquicamente subordinadas aos homens, e os jovens estão subordinados hierarquicamente aos homens mais velhos, patriarcas da comunidade Scott (1995 apud GARCIA, 2009).

Nota-se que tal hierarquia não se confunde com aquela exercida pelos pais no poder imposto para com os filhos, mas ao poder predominantemente masculino que a sociedade impõe a todos os indivíduos. Todavia, as grandes lutas travadas pelas mulheres ainda em momentos históricos anteriores, a época do Brasil Colônia (1500-1822), foram lutas que tiveram a finalidade de suprir as necessidades que as mulheres confrontavam, que eram: o direito à vida política, direito ao divórcio e o livre acesso ao mercado de trabalho (TEIXEIRA, 2009).

No período compreendido entre os anos de 1822 e 1889, as mulheres tiveram reconhecido, finalmente, o direito à educação. Este quadro começou a mudar com o surgimento da figura de Nísia Floresta, que foi a primeira feminista brasileira e a primeira educadora do País a defender o direito à educação científica para as meninas. Notadamente, Nísia, exerceu importante papel para que as mulheres tivessem reconhecido os seus direitos à educação, haja vista ser uma pioneira na luta pela alfabetização das meninas e jovens. Nesse período, a escolarização propiciava o surgimento das primeiras iniciativas em defesa do voto feminino no Brasil, que surgem por volta de 1850. Também, atribui visibilidade social às mulheres, na medida em que, primeiramente, as meninas saem de casa para frequentar as escolas primárias, em seguida, são as mulheres que o fazem para dar continuidade à formação das crianças, por meio do exercício do magistério(PAIVA, 2018).

Entretanto, no que tange aos direitos políticos, persiste o fato de que este ainda era algo distante da realidade das mulheres. Apesar de a conexão não ser tão estreita, existe uma relação entre a história das lutas das mulheres e os processos de mudanças econômicas e sociais que ocorreram no Brasil. Indubitavelmente, o passado do movimento de mulheres não pode ser

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estudado no vácuo. As conquistas foram parciais e progressivas. Mesmo conquistando pequenas vitórias, essas foram se tornando cada vez mais expressivas no tempo e as dificuldades não impossibilitaram uma evolução crescente. Durante o período colonial, as mulheres brasileiras, encararam as condições adversas da vida e foram vítimas dos estereótipos da Igreja Católica. As mulheres negras eram escravas e, portanto, não gozavam dos direitos de cidadania, e as demais, mesmo usufruindo liberdade eram cidadãs de segunda classe, pois não podiam votar e tinham rigorosas restrições quanto ao acesso à escola e ao trabalho fora do lar (ALVES, 2009).

No período da República Velha, estabelecido entre 1889 a 1930, as mulheres tiveram iniciada a sua vida social, quando alcançaram um grande avanço, ao entrarem no mercado de trabalho, na elaboração de materiais, especificamente para a indústria têxtil (FAHS, 2018).

Em fins do século XIX, as mulheres brasileiras incorporadas à produção social representavam uma parte significativa da força de trabalho empregada, ocupavam de forma cada vez mais crescente o trabalho na indústria, chegando a constituir a maioria da mão-de-obra empregada na indústria têxtil. Influenciadas pelas ideias anarquistas e socialistas trazidas pelos trabalhadores imigrantes espanhóis e italianos, já se podiam encontrar algumas mulheres incorporadas às lutas sindicais na defesa de melhores salários e condições de higiene e saúde no trabalho, além do combate às discriminações e abusos a que estavam submetidas por sua condição de gênero. Costa (2005 apud GREGORI, 2017, p.11).

Também, nessa seara de lutas, o século XX é marcado novamente pelas mobilizações femininas, onde retoma-se a luta pelo direito de voto, iniciada anteriormente à Constituinte de 1891, o que perdurou e alcançou a década de 1910 a 1920. No início desse mesmo século as feministas, que se organizavam em feministas socialistas, anarquistas e liberais, integraram tais organizações feministas em vários países da América Latina, onde pelas ideologias que defendiam, autodenominavam-se feministas, desta maneira, debatiam e propagavam os direitos da mulher, utilizando-se de espaços de grande visibilidade e circulação de ideias, como congressos, inclusive os de caráter internacional, que também eram denominados feministas, e tinham como participantes muitas mulheres daquela época. Costa (2005 apud GREGORI, 2017).

Muitas dessas organizações, aqui no Brasil, também tiveram expressividade, haja vista seu caráter ativo, que na década de 1920, mobilizou uma quantidade significativa de mulheres, dando origem ao Sufragismo, movimento de luta pelo voto das mulheres, assim, tornando-se uma expressão política organizada. Desta maneira, no início do século XX a luta sufragista ganha maiores proporções, em muitos países latinoamericanos, conduzido pelas mulheres de

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classe alta e média, sendo que através de uma ação direta junto aos aparelhos legislativos, logo conquistam o direito ao voto” Costa (2005 Apud GREGORI, 2017, p.12).

Conforme Bandeira e Melo (2010) O Estado do Rio Grande do Norte, no ano de 1927, se tornou o primeiro estado brasileiro a consentir que as mulheres votassem nas eleições, entretanto, a Comissão de Poderes do Senado anulou esses votos. As pesquisadoras salientam que há diversos indícios que sinalizam a tentativa de mulheres de se alistarem para as eleições de 1928 em diversos lugares do Brasil, mas os registros históricos destes intentos são escassos. Bandeira e Melo (2010 apud GREGORI, 2017).

No ano de 1929, com a candidatura de oposição de Getúlio Vargas e João Pessoa à Presidência da República do Brasil, muitas mulheres se juntaram e formaram grupos em diversos lugares, com o objetivo de apoiar a eleição de Vargas para a Presidência e assim difundir ideais liberais. Rabay e Carvalho (2011 apud GREGORI, 2017).

Entre os anos de 1930 e 1945, as mulheres entraram no contexto político, fato que ocorreu com a ampliação da democracia, que por sua vez, levou a conquista do direito do sufrágio universal, possibilitando o direito das mulheres de elegerem e de serem eleitas bem como ao voto secreto. No entanto a conquista efetiva desse feito, só seria plena na Constituição de 1946. Tendo como resultado desta grande luta, o nome de Carlota Pereira Queirós que foi eleita como a primeira Deputada Federal brasileira e integrante da assembleia constituinte dos anos seguintes, como também Antonieta de Barros, elegendo-se a primeira Deputada Estadual do Estado de Santa Catarina e a primeira Deputada negra do Brasil (FAHS, 2018) (MEMÓRIA POLÍTICA DE SANTA CATARINA, 2019).

Ao que tudo indica, só a determinação das mulheres interessadas em registrar as dificuldades enfrentadas pelo sexo feminino para o alcance dos direitos civis e políticos é que transporta para os escritos históricos a presença das mulheres, sejam brancas ou negras como personagens ocultas no palco da disputa política da sociedade. Porém esses direitos civis e políticos, tanto quanto o acesso as mulheres à plenitude cívica foram conquistas graduais. Só em 1962 as mulheres casadas, que eram consideradas relativamente incapazes e necessitavam de autorização do marido para exercer os mais elementares direitos, tais como o direito ao trabalho e o de pleitear algo na justiça, conseguiram a mudança através da Lei 4.121 de 27 de agosto de 1962, mas a plenitude da cidadania feminina só foi conquistada em 1988 ( PITANGUY, 2018).

Nos anos 1980 o movimento de mulheres no Brasil era uma força política e social consolidada. As ideias feministas difundiram-se no cenário social do país. E nessa onda, houve um grande engajamento e penetração do movimento feminista em associações profissionais,

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partidos e sindicatos, legitimando a mulher como sujeito social particular. Nesse contexto merece destaque, a criação do primeiro conselho Estadual da Condição Feminina, que tinha como propósito a elaboração de políticas públicas para a eliminação da discriminação das mulheres na esfera social. Posteriormente, em 1985 foi criada a primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, que era destinada ao combate a violência contra as mulheres, sendo que ambos os órgãos foram instalados no estado de São Paulo (SARTI, 2004).

Nos anos de 1990, o feminismo segue seu curso e se dissemina cada vez mais, ganhando mais forças com a popularização posterior da internet, nessa via, também há a criação de diversas ONGs que auxiliam no diálogo com o poder público. Em 2003, vale destacar, as mudanças e conquistas da mulher no governo Lula. Em meio a muitos entraves, dificuldades estruturais e orçamentárias, o então presidente Lula, criou a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), por meio da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, fundada com a missão de erradicar todas as formas de desigualdade que atingem as mulheres, das quais as populações ditas “vulneráveis” fazem parte. Ainda assim, a competência desta secretaria foi definida por uma Lei posterior que a transformou em Ministério. Com isso os propósitos dessa política se tornaram ações voltadas a dirimir as violências ocorridas contra o sexo feminino, foi fornecido um canal de comunicação destinado a denúncias por via telefônica, precisando apenas discar o número 180 (PONTES; DAMASCENO, 2017).

No ano 2006, foi dado mais um passo importante no combate à violência sofrida pelas mulheres, se tornando um novo marco na história, bem como, um avanço na luta por uma vida digna das mulheres. Foi sancionada a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que está em vigência desde 22 de setembro de 2006, e que, instaurou, no cenário político e jurídico nacional, mecanismos para coibir e prevenir a violência contra as mulheres em situação familiar e em relações afetivas, em todas as suas expressões e em qualquer contexto socioeconômico (PONTES; DAMASCENO, 2017).

Ainda, com a promulgação da referida lei e devido a um número ainda grande, de mulheres violentadas, e até mesmo assassinadas, o legislador no ano de 2015 sancionou a Lei 13.104/2015, a lei do feminicídio, que foi introduzida no Código Penal Brasileiro como uma qualificadora do crime de homicídio: os casos em que a mulher é assassinada em decorrência do gênero, seja por discriminação e menosprezo do sexo feminino ou, em consequência de violência doméstica ou familiar (PONTES; DAMASCENO, 2017).

Vê-se que a trajetória da mulher, ao longo de sua história na sociedade, passa por uma série de dificuldades. O marco de cada acontecimento é o resultado de sua força e persistência na busca de igualdades civis, econômicas, sociais e intelectuais. A mulher passou e continua

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passando por grandes transformações para consagrar o seu lugar na sociedade. A batalha ainda não acabou, pois, muitas lutas ainda precisarão ser travadas para combater a desigualdade de gênero que assola nosso País. Nessa esteira de acontecimentos, o processo histórico da mulher mostra que essa grande disparidade é reflexo de uma sociedade culturalmente machista e enraizada no patriarcalismo. Todavia, muitas mudanças já ocorreram e o importante é o fortalecimento dos direitos tão duramente conquistados, a fim de que se evite retrocessos que possam trazer de volta a vivência de dias tão difíceis e tristes. Ainda assim, o caminho é de conquistas, a luta das mulheres possui uma dupla direção: evitar retrocessos e conquistar avanços (PONTES; DAMASCENO, 2017).

2.1 A ATUAÇÃO DA MULHER NO MERCADO DE TRABALHO

Historicamente as mulheres sempre exerceram seu trabalho, ainda que não remunerado, pois a elas era reservado a coleta de frutos, evoluindo, mais tarde, para a cultura da terra. Também na antiguidade era confiado à mulher a produção das vestimentas, sendo então responsáveis por tosquiar as ovelhas, tecer a lã, e ainda trabalhar na ceifa do trigo e preparo do pão. No entanto, com a grande demanda nas atividades têxteis, e como a mão de obra feminina era mais barata, as mulheres começaram a adentrar no mercado de trabalho, apesar da exploração da mão de obra ser nítida e muito desvalorizada pecuniariamente (BARROS, 2016, p.704).

Barros (2016) salienta que:

No Renascimento, as mulheres foram perdendo várias atividades que lhes pertenciam, como o trabalho com a seda, com materiais preciosos, com a cerveja e com as velas, e se confinaram entre as paredes domésticas, entregues ao trabalho a domicílio, que surge nos primórdios do século XVI, perdendo importância a partir do século XIX, quando o algodão e a lã são retirados das casas para as fábricas. Em seguida, a mão de obra da mulher e do menor foi solicitada na indústria têxtil, tanto na Inglaterra, como na França, porque menos dispendiosa e mais “dócil”.

Em outra parte, durante a guerra, as mulheres foram chefes de família, condutoras de bondes, operárias de fábricas de munição, auxiliares do exército. Adquiriram mobilidade, e principalmente, confiança em si mesmas, mesmo assim, cessado o conflito poucos vestígios restaram da presença da mulher no mundo público. É inegável que a guerra se constituiu em experiências significativas, de liberdade e de responsabilidade, e mostrou que a mulher era capaz de manusear instrumentos e técnicas que desconhecia, destruindo as barreiras entre trabalhos masculinos e femininos (COELHO, 2016).

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Entretanto, as desigualdades nas condições de trabalho existente entre homem e mulher continuava e então nasceu à luta das mulheres por melhores condições de trabalho e a reivindicação por igualdade dos direitos trabalhistas. Como isso, tornou-se evidente a necessidade de proteção ao trabalho da mulher, resultando em regulamentações por vários organismos internacionais, com a inegável influência da ação internacional, principalmente a OIT, inclusive no capítulo alusivo ao trabalhador da mulher (BARROS, 2016).

Após essa grande era de transformações internacionais, surge no Brasil, no ano de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conferindo a todo trabalhador uma proteção na esfera trabalhista. Dentre essa proteção está a classe trabalhadora das mulheres, gerando grandes transformações, desde seu afastamento por gravidez, a empregada doméstica, as mães adotivas, as atividades insalubres no período de gestação, e entre outros dispositivos infra constituídas na referida legislação (CALIL, 2007).

Décadas mais tarde, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a normativa da lei ganhou mais força, pois o direito para as trabalhadoras gestantes teve destaque no art. 7, XVIII e XX da Constituição Federal de 1988: Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (BRASIL, 1988).

Também nessa direção, o desenvolvimento da legislação trabalhista brasileira, surgiu, com a primeira lei introduzida no âmbito Estadual, que propiciou uma atenção especial para as mulheres trabalhadoras, sendo elas as mulheres operárias do estado de São Paulo. A Legislação nasceu com a finalidade de proteger as mulheres em estabelecimentos industriais, que estavam no último mês de gravidez e no primeiro puerpério, estabelecida com a Lei n. 1.596/1917 (BARROS, 2016).

No âmbito federal, o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública (Decreto nº 16.300, de 21 de dezembro de 1923) garantia às mulheres empregadas em estabelecimentos industriais e comerciais, descanso de trinta dias antes e outros trinta dias mais após o parto. Também, o Decreto facultava às empregadas a amamentação de seus filhos, bem como, previa, a criação de creches ou salas de amamentação próximas aos estabelecimentos em que essas trabalhavam. Em seguida, o Decreto n. 21.417- A, em seu art. 7°, regulamentou o trabalho da mulher nos estabelecimentos industriais e comerciais, públicos e particulares, um descanso obrigatório de quatros semanas antes e quatro semanas após o parto. Por derradeiro,

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vê-se diante desses decretos, uma constante ratificação de normas que visam o mesmo propósito, que é exatamente a proteção ao trabalho da mulher (BARROS, 2016).

No mesmo caminho, as Convenções da OIT, desde sua origem em 1919 e mesmo após sua vinculação à ONU, têm como intuito promover a igualdade das condições de trabalho em todo o planeta como forma de diminuir as diferenças socioeconômicas existentes no mundo. Uma vez que a maioria da população mundial vive do fruto de seu trabalho, igualar as condições em que este trabalho é prestado e como é remunerado pode promover a igualdade entre os trabalhadores dos diferentes países (CALIL, 2007).

As convenções números 3 e 4 da OIT são elaboradas ano de 1919 e referem-se à mulher trabalhadora e foram as primeiras neste sentido. Tais convenções, eram voltadas as mulheres empregadoras, a de n. 3 garantia a mulher uma licença de seis semanas antes e depois do parto, mas com as devidas remunerações auferidas, também definia um intervalo de trinta minutos durante a jornada de trabalho, para que a mulher pudesse oferecer a amamentação de seu filho. Caso houvesse a dispensa da mulher das suas atividades laborais no período de gestação ou amamentação, essas seriam consideradas ilegais (CALIL, 2007).

Por sua vez, a convenção n. 4, proibiu o trabalho noturno da mulher nas industrias públicas ou privadas, mas essa proibição não se estendia a trabalhadora que realizava seus trabalhos em estabelecimentos onde trabalhavam apenas membros de uma mesma família, também, essa proibição ficava suspensa, ou seja, não seria efetivada em casos de força maior ou perigo iminente de perda de matéria prima que não fosse manipulada. Essa convenção foi ratificada pelo Brasil, promulgada pelo decreto 1936, de 19 de janeiro de 1937, e posteriormente denunciada (LOPES, 2008).

Nesse sentido, a mulher vem conquistando, cada vez mais, seu lugar no mercado de trabalho, obtendo independência financeira e revelando a sua contribuição na economia do país, destacando-se como profissional em diversos setores, tais como: liderança de empresas, telejornais, área da saúde, área jurídica, política e entre outros. Porém, notadamente, ainda há uma grande desvalorização em questões salariais, mesmo diante da afirmação de seu lugar na sociedade que vem sendo conquistado com muita luta e merecimento. Diante disso, as mulheres ainda enfrentam um grande problema relacionado as remunerações auferidas por sua atividade laboral. No território brasileiro, as mulheres recebem 70% do salário do que os homens recebem para exercer a mesma função. É perceptível que o papel da mulher na sociedade ainda é rotulado sob a insigne do preconceito, resultado de aspectos históricos e culturais de uma sociedade machista, onde remetem o papel da mulher apenas no lar, cuidando das atividades domésticas e dos filhos, e os homens responsáveis pelo sustento da família (RIBEIRO, 2020).

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Nesse contexto, cabe frisar que, é imprescindível a criação de políticas públicas e debates construtivos a fim de coibir a continuidade de uma sociedade machista que se constituiu em décadas anteriores e que continua gerando seus efeitos. E então, assim, prosperar na caminhada por uma sociedade mais igualitária tanto na vida social, quanto em outras áreas como no caso em questão, no mercado de trabalho (RIBEIRO, 2020). A fim de proporcionar mais oportunidades para as mulheres adentrarem no mercado de trabalho, com vagas proporcionais a dos homens, e então, conquistar de forma justa o seu lugar em cargos profissionais (RIBEIRO, 2020).

Diante dessa realidade, os esforços devem estar voltados para a necessidade de se dirimir o grande déficit na esfera trabalhista, haja visto que ambos os gêneros são dotados de qualidades e direitos para exercerem da mesma maneira as capacidades e atividades profissionais desempenhadas, e justamente por isso, as remunerações devem se dar de forma igualitária, tendo em vista que a realização dos cargos constituídos como profissionais são exercidos da mesma forma, como os homens e mulheres exercem. Nesse sentido, para que se seja desfeita a desigualdade e a imagem da incapacidade feminina, tanto na esfera trabalhista, como em outros papeis desenvolvidos na sociedade, faz-se necessária que a coletividade lute para a conquista do espaço da mulher na esfera trabalhista, como também na vida social (RIBEIRO, 2020).

2.2 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E SUAS MÚLTIPLAS FORMAS

Para uma melhor compreensão sobre a violência de gênero e suas formas, inicialmente, faz-se indispensável, traçar as diferenças entre sexo e gênero, que a despeito de possuir significados semelhantes, quando examinados mais detalhadamente, são completamente distintos.

No ano de 1972, os sexólogos John Money e Anke Ehrhardt difundiram a concepção de distinção de sexo e gênero, uma vez que sexo estaria atrelado a atributos biológicos e gênero estaria ligado à identidade de cada ser humano. Desta maneira, gênero é compreendido como uma categorização pessoal e social dos indivíduos, com base na construção de sua identidade, portanto independe do sexo biológico (SIQUEIRA; SAMPARO, 2017).

Para melhor elucidar essa diferenciação, faz-se importante, destacar, que aspectos ligados ao modo social vivenciado pelo patriarcalismo influenciou diversas doutrinas quanto à percepção de gênero. Nesse ponto, houve a concepção aristotélica, que em seu argumento estava o fato de que o feto era fruto do encontro do esperma com o mênstruo, e a mulher seria apenas uma matéria passiva nesta relação. partindo desta argumentação, Hipócrates acreditava

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que o ser humano era dividido em duas espécies: uma fraca, o feminino, e uma forte, o masculino (SIQUEIRA; SAMPARO, 2017).

Por outro seguimento, a teoria psicanalista sobre gênero, a qual Sartre e Freud são os grandes expoentes, defendem que tudo é um fenômeno sexual. Assim, é através da sexualidade que o sujeito consegue compreender qual o seu gênero e sua respectiva identidade.

Ante as concepções Aristotélicas e as de Hipócrates, como também, as de Sartre e Freud tem-se o significado de Gênero bem como a distinção sobre o tem-sexo.

Nesse sentido, Siqueira e Samparo (2017) destacam:

É impossível, todavia, falar de gênero separado do corpo, e, por conseguinte, do sexo biológico, visto que, conforme Linda Nicholson afirma, “sexo não pode ser independente de gênero, antes, sexo nesse sentido deve ser subsumido pelo gênero.” É fundamental enxergar o ser humano em sua totalidade, um conjunto formado por corpo, sexo biológico, gênero e identidade de gênero, que nada mais é que o gênero com o qual determinado sujeito se identifica e pode ser diferente daquele atribuído quando de seu nascimento (SIQUEIRA; SAMPARO, 2017, p. 219)

Assim, o gênero é um fato social que advém do papel exercido pelos indivíduos dentro da sociedade, levando-se em consideração o corpo físico. É por tal motivo que, para Simone de Beauvoir, “[...] não se nasce mulher, torna-se mulher. E essa transformação parte tanto do interior quanto do exterior do sujeito. Ainda, Beauvoir, faz a distinção de sexo e gênero, sendo que sexo importa a pressuposto biológico do ser, e gênero se refere a construção cultural do sujeito (COELHO, 2018).

Desta forma, A formulação de Simone de Beauvoir é enfática ao reafirmar e distinguir sexo de gênero e sugere que o gênero é um aspecto da identidade gradualmente adquirido. Assim, não há uma “natureza feminina” ou uma “natureza masculina” que sejam imutáveis, sendo os papéis sexuais construídos culturalmente (COELHO, 2018, p. 27).

Passada a imprescindível elucidação sobre a distinção de sexo e gênero, pois evita a confusão sobre sua natureza, o contexto abre espaço para adentrar na questão da violência de gênero e suas múltiplas formas.

De forma preliminar pode-se definir a violência contra a mulher como sendo uma conduta de discriminação, coerção, agressão que tem como fundamento o fato da vítima ser do sexo feminino e que resulte em dano, constrangimento, morte, limitação e sofrimentos de vários tipos ou perda patrimonial, este tipo de violência pode ocorrer tanto no espaço privado quanto no espaço público (JOHAS, 2012, p.108)

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[...] homens e mulheres são afetados de forma bastante distinta e com diferentes características, os homens em geral são vítimas de violência letal em vias públicas enquanto as mulheres sofrem maior violência física e dentro do âmbito doméstico, as diferenças em relação a como os diferentes grupos sociais vivenciam a violência também pode ser percebido por um recorte de raça, de acordo com os dados as mulheres negras foram as maiores vítimas da violência letal do que as mulheres brancas, de acordo com os dados de todas as mulheres assassinadas em 2017, 66% destas são negras, estas dados demonstram ainda que as mulheres negras, entre as mulheres, são ainda mais vulneráveis a violência e possuem, portanto, mais dificuldades no acesso aos seus direitos de cidadania e a justiça (JOHAS, 2020, p.111).

Outra configuração acerca do entendimento do que é a violência de gênero, é encontrada no artigo 7º da Lei 11.340/2006, que define violência doméstica e familiar como possuindo diferentes aspectos: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Trata-se de ampliação na definição do conceito de violência que está bastante atrelada a complexidade do fenômeno social da violência de gênero e comprova como ela possui formas muito diversas e com graus diferentes de intensidade, recorrência e visibilidade social (JOHAS, 2020, p.116).

De acordo com a Lei: Art. 7º são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018);III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).

Nesse panorama da violência contra a mulher, verifica-se a dimensão do problema desse tipo de violência, pois configura-se como uma forma de restrição de direitos de cidadania para as mulheres e, assim, uma espécie de injustiça social. Este aspecto é relevante porque esta definição das múltiplas formas de violência contra a mulher opera a necessidade de formulação políticas públicas voltadas para a proteção e prevenção da violência de forma abrangente, por

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meio de um desenho institucional bastante complexo que envolve diferentes setores entre eles: saúde, assistência social, justiça, polícia, judiciário (JOHAS, 2020, p.117).

2.3 A LUTA POR DIREITOS CIVIS NO ÂMBITO DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos civis são muito antigos, e mesmo não tendo um momento certo de seu nascimento, pode-se ao menos identificar em qual período os direitos começaram a moldar sua forma de fato. Assim, um dos primeiros registros que se tem da positivação dos direitos civis é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Além desse registro, tem-se como época marcante que delineou os passos dos direitos civis, o período das revoluções acontecidas na Europa no século XVIII. Época em que as monarquias absolutistas foram enfraquecidas e acabaram perdendo seu monopólio de autoridade política (TAVASSI, 2019).

Nesse sentido, Medved (2018) menciona:

A partir dessas revoluções, os direitos civis começaram a ser reconhecidos, um processo que demorou um longo tempo e ainda está acontecendo.

Já no Brasil, o primeiro avanço na área dos direitos civis foi a abolição da escravatura, em 1888. A partir da Constituição de 1891 – que garantiu a igualdade legal entre os cidadãos e também as liberdades de crença, associação e reunião, tal como permitiu o habeas corpus, todas as Constituições do Brasil passaram a defender os direitos civis.

Por isso, pode-se afirmar que se antes os direitos e deveres entre os homens eram determinados por privilégios sociais tais como: posses, rendas, títulos de nobreza, atualmente, os direitos civis congregam os benefícios de liberdade individual, liberdade de palavra, pensamento e crença, liberdade de ir e vir, o direito à propriedade, o direito de contrair contratos válidos e o direito à justiça (TAVASSI, 2019).

Em breve digressão histórica, os direitos humanos surgem como reação e resposta aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limites à abusiva atuação do Estado. A solução era limitar e controlar o poder do Estado, que deveria se pautar na legalidade e respeitar os direitos fundamentais. A não atuação estatal significava liberdade. Daí o primado das liberdades, em detrimento dos direitos sociais, econômicos e culturais que dependessem da intervenção estatal (PIOVESAN, 2013).

Ainda, segundo os ensinamentos de Piovesan (2013)

A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. A

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universalidade dos direitos humanos traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à determinada raça. Além da universalidade dos direitos humanos, a Declaração de 1948 ainda introduz a indivisibilidade desses direitos, ao ineditamente conjugar o catálogo dos direitos civis e políticos com o dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Nesse sentido, verifica-se que o Estado passa a ser visto como partícipe importante desse processo de transformação, e então, o direito à abstenção do Estado, nesse sentido, transforma-se em direito à atuação do Estado, com a emergência dos direitos à prestação social.

À vista disto, a Declaração de 1948 dá início à excepcional inovação ao conter uma linguagem de direitos que até então não se tinha concebido. Aliando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a catalogar tanto direitos civis e políticos como direitos sociais, econômicos e culturais. Essa nova configuração apresenta duas inovações colocadas pela Declaração: a) parificar em igualdade de importância, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; e b) afirmar a inter-relação, indivisibilidade e interdependência de tais direitos (PIOVESAN, 2013).

Na esteira do que diz Tosi (2009):

Neste sentido, a declaração reuniu as principais correntes políticas contemporânea, pelo menos ocidentais, na tentativa de encontrar um ponto de consenso o mais amplo possível. A Declaração Universal reafirma o conjunto de direitos das revoluções burguesas (direitos de liberdade, ou direitos civis e políticos) e os estende a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proíbe a escravidão, proclama os direitos das mulheres, defende os direitos dos estrangeiros, etc.); afirma também os direitos da tradição socialista (direitos de igualdade, ou direitos econômicos e sociais) e do cristianismo social (direitos de solidariedade) e os estende aos direitos culturais. Isto foi fruto de uma negociação entre os dois grandes blocos do após-guerra, o bloco socialista – que defendia os direitos econômicos e sociais – e o bloco capitalista – que defendia os direitos civis e políticos.

Essa nova configuração originou a novas “gerações” de direitos. Sendo elas as de primeira geração - que inclui os direitos civis e políticos: os direitos à vida, a liberdade, à propriedade, à segurança pública, a proibição da escravidão, a proibição da tortura, a igualdade perante a lei, a proibição da prisão arbitrária, o direito a um julgamento justo, o direito de habeas corpus, o direito à privacidade do lar e ao respeito de própria imagem pública, a garantia de direitos iguais entre homens e mulheres no casamento, o direito de religião e de livre expressão do pensamento, a liberdade de ir e vir dentro do país e entre os países, o direito de asilo político e de ter uma nacionalidade, a liberdade de imprensa e de informação, a liberdade de associação, a liberdade de participação política direta ou indireta, o princípio da soberania popular e regras básicas da democracia (liberdade de formar partidos, de votar e ser votado, etc...). Bem como as de segunda geração que inclui os direitos econômicos, sociais e culturais: o direito à

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seguridade social, o direito ao trabalho e a segurança no trabalho, ao seguro contra o desemprego, o direito a um salário justo e satisfatório, a proibição da discriminação salarial, o direito a formar sindicatos, o direito ao lazer a ao descanso remunerado, o direito à proteção do estado do bem estar social, a proteção especial para a maternidade e a infância, o direito à educação pública, gratuita e universal, o direito a participar da vida cultural da comunidade e a se beneficiar do progresso científico e artístico, a proteção dos direitos autorais e das patentes científicas (TOSI, 2009).

Assim, tem-se que, desses direitos, alguns são classificados em direitos de aplicação imediata, posto que já estejam aptos a produzirem os seus efeitos. e outros que contém cunho programático, ou seja, trazem em si a determinação ao Estado para elaboração de programas e serviços que viabilizem a prestabilidade dos direitos sociais (TOSI, 2009).

2.4 MARCOS JURÍDICOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS E A RELAÇÃO COM OS AVANÇOS NOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES

Concernente aos aspectos relacionados aos marcos jurídicos nacionais e internacionais que registram os avanços nos direitos humanos das mulheres, se faz imprescindível compreender a importância desses marcos e a forma como são definidos. Quando se fala em direitos humanos das mulheres, as primeiras ideias que surgem à mente são de lutas por igualdade de direitos e proteção da pessoa humana. Isso porque em épocas diversas as mulheres prolataram reivindicações a fim de terem atendidas as suas necessidades mais básicas e fundamentais. Por isso, os Direitos humanos são o fundamento e as razões de suas lutas, por serem, em sua concepção, os alicerces que resguardam a dignidade da pessoa humana (TAVASSI, 2009).

Mazzuoli (2014), assevera que:

No que tange à proteção dos direitos das pessoas, tem -se que os “direitos humanos” (internacionais) são mais amplos que os “direitos fundamentais” (internos). Estes últimos, sendo positivados nos ordenamentos jurídicos internos, não têm um campo de aplicação tão extenso quanto o dos direitos humanos, ainda mais quando se leva em conta que nem todos os direitos fundamentais previstos nos textos constitucionais contemporâneos são exercitáveis por todas as pessoas indistintamente. Tome-se, como exemplo, o direito de voto, que não pode ser exercido pelos conscritos, durante o período de serviço militar, sem falar nos estrangeiros (CF, art. 14, § 2.º).

Notadamente os direitos humanos por terem um campo de aplicação extenso (aspecto que os diferencia dos direitos fundamentais), podem ser vindicados sem qualquer tipo de distinção, por todos os cidadãos do mundo e em quaisquer condições, sendo que para tal

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vindicação basta que ocorra a violação de um direito seu reconhecido em tratado internacional e aceito pelo Estado em cuja jurisdição se encontre (MAZZUOLI, 2014)

Sobre o aspecto de origem dos direitos humanos, interessante assinalar que, os acordos internacionais protetivos dos direitos da pessoa humana surgiram como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos na segunda Guerra Mundial, pelo nazismo, que violaram os direitos humanos. A fonte desses acordos é o Direito Internacional dos Direitos Humanos (International

Human Rights Law) que, por sua vez, consiste em um conjunto de normas internacionais,

procedimentos e instituições criadas com intuito de concretizar esta concepção bem como promover o respeito dos direitos humanos em todos os países (MAZZUOLI, 2014).

Piovesan (2008) em seus ensinamentos assinala:

Firma-se assim, no âmbito do sistema global, a coexistência dos sistemas geral e especial de proteção dos direitos humanos, como sistemas de proteção complementares. O sistema especial de proteção realça o processo da especificação do sujeito de direito, no qual o sujeito passa a ser visto em sua especificidade e concreticidade (ex: protege-se a criança, os grupos étnicos minoritários, os grupos vulneráveis, as mulheres etc.). Já o sistema geral de proteção (ex: os Pactos da ONU de 1966) tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade.

Por isso nota-se que a proteção ao homem passou a aflorar e se solidificar, gerando a adoção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos. Surge, então, no âmbito da Organização das Nações Unidas, um sistema global de proteção dos direitos humanos, tanto de caráter geral (a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), como de caráter específico as Convenções internacionais de combate à tortura, à discriminação racial, à discriminação contra as mulheres, à violação dos direitos das crianças etc. (PIOVESAN, 2008).

Nesse sentido Tilio (2016) enfatiza que as mulheres e (outros grupos minoritários) promoviam reivindicações tanto coletivas como individuais bem como públicas e privadas e que essa prática sempre foi uma constante na história.

Conforme salienta o mesmo autor, pode-se elencar a partir de uma apreciação histórica quais foram na modernidade os principais documentos e marcos legais que colaboraram na fundamentação e orientação das ações políticas referentes aos movimentos feministas em busca de equidade de condições frente e em relação aos homens, assumindo o enfrentamento da violência como brasão (TILIO, 2012).

Assim, tem-se que os marcos legais internacionais e nacionais, registrados no século XVIII e dentre os primeiros estão o texto de Olympe de Gouges, Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, elaborado no período da Revolução Francesa e que exigia, para a construção

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de uma sociedade menos desigual que a homens e mulheres fossem observados os mesmos direitos. Já o texto de Mary Wollstonecraft, uma defesa dos direitos da mulher, do ano de 1792, escrito um ano após o texto de Olympe, também exigia a igualdade de direitos para as mulheres visto que elas eram compulsoriamente oprimidas pelos homens (TILIO, 2012).

Entretanto os dois textos supracitados não conseguiram concretizar os avanços que propunham no papel. A posteriori, foi então que apenas no século XX, década de 1940, que os organismos internacionais, especificamente a Organização das Nações Unidas (ONU), propuseram documentos que tinham o intuito de servir tanto de orientações políticas internacionais (em primeiro instante) quanto efetivarem-se na forma de instrumentos legislativos de combate às diversas formas de opressão das mulheres (TILIO, 2012).

Nessa jornada de acontecimentos relevantes, fica nítido que foi o século XX o período importante para a afirmação dos direitos humanos no plano internacional, revelando-se, um marco fundamental, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. O que confirma que “Desde então, através de diversas convenções e tratados internacionais, os direitos humanos vem se ampliando e influenciando as esferas nacionais pois convenções e tratados internacionais assinados pelo país passam a ter força de lei uma vez ratificados pelo Congresso Nacional” (PITANGUY, [2012]).

As mulheres, ao longo dos séculos, foram e continuam sendo privadas do exercício pleno de direitos humanos e continuam submetidas a abusos e violências. Nota-se que as questões que sempre fizeram parte da sua agenda, como a violência doméstica, os direitos sexuais e reprodutivos, direitos sociais específicos à mulher, a violação de sua integridade física, entre outros temas, cada vez mais fazem parte dos movimentos e estão nas pautas de discussões das Nações Unidas e no âmbito nacional. Como excelentes protagonistas nessa trajetória, as mulheres, vêm seguindo dois caminhos que se integram, um na esfera nacional e outro na arena internacional (SOUZA, 2009).

No horizonte internacional, o instrumento de direitos humanos, que se revela de suma importância para as mulheres, é a Convenção contra Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), de 1979 (SOUZA, 2009).

Já em relação aos direitos humanos das mulheres no Brasil, a Constituição de 1988 foi o marco primordial, pois a partir dela houve uma verdadeira mudança de paradigma do direito brasileiro principalmente em relação à igualdade de gênero, mostrando ser evidente a participação do movimento de mulheres que , em articulação com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) construíram uma história que fora muito bem sucedida através da campanha intitulada "Constituinte pra Valer Tem que ter Direitos da Mulher" de forma que

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possibilitou uma atuação conjunta ao Congresso Constituinte em um movimento conhecido como Lobby do Batom (SOUZA, 2009).

Marcou-se então um episódio inédito da história constitucional brasileira, ao passo que se consagra a igualdade entre homens e mulheres, como um direito fundamental. Constando nos termos do artigo 5º, inciso I do texto. Desta forma o princípio da igualdade entre os gêneros é ratificado no âmbito da família, na medida em que o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres, em conformidade com o artigo 226, parágrafo 5°. Mesmo ainda constando na edição do novo código civil brasileiro, reservas no capítulo família, pois no código civil, se atribuía ao homem a chefia da sociedade matrimonial (SOUZA, 2009).

No entanto, a nova Constituição de 1988, na qual os movimentos e Conselhos de Mulheres tiveram um papel fundamental, estabelece igualdade entre homens e mulheres na sociedade matrimonial (artigo 226, parágrafo 5) com a qual o governo revogou suas reservas (SOUZA, 2009).

Conforme salienta Souza (2009)

A Constituição de 1988 também incorpora a questão da violência intrafamiliar como sendo uma responsabilidade do Estado coibi-la. Esse enunciado constitucional é de crucial importância para a elaboração, em 2006, de uma legislação específica sobre violência doméstica, a chamada lei Maria da Penha, cujo conteúdo foi influenciado pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, também conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Constituição também reconhece o direito do casal decidir livremente o número de filhos e o dever do Estado em fornecer os meios para que esta escolha se realize. Este principio constitucional será regulamentado em 1996 pela lei 9263 do Planejamento Familiar. Faltam leis e normas no âmbito da saúde e dos direitos reprodutivos, que assegurem efetivamente o pleno exercício desses direitos, destacando-se aí a legislação criminalizante e restritiva com relação ao aborto ainda vigente no país.

Como visto alhures, houve um avanço na questão de direitos e deveres igualitários para homens e mulheres, notadamente a elaboração em 2006, de uma nova legislação específica sobre violência doméstica, conhecida Lei Maria da Penha, incorpora a questão da violência intrafamiliar, e, novas leis no âmbito civil, penal, trabalhista, social ou a eliminação de legislações discriminatórias têm ampliado o marco legal dos direitos humanos das mulheres no Brasil, não havendo hoje nenhuma legislação claramente discriminatória com relação a mulher. Entretanto, o que infelizmente se nota é que o critério da universalidade da legislação ainda não é aplicado igualitariamente, sendo que dentre as mulheres, a questão da raça, etnia e notadamente a orientação sexual são visivelmente menos reconhecidas e menos acessíveis aos direitos humanos (SOUZA, 2009).

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Também, fazendo uma digressão sobre o percurso da internacionalização dos direitos humanos, encontram-se alguns eixos fundamentais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é a principal referência nesse campo, na medida em que, reflete a situação política depois da Segunda Guerra Mundial, na qual se insere a criação das Nações Unidas (SOUZA, 2009).

Dessa forma, é um marco político e jurídico na história do Direito Internacional o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, tendo como seu tratado fundador a Carta de São Francisco ou Carta das Nações Unidas. RAMOS (2014 apud KYRILLOS, 2018, p.43).

Conforme Ressalta o mesmo autor (2018):

De forma introdutória, no preâmbulo da carta da ONU consta a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Essa referência inicial é muito importante, haja visto que apresenta inserção do tema da igualdade de gênero no cenário internacional. Deste modo, a Carta da ONU fornece as primeiras bases para a construção de futuros documentos internacionais de direitos humanos acerca do tema da igualdade de gênero (KYRILLOS, 2018).

A emergência da ONU não foi apenas um marco para o Direito Internacional, mas, também um marco no campo dos direitos humanos, pois mesmo não tendo incluído uma definição de direitos humanos, o tratado constitutivo das Nações Unidas abarcou tais direitos dentre seus propósitos e compromissos.

De todo modo, salienta-se que nesses mais de 50 anos que nos separam desse documento histórico, vem crescendo a relevância do Direito Internacional dos Direitos onde se forma a base afeta as relações de gênero e está de acordo com a linguagem internacional de direitos humanos, que estabelece os marcos da “nova” cidadania da mulher (KYRILLOS, 2018).

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3 VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES

A violência contra as mulheres vem chamando a atenção de muitos organismos nacionais e internacionais, de representantes de diversas nações e de todos aqueles que ocupam posições e funções frente ao combate à violência contra as mulheres.

Por ser uma situação que atinge a vida de um imenso contingente de mulheres em todo o mundo, esse tipo de violência atrai cada vez mais a atenção, não apenas das autoridades competentes e especialistas da área, mas de toda a comunidade que vive diretamente essa situação crítica, desumana e aterrorizante.

A Convenção de Belém do Pará (1994), define:

[...] a violência contra a mulher constitui uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades [...] violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

A definição trazida por esta convenção constitui-se em questão relevante na agenda pública mundial, pois, cada vez mais, a violência contra a mulher deixa de ser um problema de âmbito privado e se torna uma questão pública, conforme expresso nesta convenção (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015).

Em colaboração ao que norteia a compreensão da violência contra a mulher, a Organização Mundial da Saúde – OMS, Organização Panamericana da Saúde, Banco Mundial, profissionais de saúde, Associação Médica Americana divulgam que a prevalência da violência é cometida por parceiros íntimos e que os episódios de violência mostram ser de caráter muitas vezes grave e reiterado. Tal constatação evidencia a desigualdade nas relações de gênero e as repercussões dos atos de violência que se estendem à saúde física, psicológica e reprodutiva das mulheres e podem permanecer mesmo após a cessação da violência (SCHRAIBER et al, 2007). Por esse aspecto, percebe-se que a sociedade ainda internaliza uma concepção de mundo associada à superioridade masculina, onde o homem tem o direito de dispor de sua companheira e isso é muitas das vezes aceito culturalmente. Infelizmente essa concepção faz com que condutas violentas ainda continuem a vigorar e desencadear as consequências destruidoras à vida das mulheres. Ademais a violência praticada pelo parceiro íntimo que geralmente o faz dentro do ambiente doméstico, constitui a forma mais prevalente e endêmica de violência contra a mulher. Neste cenário, o enfrentamento da violência implica na

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desconstrução de normas sociais e padrões culturais, que autorizam, naturalizam e banalizam a dominação masculina sobre a mulher (SILVA; OLIVEIRA, 2015).

Nessa toada, o legislador inovou ao conferir aos crimes praticados contra mulher em razão de sua condição de gênero, um tratamento jurídico distinto e diga-se mais gravoso, ao autor dos delitos praticados, de modo que este não poderá ser beneficiado com uma série de institutos jurídicos que teria direito, se eventualmente o crime não tivesse sido praticado nestas circunstâncias. Assim, para que o delito passe a ser processado e julgado sob a égide da Lei 11.340/06, faz-se necessário que a conduta esteja inserida em um contexto que configura a violência doméstica, bem como se adéque a algumas de suas formas, as quais estão, respectiva e expressamente, delineadas nos artigos 5º e 7º da mencionada Lei (AMBRÓSIO, 2017).

Por conseguinte, o enfrentamento da violência contra a mulher deve ser feito por diversos setores e órgãos da sociedade, e caso o estado não adote as medidas e diligências que as coíbam, poderá este ser responsável por tais iniciativas de violência doméstica e discriminação contra a mulher. Assim a exigência de que o Estado intervenha adequadamente para combater tal tipo de violência sai do âmbito da discricionariedade e passa a constituir-se em direito protegido no âmbito jurídico nacional e internacional (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015).

Verifica-se, portanto, que como a violência contra a mulher abrange um contexto mais amplo, todos os instrumentos de prevenção, investigação e combate dessa conduta devem estar inseridos nas pautas das instituições para que se dê a devida atenção a essas situações que, em demasia, tem causado tantos problemas à vida das mulheres (SANTINON, et al. 2012).

3.1 TIPOS DE VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERRES

Os tipos de violências que são cometidas contra as mulheres no âmbito familiar, estão descritos na Lei Maria da Penha, em seu art. 7º e respectivos incisos, todavia, esta lista de condutas seja extensa, não é exaustiva, de forma que outras condutas também podem se enquadrar nesse contexto. Assim, os incisos do art.7° caracterizam os tipos de violência como: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. A Violência física é aquela em que o agressor, mediante qualquer conduta, ofenda a integridade física e a saúde corporal da vítima, através de agressões, ou com o auxílio de artifícios capazes de comprometer a integridade da mulher (RAMOS, 2017).

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A violência física é caracterizada por lesões corporais causadas por tapas, chutes, arremessos de objetos e por qualquer outra forma que possa deixar marcas no corpo físico da vítima.

É valido salientar que nesse tipo de violência pode ocorrer lesões graves e até mesmo gerar incapacidade de realizar tarefas habituais por toda sua vida podendo levá-la a morte. Também menciona a Lei outro tipo. Violência psicológica: considera-se o dano psíquico como sendo aquele que cause prejuízos à psique da vítima e às situações traumáticas (RAMOS,2019).

Conforme Cavalcante (2015) a violência psicológica é:

a violência psicológica é caracterizada por xingamentos, ameaças e humilhações. Tem como objetivo dominar a mulher de forma a destruir sua autoestima. Segundo Queiroz, (2005, p.3) “essa violência perpassa todas as outras formas, seja física, sexual, patrimonial ou social”, e deixa “marcas na alma” além da física, que são difíceis de serem tratadas, detectadas e levam um longo tempo para serem curadas ou desaparecem.

Esse tipo de violência, por ser subjetiva e de difícil identificação, na maioria dos casos, é negligenciada até por quem sofre, por não conseguir perceber que ela vem mascarada por controle, humilhações, ironias e ofensas (Martinelli, 2019).

Outro tipo elencado na lei é a violência sexual que, na maioria dos casos, o agressor obriga a vítima a fazer ou presenciar relações sexuais, das quais esta não deseja realizar, podendo o agressor ser seu marido, companheiro, namorado ou mesmo alguém desconhecido. Há casos em que o agressor, até mesmo, obriga a vítima a se casar e ter filhos (Cavalcante, 2015).

Diante dessas formas descritas, cabe ressaltar:

A violência (física, psicológica ou sexual) está ligada a condições interpessoais associadas às desigualdades de gênero. Como aumento da violência, aumentam também as doenças e os riscos de adoecer. Os vários tipos de violência são considerados "pequenos assassinatos diários" e, contra a mulher, no âmbito interpessoal, a violência é uma das mais difíceis de ser prevenida e evitada (SCHRAIBER e OLIVEIRA, 1999). Além dos problemas surgidos na saúde física e mental, a relação violenta diminui a qualidade de vida da mulher, sua capacidade produtiva, seu trabalho, sua educação e autoestima (RNFS, 2002).

Outro tipo de violência que merece atenção é a violência patrimonial, haja visto que acontece qualquer tipo de destruição ou subtração de objetos pessoais, tais como: documentos, utensílios pessoais, bens e recursos econômicos ou algum outro objeto que pertença a vítima (SOMENZARI, 2017).

Referências

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