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4 FEMINICÍDIO

4.5 EFETIVIDADE DA MUDANÇA LEGISLATIVA PARA O COMBATE À

A mudança Legislativa para o combate à violência e morte de mulheres foi um avanço importante em nosso ordenamento jurídico. Ela aconteceu com a inclusão no código penal, Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, da qualificadora do feminicídio que está

disposta no art. 121, § 2°- A do mencionado Código. A nova qualificadora caracteriza o feminicídio ao prescrever que é configurado o crime quando praticado pela condição de gênero ou por razões de violência doméstica e familiar.

Essa inovação se fez necessária e urgente devido aos constantes e graves casos de violência e morte de mulheres em nossa sociedade, haja visto que era imperioso que o delito fosse especialmente tipificado, trazendo mais controle e rigor a fim de prevenir, coibir e punir a prática delituosa.

Quanto à prática do feminicídio, Maggio (2017) salienta que o feminicídio pode ser praticado tanto por homem como por mulher, desde que nas razões estejam as condições de gênero ou a violência doméstica:

Feminicídio (objeto do presente estudo) é a morte de mulher (praticada pelo homem ou por outra mulher), motivada por razões da condição de sexo feminino da vítima. Mas isto não é o suficiente, visto que o legislador, por meio de norma explicativa, esclarece: "Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher” (CP, art. 121, § 2º-A, incisos I e II), com a redação dada pela referida Lei 13.104/2015.

Como pode ser observado no dispositivo legal, a norma explicativa ressalta os requisitos de violência doméstica e familiar, bem como, o de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Esse aspecto foi importante para classificar o crime de feminicídio e diferenciá-lo de um crime comum, pois antes de a Lei entrar em vigor não havia uma penalidade diferente para os agressores que praticavam este tipo de crime contra mulheres. Em razão dos motivos supramencionados e, que foram precisamente definidas com a inovação desta lei, os agressores cumprirão penas mais gravosas.

Tal adequação é enfatizada por Fernando Capez:

Antes da Lei n. 13.104/2015, não havia nenhuma punição especial pelo fato de o homicídio ser praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Matar uma mulher pelo fato de ela ser mulher caracterizava homicídio qualificado por

motivo fútil ou torpe, a depender do caso concreto. Após a Lei n. 13.104/2015, tal motivação acarreta a adequação típica do fato ao art. 121, § 2º, VI, do CP.

Ainda, quanto à importância da definição do feminicídio BARROS (2015) corrobora: O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher.

Indubitavelmente, a definição do feminicídio foi aspecto importante, na medida em que especifica as características para que se configure o crime, mostrando que as razões do ato delituoso são condutas que a sociedade repudia e que por isso responderá de forma especial a esses delitos, como é o caso em que se configura o feminicídio.

Passada a imprescindível elucidação do feminicídio, adentra-se na abordagem da efetividade da mudança legislativa para o combate à violência e morte de mulheres, pois paira o questionamento sobre os resultados palpáveis desta mudança sobre a problemática em estudo. Dito isso, vislumbra-se constatar se a norma penal surte efeito real ou se é mera expectativa de direito.

Nesse passo, a criação da qualificadora do feminicídio demonstra um claro movimento do Direito Penal em razão do gênero, tal como ocorreu em 2006 com a promulgação da Lei 11.340 (Lei Maria da Penha), haja visto que apesar de a Lei Maria da Penha representar importante avanço com relação à proteção das mulheres contra a violência doméstica, acabou revelando, uma distorção, ou entenda-se até mesmo como uma limitação, na medida em que está focada nas lesões corporais, não abarcando necessariamente a morte decorrente deste mesmo tipo de violência (ROCHA; CARVALHO, 2017).

Nota-se que, mesmo com a tutela em nosso Código Penal, a real coibição da violência e morte de mulheres ainda é deveras ineficaz, exigindo do Estado novas abordagens além da esfera penal.

Para que o combate à violência contra a mulher se concretize de forma ampla, abrangendo a todas as mulheres em situação de violência e vulnerabilidade, é preciso mais do que a punibilidade dos agressores. Faz-se necessária a efetividade de políticas públicas que visem contornar a padronização social dos papéis de gênero impostos (NUCCI, 2015).

Nesse sentido, faz-se mister ponderar a respeito da efetividade da Lei do Feminicídio no enfrentamento ao mal que visa inibir, qual seja, a morte violenta de mulheres em razão do gênero.

Em abril de 2016, foram publicadas as diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres, nessas orientações os Estados devem cumprir com quatro tipos de obrigações quando estiverem diante de casos de violência contra o gênero feminino, sendo essas: “atuar com a devida diligência, o dever de prevenção, o dever de investigar e sancionar e o dever de garantir uma justa e eficaz reparação” BRASIL (2016, p.49 apud ROCHA; CARVALHO, 2017).

Tais orientações tem o propósito de alcançar maior aprimoramento da investigação policial, do processo judicial e do julgamento das mortes violentas de mulheres a fim de se evidenciar as razões de gênero como causas dessas mortes.

Nessa lógica, a partir do reconhecimento das circunstâncias em que ocorre essa violência, se pretende um aprimoramento da “resposta do Estado, em conformidade com as obrigações nacionais e internacionais assumidas pelo governo brasileiro” BRASIL (2016, p. 16, apud ROCHA; CARVALHO, 2017).

Ainda, Consoante às diretrizes, ao se tipificar os homicídios praticados contra o gênero feminino, ou nomear este tipo como feminicídio, torna-se uma estratégia utilizada para “sensibilizar as instituições e a sociedade sobre a ocorrência e permanência desses crimes na sociedade, combater a impunidade penal nesses casos, promover os direitos das mulheres e incentivar a adoção de políticas de prevenção à violência baseada no gênero” BRASIL (2016, p. 14 apud ROCHA; CARVALHO).

A partir dessa percepção, nota-se que apenas apostar em alterações nas legislações penais e processuais penais sem se ater quanto a criação de políticas que ofereçam meios necessários para enfrentar o problema, são de fato insuficientes, dada a alta complexidade que os envolve e que se perpetua há muito tempo na sociedade.

Ainda, conforme o mesmo autor, o governo brasileiro está apostando na política de alterar a legislação sem se preocupar com outros aspectos que complementariam e tornariam mais eficazes as políticas de enfrentamento à violência de gênero, haja visto que apenas as alterações nas legislações penais, não são suficientes para a solução dos problemas que se apresentam (ROCHA; CARDOSO, 2016).

salienta-se ainda, que o governo brasileiro vem há mais de três décadas apostando nesta política e os índices crescentes de criminalidade mostram que estamos fracassando (ROCHA; CARDOSO, 2016).

Outra questão importante se relaciona com a forma de atuação dos governantes, enfatizando a necessidade de se criar políticas públicas mais sérias, voltadas para a segurança

pública, como por exemplo a criação de medidas socioeducativas, deixando de atuar apenas com as medidas repressivo punitivas (ROCHA; CARDOSO, 2016).

Nesse contexto, Paes (2019) assevera que:

É notório que existe um gap, uma grande diferença, entre a Lei do Feminicídio e a sua efetividade. Assim constatou o estudo da Global Americans Report que a realidade da América Latina é muito precária quanto aos feminicídios e o acesso à Justiça: “em geral as leis e as práticas para condenar autores de feminicídio ainda são extremamente fracas na América Latina e o sistema patriarcal de desigualdade e exclusão social permanece alto em áreas em que existe uma concentração de pobreza e em zonas de conflito”

Em suma , os estudos realizados no âmbito da violência contra as mulheres, não apenas no Brasil, mas na América Latina, reportam a realidade vivenciada por essas mulheres e pela sociedade como um todo, pois afirmam que há uma precariedade na América Latina quanto aos feminicídios e o acesso à justiça, revelando que as Leis e as práticas não estão alcançando os resultados esperados para condenar autores de feminicídio.

E nesse contexto evidencia-se o feminicídio comparando-o como se fosse a ponta de um iceberg, ou seja, ele surge quando todos os mecanismos de educação, de prevenção e de assistência falham. Por isso, ilude-se quem acredita que somente a criminalização do feminicídio será suficiente para coibi-lo, é preciso olhar debaixo da ponta do iceberg. Verificando as causas do feminicídio e traçando diretrizes para coibi-lo. Em suma, é necessário o uso do binômio prevenção-punição (PAES, 2019).

A partir disso e referente ao aspecto preventivo, os compromissos que devem ser firmados para combater o feminicídio devem observar: a valorização e desenvolvimento de políticas públicas para a efetivação da Lei Maria da Penha e a elaboração de estatística a fim de proporcionar e facilitar o desenho da política pública. É necessário, também, que o feminicídio esteja nas pautas das mídias e da política, de forma adequada, não machista e sem culpar a vítima (PAES, 2019).

Já no que diz respeito ao aspecto punitivo, é imprescindível que a Lei do Feminicídio seja aplicada com efetividade. Um instrumento interessante para auxiliar os operadores de Justiça, e que se mostram imprescindíveis, são as Diretrizes Nacionais do Feminicídio para investigar, processar e julgar, com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Embora os feminicídios sejam um fenômeno mundial, os índices brasileiros preocupam, nomear como “feminicídio” já é um começo para chamar a atenção deste fenômeno (PAES, 2019).

Diante deste cenário, verifica-se a importância dos instrumentos apropriados para o enfrentamento da violência e morte de mulheres, e para isso, faz-se fundamental compreender quais são as omissões e as falhas das medidas adotadas para o enfrentamento de tais problemas, pois o objetivo é ampliar a visão sobre os problemas existentes, obtendo assim, um real escopo sobre a ocorrência dos delitos para então agir adequadamente com os meios de prevenção e punição.

Também, nesta toada, são necessários debates sobre o tema, programas governamentais que comtemplem ações voltadas ao enfrentamento da violência, e medidas que possam efetivamente impactar na redução dos índices de criminalidade. Enfim, é imprescindível a constante conscientização da sociedade sobre a existência desse mal que a acompanha há tantos anos. Pois a partir disso e havendo uma melhor compreensão das razões pelas quais o problema acontece e se perpetua até os dias atuais, torna-se possível evitar que esses crimes continuem tendo espaço em nossa sociedade.

Enquanto cidadãos temos o dever de contribuir para diminuir e evitar a violência evidenciada, o que poderá ser feito por meio do diálogo e debates nas escolas, universidades, instituições profissionais e em outros meios, demonstrando as mazelas existentes e nossa indignação com essa situação.

Frise-se a importância da compreensão sobre a gravidade do problema e a dificuldade de contê-lo, por isso a violência de gênero deve torna-se mais visível para que políticas públicas sejam postas a fim de contornar a padronização social dos papéis de gênero impostos, e alcançar a igualdade de direitos, a justiça e a paz social.